Entrevista com Cátia Tokoro, conselheira de administração na SulAmérica e CHESF, ex-executiva em grandes empresas de TIC, investidora anjo, advisor de startups & scaleups e instrutora em cursos de formação de conselheiros de administração e de governança no IBGC (entre outras atividades institucionais).

Acionista – Inicialmente, a senhora poderia compartilhar com os leitores do portal Acionista um momento muito gratificante de sua rica trajetória profissional, caracterizada por variadas experiências organizacionais, institucionais e de educação de pessoas?

Esta é uma pergunta que poderia ser respondida com mais de um exemplo, mas focarei aqui num dos mais relevantes, sob a perspectiva do aprendizado com as pessoas. Há alguns anos, como executiva responsável pela Diretoria de Serviços a Clientes B2B, participei de uma fusão entre duas grandes empresas. Eram organizações com modelos de negócios e gestão bem diferentes, apesar de terem muitos clientes comuns. Os contratos, níveis de serviços, produtos, equipes de atendimento e sistemas de informações eram distintos. Os desafios eram grandes, administrar variáveis complexas em curto espaço de tempo não era trivial. Havia muitas decisões delicadas a tomar, envolvendo os profissionais das duas empresas, e forte pressão dos vários stakeholders.

Hoje, alguns anos após os fatos, posso dizer que o aprendizado sobre pessoas e outros temas é inesquecível. E também replicável. Esta e outras experiências profissionais e de vida me fazem lembrar uma frase de Abraham Lincoln: “no final, não são os anos de vida que contam. É a vida contida nesses anos”. A experiência mencionada foi intensa e reforça que palavras como ética, transparência, confiança, comunicação, cuidado e acolhimento, ligadas ao tratamento dos profissionais, refletem bem o que precisa existir em um processo complexo de fusão.

Acionista – Qual é a sua visão sobre a crise COVID-19? Como ela impactou e vem impactando países e organizações? E o que ela agregou às discussões sobre sustentabilidade e ESG?

Se a realidade das organizações já era caracterizada por várias naturezas de riscos, o quadro geral de riscos foi substancialmente agravado pela pandemia. Ao mesmo tempo, fatores como resiliência estratégica, organizacional e operacional têm sido críticos nesta conjuntura. Muitas organizações, premidas pela crise e sem outra alternativa a não ser inovar e se transformar, precisaram mais do que nunca de agilidade, flexibilidade, transparência, acolhimento, foco na saúde e bem-estar dos colaboradores, cuidado, experiência, relacionamento e interatividade digital com clientes e parceiros, além de ajustes e adequações importantes na cadeia de suprimentos.

As discussões sobre sustentabilidade se intensificaram e robusteceram, por absoluta necessidade. Questões como saúde física e emocional das pessoas, mudanças climáticas, biodiversidade, gestão de riscos mais acurada, novos protocolos, novas práticas de trabalho, transformações digitais, novas tecnologias, inovações, diversidade, equidade e inclusão entre várias outras foram encorpadas nas discussões ratificando a integração ESG à estratégia de negócios, fundamental para a sustentabilidade no longo prazo. Neste sentido, aproveito para sugerir aos leitores do Portal Acionista o texto Oito prioridades para os Conselhos de Administração em 2022, produzido pela KPMG.

Acionista – Sobre ESG – Environmental, Social and Governance: como uma organização deve introduzir o tema ESG nas agendas dos conselhos de administração?

Esta é uma jornada evolutiva, que deve considerar aprendizado e entendimento, suporte e transversalidade, com direcionamento estratégico. É importante entender, sobre a jornada em questão: 1) os fatores sociais, ambientais e de governança tornam-se risco, no nível do conselho de administração; 2) o conselho deve fazer uma gestão de riscos holística; 3) é responsabilidade do conselho inserir as questões ESG na visão estratégica dos negócios; 4) a comunicação com as partes interessadas é fundamental para a transmissão do compromisso da organização com a criação de valor no longo prazo; e, 5) é necessário existir uma visão integrada na definição de indicadores.

Dito isto, considero que o primeiro passo da jornada ESG é o letramento. E que melhores decisões serão tomadas se os fatores de sustentabilidade forem considerados de forma holística e aprofundada pelos conselhos. Um caminho possível para o desenvolvimento de um pensamento sustentável na organização pode ser a criação do comitê de sustentabilidade. Comitês assessoram os conselhos com pareceres, opiniões, propostas e recomendações em seus temas de expertise. O comitê de sustentabilidade tem a missão de engajar a Alta Administração na agenda ESG. E o conselho de administração deve cumprir seu supremo papel: liderar a organização, motivando o corpo executivo em prol da criação de um futuro sustentável.

Como o engajamento citado pode ser buscado? Por meio de contribuições diversas,  tais como:  (1) fomentar o pensamento integrado e que equilibra aspectos econômico-financeiros, socioambientais e de governança; (2) avaliar os drivers de maior tração na companhia, capazes de conectar as variáveis de sustentabilidade à estratégia do negócio; (3) criar ou atualizar o propósito da empresa; (4) incentivar o desenvolvimento de produtos e serviços sustentáveis, parcerias com startups, inovação aberta e novos modelos de negócios; (5) suportar a emissão de títulos verdes, sociais e sustentáveis; (6) recomendar metas relacionadas a aspectos ESG para executivos, a partir da construção de indicadores de sustentabilidade; e, (7) promover discussões transversais com outros comitês, como de auditoria, gestão de riscos, capital humano, comunicação e divulgação de resultados entre outros, em prol dos melhores interesses da companhia, da sociedade e do meio ambiente.

Acionista – Qual é a sua percepção sobre o contexto brasileiro e a sustentabilidade das empresas que operam em nosso País?

Minha percepção pode ser resumida em uma palavra singela: assimetria. No Brasil, assim como em outros países, existem diferentes níveis de conhecimento e maturidade nas organizações, o que reflete o estágio de suas respectivas lideranças e as condições de governança e gestão das operações

Independentemente do estágio de maturidade organizacional quanto à temática ESG, esta é uma jornada com alvos móveis – uma construção de longo prazo, que demanda investimento, tempo e necessita ser consistente e integrada à estratégia do negócio.

Acionista – O cidadão brasileiro pode cooperar para a sustentabilidade? Se positivo, como?

Como cidadãos, nós podemos ser mais conscientes na forma como lidamos com nosso patrimônio, quer atuemos como pessoas físicas, quer tomemos decisões em organizações. Gosto destas três reflexões:

  1. Sobre o consumo. Como você se comporta como consumidor ou consumidora? Quais tipos de produtos e serviços você prioriza (de produtores locais, orgânicos, recicláveis, etc)? Você consome mais do que precisa?
  • Sobre investimentos. Como você investe a diferença entre o dinheiro que recebe e o que gasta com seu consumo (preferencialmente consciente)? Você se planeja para que tal diferença seja positiva, a fim de que consiga investir? Caso positivo, em que tipos de empresa você investe?
  • Sobre suas doações. O que você tem doado à sociedade? Recursos financeiros? Trabalho (seu tempo)? Em que e como poderia contribuir mais?

Tais reflexões e perguntas, endereçadas a pessoas físicas, poderiam ser transpostas a organizações de variados tamanhos, com os ajustes requeridos. Já dizia Peter Drucker, que “a melhor maneira de predizer o futuro é inventá-lo”. Questões como estas e outras nos ajudam a pensar sobre nosso comportamento no presente e, consequentemente, sobre o futuro que estamos criando.

RI – Finalizando, como educadora, qual seria sua principal mensagem aos jovens que ora iniciam sua carreira no mundo corporativo em nosso País?

Que invistam sempre no seu autoconhecimento, que sejam curiosos e que procurem atuar sempre em linha com seus valores e propósitos. Acredito profundamente na força do aprendizado sem estagnação ou preconceitos, e que vem de fontes diversas: cursos, treinamentos, leituras, estudos, pesquisas, observação, trocas de ideias, abertura ao contraditório, mentorias, viagens dentre outras.

Alvim Toffler afirmou, há alguns anos, que: “o analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender”. Costumo dizer que o aprendizado contínuo e com visão de longo prazo, além de ser uma bela filosofia de vida, é divertido e cria efetiva satisfação naquele que além de aprender, o aplica em prol de uma sociedade melhor e mais justa.

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Nossa entrevistada Cátia Tokoro integra o conselho de administração das empresas SulAmérica (onde também coordena o Comitê de Sustentabilidade) e CHESF, bem como o conselho consultivo do Grupo Imagem e o conselho deliberativo do LivMundi.  Atuou na Oi durante 18 anos, onde foi Líder da Unidade de Negócios B2B, atuou também na IBM, nas Unidades de Negócios Utilities e Remarketing. É investidora anjo e advisor de startups & scaleups. Cátia é instrutora em cursos de formação de conselheiros de administração e de governança de startups & scaleups no IBGC. No Instituto, integra as Comissões de Inovação e de Saúde e é uma das coordenadoras do Capítulo RJ. Coordena também o fórum de conselheiros do Chapter Zero Brazil. A conselheira Cátia Tokoro é graduada em Engenharia Elétrica pela PUC-RJ, cursou o MBA Executivo no IBMEC e especializou-se em negócios em várias instituições: Harvard Business School, Singularity University, GoNew, Risk University KPMG, Competent Boards e IBGC. Possui formação em mediação pelo Instituto Mediare.

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