Entrevista com Olga Stankevicius Colpo, conselheira de administração de várias empresas, ex-sócia diretora da PwC, atual integrante das Comissões de Empresas Familiares, de Inovação e da Banca Certificadora de Conselheiros do IBGC.

Acionista – Inicialmente, a senhora poderia compartilhar com os leitores do portal Acionista um momento muito gratificante de sua trajetória profissional?

Cada etapa profissional tem os seus desafios e é difícil escolher. Bem, eu gostaria de mencionar o enfrentamento que tivermos que fazer, há alguns anos, na PwC, de uma situação inusitada para empresas de auditoria: a obrigatoriedade de troca dessas firmas a cada cinco anos. Tínhamos a liderança em auditar empresas de capital aberto no Rio de Janeiro e não havia espaço para rodízio e manutenção da liderança.

Como vencemos o novo momento? A resposta foi o Projeto Muda Rio, liderado pelo colega Henrique Luz. A mudança foi administrada com a requalificação de profissionais e a renovação dos serviços ofertados. E o espírito de equipe foi crucial para que tudo desse certo. Com todas as dificuldades e incertezas, os objetivos do Projeto Muda Rio foram alcançados. Essa experiência é, para mim, inesquecível e ainda hoje ilumina novos desafios profissionais.

Acionista – Qual é a sua visão sobre a pandemia COVID? Como ela impactou e vem impactando países e organizações?

Em uma visão mais ampla, a pandemia expôs com inequívoca intensidade as mazelas sociais do Brasil e de outros países, as grandes desigualdades sociais. Constitui-se em um forte alerta aos países e às suas organizações, no sentido de que repensem em profundidade o seu modo de trabalhar.  De que revisem a qualidade da governança organizacional e os compromissos com uma vida melhor para todos. Tudo o que temos passado ao longo da pandemia reforça o conceito de sustentabilidade e as dimensões desse conceito, presentes no ESG – Environmental, social and governance.

Destaco que no primeiro momento, o impacto da pandemia teve a ver com pessoas, seres humanos. Muitas vezes, temos ouvido uma espécie de discurso-padrão: nossos empregados são o nosso maior patrimônio. Ora, isto não corresponde à realidade, em muitas situações. Entretanto, a pandemia forçou as organizações a priorizarem a saúde física e mental das pessoas, de uma forma como nunca havia ocorrido no passado. Empregados, clientes, fornecedores e vários outros stakeholders tiveram que ser priorizados em saúde e segurança. As pessoas ficaram no centro do furacão. No que diz respeito aos seres humanos nas organizações, a pandemia COVID foi um momento de ruptura, uma espécie de hora da verdade.

Acionista – Qual é a sua visão sobre a pandemia no que respeita ao ambiente de governança corporativa, considerando os conselhos de administração e as diretorias executivas?

A pauta dos conselhos de administração e de seus comitês foi e continua sendo substanciosa, especialmente quanto ao tema pessoas, sem deixar de considerar a importância de tópicos como modelos de negócios, de gestão, estratégias e finanças entre vários outros. Exemplificando: para os serviços essenciais à sociedade, em que empregados não podiam entrar em distanciamento social, tornou-se necessário buscar cooperação, engajamento. E havia o medo de adoecer e perder a vida. O cuidado com a saúde, as várias proteções físicas e a comunicação contínua e ouvindo “a voz da ponta” se tornaram cruciais.  Já para os empregados alocados aos sistemas de home office e teletrabalho, tornou-se necessária uma abordagem também cuidadosa, de outra forma. Para parte das pessoas, esses sistemas de trabalho são bem-vindos, mas nem todas as pessoas têm as condições necessárias para trabalharem confortável e harmoniosamente em seus lares. E há que considerar que nem todos se sentem bem não tendo contato presencial com outras pessoas.

Em ambos os casos citados, não exaustivos, comunicação se tornou central. As necessidades de comunicação têm sido supridas via campanhas de conscientização e mobilização social e, nesse sentido, destaco a importância de uma aliada especial: a tecnologia. Se a transformação digital nas empresas já estava em curso, essa se acelerou, frente a necessidades de logística e comunicação. E considerando todo o contexto descrito, conselheiros e diretores tiveram que dispor de informações e bons indicadores para terem a melhor conexão possível com a realidade, com o que estava ocorrendo por toda a organização e fora dela. Novos painéis de controle foram criados, de modo que os líderes organizacionais tivessem indicadores, dados e explicações robustas, a fim de que pudessem tomar suas decisões.

Como consequência das necessidades de cuidado com as pessoas, de comunicação, de monitoramento mais acurado, em minha visão, o conceito de sustentabilidade foi necessariamente reforçado; este foi um desdobramento ocorrido em função de tudo o que as organizações tiveram que enfrentar com a pandemia COVID. Lembro que os cuidados com as pessoas estão intrinsecamente relacionados à dimensão social da sustentabilidade. E que os cuidados com os modelos de negócios, de gestão, as estratégias, as finanças e os demais temas de relevo organizacionais, necessários em função da pandemia, estão relacionados às dimensões econômicas e socioambientais.

Acionista – Qual é a sua visão sobre ESG – Environmental, social and governance, relacionado à prática do conceito de sustentabilidade nas organizações?

ESG é a evolução de maior impacto e, talvez, mais madura do clássico Triple Bottom Line (TBL). Ao longo de anos, a sustentabilidade foi definida em função do tripé people, planet and profit, correspondente às dimensões social, ambiental e econômica de atuação das organizações. Tanto este quanto ESG consideram, em sua formulação, o tripé citado; porém, a dimensão governance (G), da ferramenta ESG, surge do entendimento de que G drives E and S, isto é, de que a governança deve conduzir os vértices E e S.

Eu gostaria de citar aqui dois trabalhos importantes, relacionados à dimensão G e aos seus impactos nas questões socioambientais. Em 03/12/2020, foi publicada por Didier Cossin, especialista de renome internacional em governança corporativa, a pesquisa denominada An integrated ESG investment approach, direcionada a proprietários de ativos e conselhos de administração. A pesquisa foi aplicada nas 100 principais empresas da S&P500 e apontou, de modo inédito e inequívoco, a governança como propulsora da qualidade ambiental e social, com foco em resultados de longo prazo.

Já em 21/09/21 o World Economic Forum, em parceria com Deloitte, EY, KPMG e PwC, publicou um estudo sobre a sustentabilidade de empresas – Stakeholder capitalism: over 50 companies adopt ESG reporting metrics. O estudo elencou quatro dimensões: governança, pessoas, planeta e prosperidade e tratou, entre outros aspectos, da qualidade da governança corporativa e do relacionamento com stakeholders. Neste segundo estudo, destaco que este demonstrou: não existe prosperidade em uma economia, se esta não gerar riqueza e fortalecer oportunidades profissionais. A busca pela prosperidade reside no centro da busca por uma vida melhor. Geração de riqueza sem empregabilidade e respeito ao Planeta e vice-versa não funcionam. 

Acionista – A senhora focaliza substancialmente as pessoas em sua entrevista, até em decorrência das necessidades que a pandemia COVID impôs. Em sua opinião, o que significa pensar nas pessoas sob a ótica ESG?

Para responder a esta pergunta, eu gostaria de narrar uma breve história. Há alguns anos, participei de uma palestra nos EUA, como ouvinte, na qual a pessoa que palestrava, em certo momento, questionou os presentes: quem perguntou o que o seu filho quer fazer, quando crescer, nos últimos anos? E nos últimos meses? E nos últimos 10 dias? Quanto mais perguntas eram feitas, menos as pessoas levantavam suas mãos, em resposta positiva.

Este breve exemplo é muito importante, por nos indicar que mesmo que isso redobre ou triplique o nosso trabalho, simplesmente temos que nos importar com as pessoas. Sim, temos que nos importar com os nossos colaboradores, com os seus sonhos, com o que o trabalho significa para eles. As possibilidades são várias: fonte de renda, de saúde física e mental, de aprendizado e troca e muito mais. Ainda que o esforço de compreensão seja extenuante, não pode ser desconsiderado.

Em minha visão, pensar nas pessoas sob a ótica de ESG significa realmente se preocupar com elas, em aspectos objetivos e subjetivos e com visão de longo prazo. Significa incluir diversidade em seu amplo sentido, bem como elementos como respeito e parceria entre outros. Estimular e ouvir o outro abre opções inimagináveis.

Acionista – Finalizando, como a senhora percebe a evolução dos temas sustentabilidade e ESG no Brasil?

Primeiramente, temos que reconhecer: a governança do Brasil é complexa – refiro-me aqui ao termo governança em um sentido mais amplo. Temos um território de dimensões continentais, com grandes disparidades sociais. Precisamos evoluir em várias frentes, provendo condições para que o Brasil, como um todo, possa avançar na direção da prosperidade do seu povo, com criação de riqueza e empregabilidade. Se não houver avanços institucionais e de ordem prática, o descompasso entre o Brasil que os brasileiros merecem e o Brasil real poderá ser ampliado. Independentemente das escolhas eleitorais dos brasileiros neste ano de 2022, muito terá que ser feito para que o Brasil evolua em boa direção.

Sobre sustentabilidade e ESG, ambos os temas vêm sendo disseminados em boa medida por empresas que aqui operam; porém, com substancial assimetria entre diferentes setores e organizações. Nas empresas de maior porte, acredito que os líderes daquelas ainda estagnadas ou que pouco se moveram para trazer conceitos como sustentabilidade e ESG às suas práticas devem estar se sentindo incomodados ou preocupados. E acredito que eles devem fazer algo a respeito. Em algum momento, suas organizações serão cobradas por clientes, fornecedores, o Estado ou a sociedade. Não se desconsiderando a hipótese da cobrança concomitante de mais de um desses públicos. É muito melhor criar o futuro do que dele se tornar refém.

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Nossa entrevistada Olga Stankevicius Colpo atuou na PwC durante 38 anos, 25 dos quais como Sócia. Foi Líder da Divisão de Consultoria em Organization, People & Change para a América do Sul e Central e Líder do Núcleo de Family Business PM. Por mais de seis anos, atuou como CEO da Participações Morro Vermelho. Olga, desde 2017, assumiu posições como conselheira de administração de diversas organizações: Copel S.A. (4 anos, representando o BNDES até abril/2021), Banco BMG (desde 2017, sendo, atualmente, Vice-Presidente do Conselho), São Martinho S.A. (desde 2020, representando o bloco de controle), Regimar S.A. (desde 2018), Solvi S.A. (desde 2018) e World Childhoood Foundation, Brasil (desde 2011).  A conselheira tem participado ativamente de diversas atividades no IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, integrando as Comissões de Empresas Familiares, de Inovação e da Banca Certificadora de Conselheiros. Olga Colpo é graduada em Psicologia Organizacional, tem MBA Executivo Internacional pela FIA-USP e especializações em negócios pela Harvard University, Michigan University, INSEAD e Singularity University.

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