Um assunto que não pode ficar apenas na esfera dos especialistas em ciências sociais.

1. O que são externalidades e por que elas são importantes?

O que são externalidades? E por que este é um assunto que tem tudo a ver com governança corporativa e sustentabilidade?

Externalidade é o efeito ou impacto colateral (por vezes, mais de um) de uma atividade econômica, que afeta stakeholders que não estejam diretamente envolvidos nessa atividade.

Os efeitos em questão podem ser positivos ou negativos. Impactos positivos ocorrem quando a atividade gera benefícios para terceiros. Por exemplo, a educação é frequentemente citada como uma externalidade positiva, pois indivíduos educados podem contribuir para a sociedade de maneiras que beneficiam outras pessoas, além de si mesmos.

Quanto aos efeitos negativos, estes ocorrem quando a atividade causa malefícios ou desvantagens a terceiros. A poluição é um exemplo clássico de externalidade negativa, em que a produção de uma empresa pode prejudicar o meio ambiente e a saúde das pessoas que vivem nas proximidades ou mesmo a certa distância, sem que estas estejam diretamente envolvidas na atividade produtiva.

As externalidades são importantes porque podem levar a uma alocação deficiente de recursos, sob o ponto de vista social e/ou ambiental. Ocorre que se pode ter a produção excessiva de bens e serviços que provocam externalidades negativas, bem como a produção insuficiente daqueles que provocam externalidades positivas. Nem sempre a precificação de itens pelas empresas reflete corretamente os impactos de suas atividades em públicos não relacionados diretamente com a mesma.

O Poder Público procura intervir para otimizar externalidades, através de leis, regulamentações e tributos, além de políticas públicas, com vistas a reduzir as distorções. Mas não faz sentido esperar a interveniência estatal: externalidades são um tema de absoluto interesse da governança corporativa e da sustentabilidade, em função de variadas razões, algumas das quais são comentadas brevemente abaixo, sem pretender exaurir as possibilidades.

Valor da marca, reputação corporativa e relações com stakeholders

O valor da marca e a reputação de uma empresa que gera externalidades positivas podem ser altamente beneficiados.

A construção da confiança com os stakeholders pode ser muito produtiva: as relações de confiança podem ser reforçadas, com benefícios para todos os envolvidos.

No sentido oposto, o valor da marca e a reputação de uma empresa que gera externalidades negativas pode sofrer grandes ou significativos danos, originando a desconfiança e mesmo a rejeição da sociedade, de consumidores e de vários outros públicos.

Ademais, todo um esforço de construção de relações de confiança com esses stakeholders pode ser profundamente abalado. E a reconquista da confiança pode ser lenta e dispendiosa; por vezes, nem será possível.

Longevidade e concorrência

Se a organização opera em um ambiente concorrencial e os concorrentes estão cuidando de suas externalidades negativas e intensificando as positivas, se eles descobriram formas de fazer isso mantendo preços competitivos de seus produtos e serviços, a empresa pode estar com potenciais problemas.

Ao mesmo tempo, se a situação é invertida e a empresa que consideramos é aquela que ameaça as demais do seu campo de concorrência, este, se não for o melhor dos mundos, estará próximo de ser.

Como cuidar de externalidades controlando, ao mesmo tempo, os preços? Trataremos disso adiante.

Funding

Quem administra uma empresa sabe como o desafio de financiar é grande, tanto para fins de investimentos em ativos materiais ou não, quanto para fins de capital de giro.

Além das garantias que as instituições financeiras e os investidores requerem, há que considerar, também, o custo dos financiamentos.

Se uma organização é percebida com riscos, tal custo se eleva e, no limite, pode nem ser factível obter os recursos de que se necessita.

Preocupar-se com externalidades negativas e positivas é administrar boa parte dos riscos de uma empresa, contribuindo para criar condições favoráveis à viabilização de financiamentos a custo menor.

Legislação e regulação

Não é necessário correr riscos legais, fiscais e regulatórios relacionados ao negócio, que possam abalar a empresa e seus stakeholders.

Aliás, punições do Poder Público podem ser substancialmente onerosas e, sendo assim, não é necessário esperá-las acontecer para tomar providências. Sua blindagem gera mais benefícios e longevidade aos negócios.

2. Como lidar com as externalidades, estratégica e operacionalmente?

Instituições financeiras, investidores e consumidores estão, cada vez mais, focados na adoção de melhores práticas ESG – Environmental, Social and Governance, sendo esta última a coordenadora de todas as dimensões.

Ademais, ESG envolve, necessariamente, a identificação, medição e o tratamento de externalidades, positivas e negativas, exigindo a identificação de impactos, negativos e positivos da atividade organizacional para os públicos stakeholders e para a própria empresa, apresentados na Matriz de Materialidade, comentada a seguir

A matriz de materialidade e sua integração à estratégia

Entre as ferramentas associadas às práticas ESG, destacamos a matriz de materialidade,  ferramenta utilizada para identificar e priorizar questões que sejam de significativa importância para a organização e seus stakeholders.

O objetivo da matriz de materialidade é ajudar a empresa na alocação de recursos e tomada de decisões estratégicas, focando as áreas que terão os maiores impactos, seja para a empresa, seja para os públicos interessados.

Em sua essência, tal matriz é a representação interconectada de duas dimensões: a importância de uma questão para os stakeholders e os impactos que a questão considerada tem sobre o sucesso comercial da empresa. O que pode abranger impactos financeiros, operacionais, de crescimento e outras considerações estratégicas.

São exemplos não exaustivos de questões objeto de matrizes de materialidade a ética nos negócios (governança corporativa, transparência, anticorrupção), as práticas de trabalho (direitos dos trabalhadores, diversidade, inclusão), a responsabilidade na criação de produtos (segurança, impacto na saúde, benefícios para o consumidor) e os impactos ambientais das atividades (emissões de carbono, uso de água, gestão de resíduos).

Questões consideradas altamente importantes para stakeholders e com alto impacto no sucesso comercial da empresa são vistas como “materiais”.

Matrizes de materialidade são dinâmicas e devem ser revisadas periodicamente, pois as prioridades dos stakeholders e as condições de mercado podem mudar ao longo do tempo.

As questões tratadas via matriz de materialidade devem ser priorizadas em estratégias de sustentabilidade, as quais, por seu turno, devem integrar as estratégias empresariais. Não faz sentido criar estratégias empresariais e estratégias de ESG como blocos independentes entre si, ESG e suas práticas devem integrar a administração estratégica e serem discutidos no conselho de administração.

O papel da tecnologia

A tecnologia oferece ferramentas e soluções muito importantes para enfrentar os desafios da governança e sustentabilidade para lidar com as externalidades.

É por meio da tecnologia que se trabalhará as externalidades, cuidando, ao mesmo tempo, dos preços de produtos e serviços. Sim, porque não se deve perder de vista a competitividade do negócio e, ademais, os requisitos regulatórios para aqueles  negócios altamente regulados, que  não admitem custos sob descontrole.

Tecnologia tem a ver com várias possibilidades, não exaustivas:

– Inovação de produtos, serviços e processos;

– Eficiência e redução de desperdícios;

– Uso de fontes de energia mais sustentáveis;

– Soluções de mobilidade mais sustentáveis;

– Monitoramento socioambiental;

– Agricultura sustentável;

– Comunicação, diálogo e conscientização de stakeholders; e,

– Colaboração e criação de confiança.

3. Em suma

As empresas e demais organizações que desejam gerir seus negócios estrategicamente e com boas práticas de governança e sustentabilidade precisam pensar em suas externalidades positivas e negativas, e decidir quais impactos querem que sua atividade crie para os stakeholders. Nesse sentido, ESG e suas práticas despontam como a principal saída para que as externalidades de todos os tipos sejam analisadas, priorizadas e tratadas.

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