A análise da conduta dos administradores de empresas é sempre tema bastante sensível. Se por um lado a legislação brasileira impõe aos administradores uma obrigação de meio (isto é, de agir com diligência na condução dos negócios), conforme, por exemplo, o artigo 1.011 do Código Civil e o artigo 153 da Lei das Sociedades Anônimas (ambos com redação praticamente idêntica, impondo ao administrador “empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”), a dificuldade de enxergar os processos decisórios internos das organizações acaba por induzir a uma análise do resultado da conduta dos administradores, tendência reforçada pelo viés de retrospectiva:

O hindsight bias é um viés comportamental que se manifesta quando, no presente, uma pessoa julga uma decisão tomada no passado, por si mesma ou por outrem. Chamamos a primeira decisão, tomada no passado, de decisão “prospectiva”, uma vez que se volta para o futuro. A segunda decisão, que avalia a primeira e decide a respeito de sua correção, é denominada decisão “retrospectiva”, porque se volta para o passado, precisamente porque tem o propósito de avaliar se a decisão anterior foi correta. Como a segunda decisão, retrospectiva, vale-se de informações que, eventualmente, não estavam presentes quando a decisão anterior foi tomada, ela pode incorrer no equívoco de desconsiderar essa assimetria informacional. Ela pode julgar como incorreta uma decisão do passado, levando em conta algo que se sabe no presente, mas que era desconhecido quando a decisão anterior foi tomada, sem se dar conta de que está julgando como incorreto o que, na época, poderia ser havido como correto, ou ao menos razoável, plausível, diante da informação de que se dispunha[1].

Conforme leciona Daniel Kahneman, “[s]omos propensos a culpar os tomadores de decisão por boas decisões que funcionaram mal e a lhes dar pouco crédito por medidas bem-sucedidas que parecem óbvias apenas após o ocorrido” [2], havendo pesquisas empíricas no direito americano que demonstram a incidência do viés retrospectivo em litígios societários [3].

A fim de se evitar o viés de retrospectiva, talvez seja o caso de abandonar por completo a avaliação dos resultados das ações dos administradores, ainda que causem prejuízo aos acionistas, afinal a “assunção de riscos, inclusive os jurídicos, faz parte da atividade empresarial”[4] (destaques no original), sendo certo que o nível de tolerância a riscos varia de empresa para empresa em função de suas estratégias de negócios ou perfil dos administradores [5]. Uma consequência natural do risco, aliás, é a possibilidade de gerar prejuízo a investidores e acionistas, o que faz com que a avaliação da responsabilidade dos administradores necessite de elementos mais seguros do que os conceitos jurídicos indeterminados utilizados na legislação societária.

Nesse cenário, o gerenciamento de riscos corporativos surge como uma importante ferramenta para avaliar a conduta dos administradores não a partir do resultado de seus atos, mas sim de suas condutas e do processo que levou à tomada de decisões, entendendo gestão de riscos como um processo estruturado destinado a identificar, avaliar, mensurar, tratar e monitorar os riscos a que uma organização está sujeita. E, ao contrário de tradicionais pré-concepções, a gestão de riscos não busca “engessar” a administração da empresa, mas “auxiliar na tomada de decisão, com vistas a prover razoável segurança no cumprimento da missão e no alcance dos objetivos”[6].

É justamente essa característica – apoio à tomada de decisão – que coloca o gerenciamento de riscos como uma importante ferramenta para assegurar o cumprimento dos deveres dos administradores (em especial o dever de diligência), permitir aferir a conduta e evitar o foco no resultado em caso de materialização do risco.

Isso porque, conforme o que podemos chamar de “versão abrasileirada” do business judgment rule[7], a avaliação da conduta do administrador deve analisar os elementos concretos para verificar se a decisão foi tomada de maneira desinteressada (ou seja, sem conflito de interesses), refletida (e não “no calor do momento”) e informada, sendo justamente papel da área de riscos municiar os administradores com um assessment adequado a respeito dos fatores de riscos envolvidos nas decisões de negócios.

Assim, devemos chamar a atenção para a importância da estrutura adequada de gestão de riscos, compatível com o porte do negócio, e que atue alinhada com os objetivos do negócio para garantir, afinal, que os deveres dos administradores (previstos na legislação) estejam sendo apropriadamente cumpridos.

Imagem: pixabay.com

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[1]FOLLONI, André. PRATES, Pamela Varaschin. STEMBERG, Paula Tatyane Cardozo. O viés de retrospectiva na economia comportamental: como atenuar seus efeitos na administração tributária. Economic analysis of law review. Brasília, v. 11, nº 1, p. 159-172, jan/abr. 2020. Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/EALR/article/view/11658.

[2]KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Tradução Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva. 2012, p. 254-255.

[3]FOLLONI, André. PRATES, Pamela Varaschin. STEMBERG, Paula Tatyane Cardozo, obra citada, p. 163.

[4]FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 4ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Thomson Reuters. 2019, p. 76.

[5]Ver, para todos: MARTENS, Cristina Dai Prá. FREITAS, Henrique. BOISSIN, Jean-Pierre. Risk taking in software companies: a sector study in Rio Grande do Sul. Revista de Administração. São Paulo, v. 46, n. 3, jul/set. 2011, p. 213-227. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0080210716302011.

[6] BRASIL, Tribunal de Contas da União. Manual de gestão de riscos do TCU / Tribunal de Contas da União. – Brasília : TCU, Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (Seplan), 2020, p. 15.

[7] A respeito do tratamento do assunto no direito brasileiro, ver: PARGENDLER, Mariana. Responsabilidade Civil dos Administradores e Business Judgment Rule no Direito Brasileiro. Revista dos Tribunais (São Paulo. Impresso), v. 953, p. 51-74, 2015.

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