Acontecimentos relacionados ao caso Americanas S.A., amplamente divulgados pela mídia, a partir do início de 2023, estimularam análises e discussões técnicas entre nós, tanto neste Portal Acionista quanto em nossa coluna Orquestra Societária, na Revista RI – Relações com Investidores, a partir da edição 268 da RI, em fevereiro deste ano.
Desde então, priorizamos aqui a publicação de uma série de artigos sobre escândalos corporativos, discorrendo sobre casos de repercussão global, desdobramentos, armadilhas mentais e vieses presentes em tomadas de decisão. Neste artigo, exploramos os efeitos colaterais de escândalos corporativos, com foco na dimensão Pessoas, uma das mais presentes em nossos artigos da coluna Orquestra Societária, comoponto central do ESG – Environmental, Social and Governance, quando o tema éo “S” de Social.
O que nos impulsionou a este olhar crítico?
A comemoração do Dia das Crianças e a lembrança de uma vivência que uma de nós teve no coração de São Paulo, antes da pandemia COVID-19: uma família vendendo panos de prato bordados na Rua Haddock Lobo, esquina com a Avenida Paulista, em frente ao Colégio São Luís, em um domingo de sol. Somos observadoras sociais sensíveis e atentas. E aquela era uma família diferente, com crianças limpas e arrumadas e uma mãe muito tímida para abordar os inúmeros clientes que transitavam à sua frente.
Isso chamou, de imediato, a atenção para o comportamento fora do padrão das inúmeras vendedoras de panos de prato desta região, extremamente engajadas com os pedestres. Esse olhar cuidadoso merecia uma parada, nem que fosse para dar dicas de como abordar com mais eficiência as pessoas. Então, a conversa, um pouco antes da compra de panos de prato para ajudar, trouxe à tona a verdade: aquela família era imigrante de Minas Gerais, fugida do desastre de Mariana.
A mãe, extremamente sensibilizada pela situação, contou que ouviu falar de uma casa abandonada em São Paulo, ocupada por vítimas deste desastre, e veio procurar por abrigo, pois tinha perdido o marido, a casa, a terra, o sustento da família (eram pequenos agricultores), a escola das crianças, a igreja – todas as referências essenciais de sua existência! E tudo isso sem entrar nos detalhes do impacto da perda de muitas memórias afetivas: fotos, cartas, objetos de família e documentos – uma dor irreparável!
Onde e como ficam os empregados que contribuíram com parte do crescimento e sucesso de empresas cujos atos ganham, em várias mídias, o status de escândalos corporativos? E suas famílias? E as comunidades no entorno? E os compromissos com os demais stakeholders?
Para sermos mais assertivas em nossas análises e tentarmos responder essas indagações, ao menos parcialmente, fizemos a seguinte reflexão: escândalos corporativos podem desencadear pedidos de recuperação judicial. Esse dispositivo é suportado pela Lei nº 11.101/2005 (atualizada pela Lei nº 14.112/2020), cujo princípio basilar, garantido no Capítulo III, Seção I, art. 47, é (grifos nossos):
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Posto isso, elaboramos uma tabela com os maiores pedidos de recuperação judicial, cujos valores estão acima de R$ 10 bilhões, a partir do ano desse encontro com a família de imigrantes mineiros em São Paulo, ocorrido em 2019.
Não se trata de uma pesquisa científica, reiterando que esses casos merecem um olhar atento de nossos cientistas sociais. Analisamos as notícias e informações públicas dessas empresas, a partir de 2019, disponíveis em jornais, revistas e em seus websites:
Para essas empresas que entraram com pedidos de recuperação judicial (valor total: R$ 202,5 bilhões), constatamos:
- A redução total do número de empregados foi de 135,8 mil, correspondentes a 73% do total.
- Considerando o tamanho médio das famílias no Brasil, divulgado pelo IBGE, em 2019, que é 3 (três) pessoas, o impacto triplica e vai para 407,4 mil pessoas.
- Considerando que o mercado formal, em 2023, até o momento, gerou 157 mil empregos, o impacto dessa perda foi de 86% em relação ao total de empregos gerados.
- Somente a Odebrecht demitiu 118,6 mil empregados, representando 87% do total de pedidos de recuperação judicial bilionários, a partir de 2019. Mesmo assim, os 23% relacionados às outras empresas afetaram 17,2 mil empregados. E quando se pensa nos triplos desses números – 355,8 e 51,6 mil pessoas, respectivamente –, percebe-se que o impacto social é imenso.
Se, por força de lei, empresas que pedem recuperação judicial têm que manter a fonte do emprego dos trabalhadores, promovendo a preservação da sua função social, indagamos: e as estimadas 407,4 mil pessoas que podem ter sido impactadas? Quais teriam sido as ações sociais efetivamente realizadas em relação às mesmas?
Refletimos, acima, sobre a questão dos empregos. Façamos agora uma reflexão sobre as pessoas afetadas, no caso da Samarco, pelo lamentável evento que houve com a barragem do Fundão.
Nesse caso, foi constituída, em 2016, a Fundação Renova, para atender o Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado entre Samarco, suas acionistas, Vale e BHP Billiton, e diversos representantes do poder público e sociedade. Ela é a entidade responsável pela execução e gestão dos mais de 40 programas socioambientais e socioeconômicos atrelados ao processo reparatório.
Até dezembro de 2022, com recursos destinados pela Samarco e por suas acionistas, foram desembolsados R$ 28 bilhões em ações de reparação e compensação. Deste valor, R$ 13,6 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios financeiros emergenciais para mais de 409 mil pessoas. As ações de reassentamento contemplaram cerca de 500 famílias, com mais de 1.600 obras concluídas e entregues até dezembro de 2022. Será isso, todavia, suficiente para resolver o problema do rompimento da barragem do Fundão e todos os danos causados?
As famílias afetadas direta e/ou indiretamente certamente têm a resposta!
Os imigrantes mineiros, que estavam morando em abrigo invadido em São Paulo, foram resgatados e indenizados? Os impactos emocionais causados por esse desastre foram mapeados e avaliados? Ações efetivas para sua reparação foram colocadas em prática?
Se é que isso é possível para as crianças que perderam seu pai e toda sua referência de vida, como é o exemplo desse FATO! Neste caso específico, não basta somente ter uma outra moradia, o pai dessas crianças não estará na casa nova!
Quais ações concretas de escuta ativa das pessoas afetadas direta e/ou indiretamente foram realizadas?
E isso sem trazer fatos e dados sobre o rompimento da barragem em Brumadinho, pertencente também à Vale, em janeiro de 2019, considerado um dos maiores desastres ambientais da mineração do país, depois do rompimento de barragem em Mariana. Como não foi solicitada Recuperação Judicial, ficou fora do escopo de nossas análises. De qualquer forma, reiteramos aos cientistas sociais estudos mais aprofundados sobre os reais impactos nas pessoas em eventos como esses. Nesse caso, não foi um escândalo corporativo, foi um escândalo social e ambiental.
Esses questionamentos se aplicam também aos casos ocorridos no Grupo João Santos e Americanas.
Sobre o caso Americanas, mais recente: uma análise das Demonstrações Contábeis da Companhia, com base nas informações extraídas de uma empresa especializada em divulgação e comparação de dados de balanços de companhias abertas, demonstrada na tabela a seguir, apresenta a geração de lucro e/ou prejuízo e os dividendos pagos nos últimos 17 anos, em Reais milhões (valores originais), sem considerar os resultados parciais das investigações.
Durante esse período analisado, a Americanas gerou lucros, seguidamente, de 2006 a 2010. A partir de 2011 até 2020, gerou prejuízo médio anual de R$ 0,3 bilhão, em valores originais. Calculando-se o pagamento de dividendos previstos em 25% sobre os lucros durante o período em análise, o valor total seria de R$ 0,2 bilhão. Pelas informações analisadas, foram pagos dividendos de R$ 0,4 bilhão (52% maior). Segundo Eduardo Vargas, Americanas (AMER3) bateu recorde de dividendos em 2022. Fonte (e).
Como ficam os 9,2 mil empregados demitidos (conforme tabela anterior) e os impactos de fechamento de muitas de lojas? Fonte (e).
Reproduzimos abaixo o que a conselheira e consultora Claudia Pitta, em sua entrevista na edição 275 da Revista RI, afirmou, com muita propriedade, sobre o set mínimo ESG – Environmental, Social and Governance:
O segundo estágio da maturidade da Governança Corporativa das empresas é o da conformidade, o de cumprir a Constituição Federal e as leis – trabalhistas, ambientais, de proteção ao consumidor, entre outras… o Brasil já estaria em outro patamar de desenvolvimento social, ambiental e econômico… as empresas, a sociedade e o Brasil já estariam muito mais avançados, se apenas cumpríssemos a lei. Então, para mim, a pauta mínima no Brasil é CUMPRIR A LEI.
Concordamos plenamente com a Claudia Pitta. Nenhum desses escândalos aconteceriam, se já existisse o Império da Ética, bem apresentado por Fernando Alves, então Presidente da PwC, em sua entrevista para a edição 192 da Revista RI.
E a comemoração do Dia das Crianças de todas as famílias vítimas desses e de outros escândalos corporativos ocorridos no Brasil? E no mundo?
Finalizamos convidando os leitores a compartilharem suas opiniões e visões sobre o que é relevante na tomada de decisão de investimentos, em um mundo cada vez mais diferente em sua forma de fazer negócios, considerando a Jornada ESG – Environmental, Social and Governance.
Fontes de informações (links):
Empresas, Geral (a) – Aqui e aqui
Grupo João Santos (d) – Aqui