No momento em que eventos climáticos extremos se tornam cada vez mais frequentes, o Brasil tem a chance de implementar políticas que podem mitigar impacto das mudanças climáticas

por Helena Margarido

Ondas de calor extremas, incêndios, mortes e graves problemas de saúde pública acometem países da Europa, América do Norte e norte da África. Chuvas intensas e fortes inundações atingem o sudeste asiático. Grandes secas, e intensos incêndios florestais, consomem áreas do oeste dos Estados Unidos e Canadá. Recordes de temperaturas são batidos todos os dias, e o mês de julho registrou a semana mais quente dos últimos 150 anos. Chuvas extremas no nordeste brasileiro, ciclones no sul do país. Aos eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, consequências do aquecimento global, soma-se agora o fenômeno El Niño – que pode durar anos – e a temporada de incêndios (criminosos ou não) na Amazônia e outros biomas brasileiros. Não se tem precisão científica sobre quanto tempo este fenômeno durará e a intensidade dos impactos, mas as evidências das mudanças climáticas e a urgência no enfrentamento à crise climática têm sido uma constante nos relatórios científicos do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) há muitos anos.

Ao longo de um processo negociador que já dura mais de 30 anos, os governos do mundo todo vêm se comprometendo a tomar medidas que impeçam uma catástrofe global. Redução de emissão de gases de efeito estufa, transição energética, fim do desmatamento ilegal de florestas, neutralidade de carbono até 2050, financiamento para políticas de adaptação às mudanças climáticas, justiça climática. São vários ciclos de negociações, todos os anos, reunindo representantes dos 196 países que assinaram a Convenção do Clima – e, dentre estes, dos 195 que se comprometeram perante o Acordo de Paris, acordo global mais recente para o combate às mudanças climáticas, assinado em 2015, a adotar medidas cada vez mais ambiciosas no enfrentamento à crise que acomete a todos, mas de formas muito diferentes e desiguais.

Enquanto as negociações internacionais são essenciais para estabelecer os parâmetros e constranger os países a se envolverem nas soluções, é no âmbito local que as ações são implementadas. No Brasil, os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro foram pautados pelo obscurantismo: apagão de dados, cortes no orçamento para pastas que lidam diretamente com as questões ambientais e indígenas (dentre outras), cortes no financiamento de pesquisas, negacionismo como base ideológica, desmonte de órgãos de fiscalização (como o IBAMA), incentivos a uma cultura exploratória e colonizadora da Amazônia. Tudo isso está bem documentado em reportagens, artigos acadêmicos, livros e relatórios produzidos pela equipe responsável pela transição e que forma o governo atual. Há, portanto, muito a reconstruir. Tivemos retrocessos enormes, e agora resta pouco tempo para avançar em temas cruciais, como a construção de uma agenda verde, de um plano de transição para uma economia de baixo carbono, de estratégias reais de desenvolvimento sustentável e de combate ao desmatamento e ao crime organizado que se estabeleceu na Amazônia.

Ponto de não retorno

É inegável que a Amazônia desempenha papel crucial no combate à crise climática, e cientistas têm alertado nos últimos anos que a maior floresta tropical do planeta está bem próxima do chamado ponto de não retorno, ou seja, quando a sua capacidade de absorver carbono entra em xeque. O estudo Nova Economia da Amazônia[1], publicado recentemente pelo World Resources Institute (WRI) sob coordenação do cientista Carlos Nobre[2], traz uma alternativa à economia do desmatamento que domina a Amazônia. Essa alternativa passa por restringir as emissões de gases de efeito estufa, apoiada em transição tecnológica, e por zerar o desmatamento, descarbonizando a agropecuária e a matriz energética. Segundo o estudo, reorientar a economia da Amazônia Legal, com aumento de PIB, geração de emprego e aumento da cobertura florestal, exige um investimento de 1,8% do PIB nacional ao ano, até 2050. Há, portanto, propostas viáveis e executáveis. Mas há vontade política e pressão da sociedade brasileira para que uma agenda verde e social seja de fato implementada?

O governo tem dado demonstrações de interesse em fazer essa agenda avançar, apesar de não haver consenso dentro do próprio governo e de sua base de apoio (como, por exemplo, o velho pensamento desenvolvimentista). As iniciativas de mudanças vão do nome do Ministério do Meio Ambiente, incorporando as Mudanças do Clima, à criação do Ministério dos Povos Indígenas e nomeação da advogada indígena Joenia Wapichana para presidir a FUNAI à divulgação do novo PPCDAm (Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), passando pelo anúncio de Belém como sede da COP 30, em 2025. Em seus discursos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dado ênfase às políticas de proteção ambiental e de combate às mudanças climáticas. Sob liderança da ministra Marina Silva, mas sob uma perspectiva interministerial e transversal, as estratégias podem ser agrupadas em quatro eixos: comando e controle; ordenamento fundiário e territorial; atividades produtivas sustentáveis; e instrumentos normativos e econômicos. Sabemos, no entanto, que interesses poderosos, de grandes corporações ligadas à mineração e do agro, estão bastante representados no Congresso Nacional e que há grandes dificuldades políticas para aprovação de um plano de transição para uma economia de baixo carbono, além dos muitos ataques aos direitos das populações indígenas e à preservação ambiental.

O Brasil tem um grande potencial para a implementação de políticas de redução de emissões, de diversificação de fontes de energia e do desenvolvimento de uma bioeconomia da sociodiversidade, mas sob uma perspectiva essencialmente brasileira e que de fato incorpore o pensamento indígena no planejamento do futuro da Amazônia e do Brasil. Para que esse potencial se concretize, a demarcação e a proteção dos territórios indígenas são fundamentais. Os desafios, portanto, são imensos. Mas os instrumentos legais e estratégias viáveis já existem, é preciso decisão política. A realização da COP 30 na Amazônia brasileira traz importante potencial de mobilização, mas essas decisões dificilmente acontecerão sem que a sociedade brasileira pressione por uma agenda verde e social.

Só que o tempo para essas escolhas é apertado.

Helena Margarido Moreira, doutora em Geografia (USP), professora de Relações Internacionais e pesquisadora na área de clima e energia.


[1] Disponível em: https://www.wribrasil.org.br/sites/default/files/2023-06/Sum%C3%A1rio%20Executivo%20%28portugu%C3%AAs%29.pdf. Acesso: 26/07/2023.

[2] Por falar em Carlos Nobre, vale a pena conferir a entrevista que o climatologista concedeu ao Podcast Rio Bravo em maio de 2022. “A ciência mundial está muito preocupada com o destino da Amazônia”. Disponível em: https://soundcloud.com/riobravoinvestimentos/podcast-698-carlos-nobre-a-ciencia-mundial-esta-muito-preocupada-com-o-destino-da-amazonia

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