O aumento expressivo da presença do investidor de varejo continua chamando atenção dos profissionais de relações com investidores (RI). Antes acostumados a atender majoritariamente o público institucional, os RIs têm sido desafiados a incorporar em sua estratégia um roadmap eficiente para atingir e se comunicar com este importante grupo de investidores. Observar a reconfiguração dos participantes do mercado oferece um pouco de contexto.

As plataformas de trading e as assessorias de investimentos vêm se proliferando, permitindo que este público de varejo acesse os mercados. Conteúdos sobre investimento têm sido disseminados amplamente nas mídias sociais e redes de relacionamento. Todo esse movimento foi intensificado durante a pandemia, período em que, confinados, potenciais investidores dessa categoria tiveram ainda mais agenda e acesso a conteúdos digitais e eventos remotos. E como fica o RI diante desse cenário?

Aprofundar o conhecimento sobre o público de varejo parece ser fundamental. Assim como entender os estilos e os mandatos de investimento de diferentes gestores confere imensa vantagem competitiva a um RI, captar as motivações e o comportamento de investidores individuais permite refinar materiais e formas de interação com um público que pode trazer uma importante diversificação para a base acionária e liquidez do papel. Embora esses investidores sejam um público fragmentado, das mais diversas regiões do Brasil, de diferentes faixas etárias e gêneros, é possível traçar alguns padrões.

Começando pelo horizonte de investimento, investidores de varejo se dividem em diferentes grupos. Alguns deles costumam ter uma visão mais de longo prazo, com foco em distribuição de dividendos e valorização dos papéis. Questões ESG também podem ser direcionadores importantes para esse grupo com horizonte de investimento mais longo. Outros focam no curto prazo, na valorização mais imediata das ações e no fluxo de notícias. Diferente dos grandes fundos institucionais que buscam diversificação da carteira como forma de mitigação de risco, o público de varejo pode não seguir necessariamente critérios rígidos de alocação de recursos, e seu processo decisório costuma ser impactado por intermediários, como mídias financeira e social, relatórios de análise e influenciadores. Por conta disso, dependendo do prazo do seu investimento, os investidores individuais com visão de longo prazo têm menos propensão a direcionar o foco para divulgações trimestrais ou relatórios anuais, por exemplo. Na outra direção, investidores imediatistas acompanham diariamente as informações e divulgações da empresa.

Em termos práticos, um dos esforços que os RIs vêm fazendo em seus programas é a segmentação da narrativa para este público. Narrativa essa que abrange destrinchar complexidades setoriais, resumir tendências, usar linguagem objetiva e fluida, transformar longos releases em factsheets impactantes, buscando eficiência no diálogo e assertividade do plano de comunicação com o mercado. Para algumas empresas, iniciativas nesse sentido ocorrem de forma espontânea pelo setor em que atuam.

As empresas B2C, que atuam em setores onde o consumidor final é a própria pessoa física, podem sair na frente. Os investidores também podem ser consumidores, facilitando o entendimento e o apelo do negócio. Para aqueles que querem começar a investir no mercado de ações, esses setores podem ser uma porta de entrada. A identificação consumidor-investidor pode ser um fator de desempate na hora do stock picking. Nesse caso, o RI também pode atuar como embaixador da marca, atraindo as pessoas físicas para consumir o produto e comprar as ações, em um papel 2 em 1. Já as empresas que atuam em setores B2B, onde os clientes são outras organizações, podem precisar de um esforço inicial maior para atrair pessoas físicas.

Seja qual for o setor de atuação, definir estratégias distintas para lidar com os diferentes públicos já é uma realidade para os RIs, que seguem sua trajetória de reinvenção neste ambiente cada vez mais disruptivo. E um importante facilitador para a interação e a comunicação tem sido a tecnologia, agora de forma mais acelerada por conta da pandemia. A curadoria por parte dos RIs dos principais fóruns de atuação de seus investidores pode dar insights significativos para eventuais ajustes na narrativa e na estratégia de comunicação com o varejo.

Renata Amarante

Executiva com mais de 20 anos de experiência em Relações com Investidores e Finanças. Atua como gerente de Relações com Investidores da Enauta, tendo participado da abertura de capital (IPO) em 2011. Antes da sua posição atual, trabalhou na área financeira das empresas Suzano Petroquímica e Haztec e nas áreas de fusões e aquisições e Project finance dos bancos de investimento Dresdner Kleinwort Wasserstein e Standard Bank. Renata é formada em Economia pela PUC-Rio, com mestrado em Macroeconomia e Finanças pelo Insper-SP e pós-graduação em gestão de negócios pela Fundação Dom Cabral.

Priscila Nannetti

Executiva com mais de 15 anos de atuação no mercado de capitais, trabalhou em importantes bancos de investimento no Brasil e no exterior, com foco nas áreas de corporate access para América Latina e equity research editorial. No momento, é Senior Director de Business Intelligence & Investor Access da InspIR Group, consultoria estratégica de RI voltada para LatAm. Priscila é formada em Tradução e Interpretação (Inglês) pela PUC-Rio. Fez MBA na Fundação Getúlio Vargas e pós-graduação em língua inglesa na PUC-Rio. Também concluiu o programa “Business Design for Change” pelo Sense Lab, formação prática em estruturação de empresas e projetos focados na criação de valor compartilhado.

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