Vamos supor que as eleições presidenciais deste ano nos Estados Unidos fossem uma coisa mais lúdica e menos séria. Um jogo do tipo Banco Imobiliário, por exemplo.

Os dois competidores, Donald Trump e Joe Biden, estão alinhados no ponto de partida.

Logo de saída, Trump é impedido de jogar por duas rodadas por causa de um grand jury de Nova York que condenou o ex-presidente em 34 acusações criminais.

Vez de Biden jogar: desafia o oponente a um debate fechado na TV. Sleepy Joe avança três casas.

No debate, na CNN, Donald Trump arrasa com Joe Biden. Ou, melhor, Biden arrasa consigo mesmo, esquecendo e trocando nomes de pessoas e dando indícios de que pode estar senil. Fala com um fiapo de voz. Trump avança cinco casas.

Tentando se recuperar, Biden convoca uma coletiva de imprensa em Washington. Mesmo sem contendor, sai-se tão mal quanto no debate. Entre outras mancadas terríveis, confunde Volodymir Zelensky, presidente da Ucrânia, com Wladimir Putin e Kamala Harris com Trump. No joguinho, Donald Trump avança cinco casas.

Durante um comício nos arredores de Butler, na Pensilvânia, Trump sofre um atentado que quase lhe é fatal. Um tiro de AR-15, disparado por Thomas Matthew Crooks, um jovem de 20 anos, arranca um pedaço da parte superior da orelha de Donald Trump, que ganha dez casas no joguinho por não ter dado sinais de pânico. 

Muito pelo contrário, mesmo com as mãos ensanguentadas, ergue o punho e conclama os presentes a lutar: “Fight, fight”.

Na convenção republicana, em Milwaukee, Wisconsin, Trump recebe uma consagração por parte dos convencionais. Faz um discurso de aceitação da candidatura de uma hora e trinta e dois minutos, o mais longo da história das convenções de partido nos Estados Unidos. No joguinho eleitoral, Donald Trump avança dez casas.

Joe Biden diz que não desiste de sua candidatura. Logo sua assessoria informa que o presidente está com Covid. Biden fica sem jogar por duas rodadas.

Domingo, 21 de julho de 2024. Num comunicado lacônico pelas redes sociais, Joe Biden retira sua candidatura e lança o nome da vice-presidente, Kamala Harris, em seu lugar. O bonequinho que representa Biden é retirado do tabuleiro. Em seu lugar aparece uma bonequinha retratando Harris, lá no ponto de partida.

Num vídeo antigo, Kamala aparece dançando, dando gargalhadas e avança cinco casas.

No primeiro dia da campanha informal de Harris (sua candidatura ainda não está confirmada pela convenção democrata, o que só ocorrerá em 19 de agosto) surgem 81 milhões de dólares em doação. Mais cinco casas para Kamala.

Kamala faz seu primeiro discurso de campanha. Mistura bom humor com críticas mordazes ao adversário. Ela ganha oito casas no tabuleiro.

Tudo bem. Agora, falando sério, campanhas eleitorais nos Estados Unidos são assim mesmo. Há o dia de um e o dia de outro. Mas o que interessa são as vitórias nos swing states, estados sem partido preferencial.

A cada quatro anos, as urnas sufragam um democrata ou um republicano. E todos os votos (mesmo aqueles dados ao perdedor) passam para o ganhador, sistema conhecido como “the winner takes all” mesmo que, raciocinando por exagero, a diferença entre o democrata e o republicano seja de um voto.

No momento em que escrevo esta crônica, Donald Trump é ainda o favorito. E tem munições contra Kamala. Por exemplo, o fato da adversária ser de esquerda (esquerda na definição norte-americana, bem entendido) o que permitirá que Trump a chame de “comunista”, termo que dá calafrios nos eleitores de lá.

Tanto é assim que Bernie Sanders, o preferido dos jovens democratas, nunca conseguiu a nomeação do partido. Foi vice ou terceiro lugar nas convenções algumas vezes.

Em seu discurso na convenção de Wisconsin, Donald Trump citou diversas vezes, favoravelmente, Ronald Reagan.

Nada podia ser mais diferente do que um e outro. Enquanto Trump ameaça taxar os carros importados em 100 ou 200%, a Reagonomics tinha como um dos seus pilares forçar a indústria americana a ser competitiva, diminuindo a taxação sobre os importados.

A promessa de fechamento total da fronteira sul dos Estados Unidos (com o México), por intermédio da conclusão do muro, é um ponto que ajudará Trump a obter votos. E não é uma coisa muito difícil de fazer. Basta ter peito. Isso ele tem.

Donald Trump tem pavor de ser considerado um perdedor (looser). É só lembrar como se comportou em 2020, quando foi derrotado por Joe Biden e entrou em profunda depressão.

O passo mais importante, acho que Kamala Harris já deu: conseguir que os democratas se entusiasmem com a candidatura e compareçam, no dia 5 de novembro (Election Day), às urnas para votar (nos EUA, o voto não é obrigatório).

Se Joe Biden continuasse insistindo na candidatura, havia o risco dos republicanos obterem, por larga margem, além da Casa Branca, o Senado e a Câmara dos Representantes.

Para o mercado de renda variável, não creio que a eleição de um ou de outro faça muita diferença.

Um ótimo fim de semana para todos vocês, amigos leitores.

Ivan Sant’Anna

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