O novo episódio do Videocast Rio Bravo vai ao ar na quarta-feira, 8 de maio, e o entrevistado é Mauro Calliari, doutor pela Faculdade de Urbanismo e Arquitetura da Universidade de São Paulo, autor do livro “Espaço Público e Urbanidade em São Paulo” e colunista da “Folha de S.Paulo”. Em suas colunas para o jornal, Calliari traz um olhar de observador engajado da capital paulista, ora apontando para quais deveriam ser as prioridades no que se refere aos estacionamentos e às calçaras, ora refletindo acerca da solidão das grandes cidades.
A sua participação como observador atento também aparece nas mídias sociais. No Instagram, por exemplo, além de destacar suas colunas mais recentes para o jornal, também intervém com vídeos e comentários a propósito de temas recentes relacionados à transformação das cidades e à literatura, um de seus temas favoritos. Calliari assina a curadoria de um curso livre para a Escrevedeira, espaço onde se realizam cursos e oficinas relacionados à escrita e à literatura. Lá, Calliari ministra o curso “Caminhando e escrevendo – literatura pela cidade”.
Na entrevista que concede ao Videocast, Calliari elenca autores, como Machado de Assis e Charles Dickens, souberam capturar as transformações sociais de seu tempo e lugar. No caso do autor inglês, as mudanças relacionadas à Revolução Industrial estão presentes em obras como “Tempos Difíceis”. Já em relação ao “Bruxo do Cosme Velho”, além de seus romances e contos, suas crônicas capturam o que Calliari, no Videocast, sublinha como a passagem do mundo de dentro para o mundo de fora, da casa para a rua.
Em São Paulo, essas mudanças estão mais do que presentes, e a impressão que se tem é de que, no pós-pandemia, a cidade se renova a cada semana. Ocorre que nem sempre as mudanças acontecem sem provocar um impacto junto ao público. É o que se viu, neste último fim de semana, com o fechamento da livraria Mandarina, que funcionava no baixo Pinheiros desde agosto de 2019. As duas fundadoras, Daniela Amendola e Roberta Paixão, disseram que a operação física se encerra por conta do pedido do aluguel, “muito acima do que uma livraria de rua pode pagar”.
Ao falar a respeito da Mandarina no Instagram, Mauro Calliari lamenta o fechamento da livraria e cita outra mudança bastante sentida pelo público paulistano da região: o encerramento das atividades da Mercearia São Pedro, na Vila Madalena, que foi o espaço-seguro de muitos escritores e que, de tão importante, também era reconhecida pelos seus detratores (“amor nenhum dispensa uma gota de ácido”, escreveu Drummond sobre Machado de Assis). Fato é que, em alguns meses, a paisagem etílico-literária da região deixou órfãos uma legião cativa de frequentadores desses ambientes. Um incômodo provocado pela cidade que devora seus espaços de cultura ou consequência natural da especulação imobiliária? Hipóteses não faltam.
Yes in My Backyard
Em agosto de 2021 – antes, portanto, do fechamento da Mercearia São Pedro e da Livraria Mandarina –, Maurício Ramos, que é conselheiro municipal de política urbama, não hesitou em considerar em uma entrevista concedida ao Podcast Rio Bravo[1] que: “a história de Pinheiros está sendo varrida pelo desenvolvimento urbano”. Contando a história a partir de um olhar afetivo de quem cresceu na região, Ramos identificou que, seja do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, seja do ponto de vista das necessidades de cada região da cidade, o Plano Diretor era a origem do problema. Nesse sentido, a região de Pinheiros é a mais perfeita tradução de como a verticalização mutila a memória de São Paulo.
Como era de se esperar, a entrevista provocou reações apaixonadas. À época, o perfil do Twitter (hoje X) @Spyimby, antes mesmo de ouvir o podcast, já havia decretado: “esse tipo de mentalidade vindo de alguém do conselho municipal de política urbana representa bem os tipos de discussões em SP. Ouvirei outra hora. Provavelmente, apenas para sofrer”.
Fora do Brasil, o movimento Yimby (Yes In My Backyard – em tradução livre, sim no meu quintal) tem ganhado tração exatamente porque se formou o seguinte consenso: aqueles que se opõem ao desenvolvimento, que atendem pelo acrônimo Nimby (Not In My Backyard, não no meu quintal, em tradução livre), têm se beneficiado do classicismo e do racismo estrutural da sociedade, lutando contra a expansão imobiliária de seus bairros e contra preços mais justos. Em outras palavras, a crítica é de que moradores de Pinheiros e Jardins, para citar dois bairros de São Paulo, rejeitam a verticalização não porque são contra a deterioração dos bairros, mas porque querem manter o privilégio de manter suas paisagens inalteradas.
De volta a 2024, as transformações na região seguem a todo vapor, assim como as reações iracundas. Quem está com a razão? Enquanto o debate (não) acontece, as decisões sobre o Plano Diretor Estratégico parecem seguir distantes do interesse da população, de modo que toda conversa tende a se resumir a uma polarização entre aqueles que ambicionam pelo progresso e aqueles que desejam manter a cidade como ela sempre foi.
Em meio a essa disputa, talvez seja impopular dizer, mas quem tem a sofisticação da palavra já largam com ampla vantagem: afinal, não foram só Machado de Assis e Charles Dickens que acusaram as mudanças nas cidades. Em São Paulo mesmo, o poeta e cantor Adoniran Barbosa imortalizou, na canção “Saudosa Maloca”, a injustiça da derrubada de um prédio onde moravam Adoniran, Mato Grosso e o Joca construíram a maloca “que o dono mandou derrubar”.
Pode parecer pouca coisa, mas, como disse Mauro Calliari, em entrevista ao Videocast Rio Bravo: “Adoniran Barbosa conseguiu contar o progresso em São Paulo”.
Com sua aparente simplicidade, o poeta mostrou como o fechamento de bares e livrarias, espaços afetivos por excelência, pode representar o preço simbólico mais alto do desenvolvimento urbano da capital paulista.
Fabio Cardoso é jornalista e editor da Órbita.
[1] Para a entrevista de Maurício Ramos ao Podcast Rio Bravo, acessar: https://soundcloud.com/riobravoinvestimentos/podcast-659-mauricio-ramos-a-historia-de-pinheiros-esta-sendo-varrida-pelo-crescimento-urbano
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