Por Giuliana Preziosi, Colunista de Plurale (*)
Num mundo em que vivemos mergulhados numa abundância de informações, não há dúvida de que engajar pessoas é desafiador. Com tantos desafios sociais e ambientais existentes, o tão falado ESG ou ASG (Ambiental, Social e Governança) vem à tona; empresas e pessoas reconhecem a importância de se falar em sustentabilidade. Mas ainda é preciso uma grande quebra de paradigmas e mudança de comportamento. E como engajar essas pessoas para isso?
Por que o Marketing, áreas de vendas, cursos de negociação, influência e persuasão podem usar estudos da neurociência para mobilizar pessoas e nós não utilizamos esse conhecimento para propor engajamento e comprometimento com o que realmente interessa – ou seja, um mundo mais sustentável para todos?
Otto Scharmer, criador da Teoria U, diz que “estamos, coletivamente, criando resultados que ninguém quer”. Mudanças climáticas, desmatamento, desigualdade social, fome, discriminação… a lista é grande. Alguém conscientemente quer isso?
Agimos individualmente, mas produzimos resultados coletivos. Será então que entender o funcionamento do cérebro pode nos ajudar a melhorar os resultados que estamos produzindo? Afinal, segundo Erick Kandel, famoso neurocientista austríaco, “grande parte de nossa vida mental é inconsciente”. E “a ciência do cérebro está em todos os aspectos da vida intelectual: filosofia, psicologia, música, nas tomadas de decisões, nas decisões econômicas.”
Esse é um largo campo de estudos; mas para trazer alguns pontos no mínimo provocativos, quando falamos de engajamento, conheça 5 fatos trazidos por estudos de Neurociência que vão te ajudar a refletir sobre nosso comportamento.
Somos movidos por emoções
Já se perguntou “O que nos move?” Eu te respondo: nossas emoções. E aí você pode me dizer: “mas nem todo mundo é tão emocional; tem pessoas mais racionais. Uns agem pela razão e outros pela emoção!” O velho mito da dualidade entre razão e emoção vem da filosofia grega, em que Platão sustentava que paixões, desejos e temores o impediam de pensar. Como se às vezes agíssemos pela razão, em detrimento da emoção.
Não é bem assim. O ser humano tem uma tendência a querer separar razão e emoção como se fossem aspectos contrastantes de alma, sempre lutando pelo controle da psiquê humana.
E deixa eu te contar uma coisa: a mente não existe sem a emoção, porque a emoção é parte integrante do processo de raciocínio. Para Antônio Damásio, em seu brilhante livro “O Erro de Descartes”, devemos valorizar as emoções na construção de nosso comportamento, principalmente na tomada de decisões. Isso determina muito quem somos!
Não é à-toa que a inteligência emocional é cada vez mais valorizada e requisitada em diversas organizações e circunstâncias. Nossa forma de agir tem relação com as emoções que sentimos – e, por isso, ter ciência das emoções é uma habilidade a ser desenvolvida. Este é o conceito de inteligência emocional trazido por Daniel Goleman – e que reforça a importância do autoconhecimento, do autocontrole, da consciência social e da gestão de relacionamento.
No cérebro, quem comanda o centro das emoções é o sistema límbico, que compreende diversas estruturas que coordenam as respostas hormonais, comportamentais e fisiológicas condizentes com os nossos distintos estados emocionais.
Nossas emoções determinam a forma com que pensamos, agimos e reagimos a cada momento. E, na maioria das vezes, nem temos noção de quanto elas nos influenciam. Carla Tieppo, professora e neurocientista, explica que o fato de sermos mais movidos pela emoção do que pela razão é porque fazemos muito mais coisas de maneira automática do que conseguimos fazer, se regidos pela consciência e pela racionalidade. E isso tem grande impacto nas nossas decisões, como veremos a seguir.
O que você pode fazer: Escute suas emoções; reconheça que elas estão ali, acolha-as sem medo de refletir ou se questionar sobre elas.
Para engajar pessoas: Reflita sobre quais são os sentimentos que sua comunicação está gerando. Se não gerar emoção, é hora de refazer!
Grande parte de nossas decisões são falhas
Sim, é verdade. E não dá para dizer que isso só nos traz problemas. Nosso cérebro tem a capacidade de automatizar muitas de nossas decisões. Imagina ter que parar para pensar para tudo? Seria cansativo e gastaria bastante energia, com certeza. Claro que isso nos dá agilidade, mas vem com consequências. Daniel Kahneman explica o processo de tomada de decisão classificando-o em dois sistemas: o sistema 1 é o automático, intuitivo, aquele que resolve rápido e de forma impulsiva; e o sistema 2 é o mais deliberado, que exige raciocínio, reflexão, antes de chegar à resposta. Porém, em um mundo de velocidade acelerada, onde o excesso de informação gera desinformação e a disponibilidade de canais é exacerbada, muitas vezes o caminho automático é o mais fácil.
A questão é que o sistema 1 é o que toma decisões automáticas, baseadas nas nossas crenças, valores e experiências; e o sistema 2 se apoia nessa impressão para fazer um julgamento de verdadeiro ou falso. Isso faz com que pessoas possam ser manipuladas, dependendo de como recebem a informação. Por exemplo: a repetição frequente de uma notícia falsa gera familiaridade e não é facilmente distinguível da verdade.
São chamadas de heurísticas – uma espécie de atalho que o cérebro encontra para resolver problemas e fazer julgamentos, utilizando processos automatizados. A heurística do afeto deixa que nossas simpatias e antipatias (o que gosto e o que não gosto) determinem nossas crenças acerca do mundo. A heurística da disponibilidade leva em conta a facilidade com que as coisas nos vêm à mente. E olha só, o mundo em nossas cabeças não é uma réplica precisa da realidade. Na heurística da ancoragem, somos muito influenciados pela primeira informação que nos é dada – e isso afeta as demais, porque a utilizamos como ponto de referência. Ainda há efeitos de enquadramento e outros tipos de heurísticas. Pois é, quem achava que era simples tomar decisões?
Segundo Kahneman, nossa confiança é determinada pela coerência da melhor história que somos capazes de contar para nós mesmos, a partir da evidência disponível. Além disso, dependendo das minhas crenças, da cultura em que estou imerso, das experiências que tive, desenvolvo vieses inconscientes. Sim, porque todo esse trabalho do sistema 1 não é algo de que temos consciência. Vieses que alimentam preconceitos e provocam atos discriminatórios. Infelizmente são vários exemplos: vemos hoje muitas pessoas racistas, machistas ou homofóbicas sem assumirem tais traços.
O importante é ter clareza sobre tudo isso – e saber desligar os processos automáticos, quando eles mais atrapalham do que ajudam. Kahneman traz uma importante reflexão: “Nós nos concentramos no que sabemos e negligenciamos o que não sabemos, o que nos torna excessivamente confiantes em nossas crenças”.
O que você pode fazer: Esteja mais presente na sua vida, realmente atento ao que acontece ao seu redor; valorize momentos e potencialize sua escuta. Questione-se e tenha consciência das influências a que está exposto.
Para engajar pessoas: Escute verdadeiramente o outro; só assim conseguimos enxergar o que é relevante para a outra pessoa e propor soluções que a motivem. Viver no automático e sem escuta ativa é a principal causa de falhas de comunicação.
As duas faces da empatia
Empatia é um grande ponto de partida para comportamentos sociais e para a promoção da cooperação. Mas nem sempre a empatia tem consequências positivas. Vamos entender melhor.
Você já ouviu falar em neurônios-espelho? Esses neurônios foram descobertos por Rizzolatti e colaboradores na década de 1990, quando pesquisavam a área pré-motora em macacos Rhesus. Os neurônios-espelho são ativados pela observação de uma ação, permitindo que o significado dessa ação seja compreendido automaticamente. São neurônios associados à nossa capacidade de imitação, ao aprendizado de novas habilidades e à leitura da intenção em outros humanos.
E qual é a relação com a empatia? Acontece que as emoções também podem ser espelhadas. Quando, por exemplo, vemos alguém chorar, nossas células refletem a expressão do sentimento que pode estar por trás das lágrimas – e trazem de volta a lembrança de momentos que já vivenciamos. Essa capacidade tem o nome de empatia. Os neurônios-espelho nos ajudam a resolver ou entender o que é problema dos outros, porque se a gente tivesse acesso somente ao que é problema da nossa mente, nossa socialização seria dificultada. É uma vantagem adaptativa dos seres humanos.
Temos três tipos de empatia: a empatia cognitiva é quando eu sei como você pensa, ou seja, posso entender sua perspectiva; a empatia emocional é quando posso sintonizar com os seus sentimentos, ou seja, saber o que o outro está sentindo; e a preocupação empática é quando nos importamos com o bem-estar das pessoas de forma mais abrangente.
No entanto, ter empatia se refere a uma conexão com valores da outra pessoa. E quem vai dizer se são valores bons ou ruins? Existe uma questão moral envolvida. Mas a empatia não garante moralidade. Um sociopata, por exemplo, é capaz de imitar um comportamento moral para desempenhar um comportamento cruel.
A capacidade de espelhamento, em alguns contextos, pode ser usada para aumentar a crueldade, ou simplesmente disseminar informações falsas, movidas por interesses próprios. Posso ter empatia, entender outras pessoas, me colocar no lugar delas, mas tudo depende de quais valores, contextos e crenças estão em jogo.
A empatia se apoia em processos de colaboração, cooperação e solidariedade; mas também é frágil e se desfaz em contextos de conflitos intergrupais. Segundo alguns estudos recentes, a empatia reflete os motivos dos indivíduos em um determinado contexto. O contexto não influencia diretamente a empatia, e sim a molda indiretamente, afetando os valores de cada pessoa.
Mas mesmo entendendo que a empatia tem suas fragilidades, ela é a base para estabelecer relações fortes e o insumo necessário que alimenta nossa socialização.
O que você pode fazer: Procure praticar a empatia com pessoas muito diferentes de você. Enriqueça seu repertório emocional.
Para engajar pessoas: Reflita sobre o valor, o sentido por trás da sua ideia ou projeto e concentre seus esforços de mobilização em pessoas que compartilhem esse valor. Explore a diversidade. Promova situações em que as pessoas possam entender, sentir, experimentar o valor proposto.
Enquanto descansa, seu cérebro trabalha duro
E você achava que não dormir poderia fazer seu dia render mais? Muito pelo contrário! Uma boa noite de sono aumenta sua produtividade.
Mas o que acontece no cérebro enquanto você descansa, não apenas quando está dormindo? O modo stand-by do cérebro é chamado de Rede de Modo Padrão (Default Mode Network). É um conjunto de regiões do cérebro que interagem e possuem atividades correlacionais entre si, mas distintas de outras redes do cérebro. Essa rede fica ativa durante o repouso passivo e a divagação mental, ou seja, quando o corpo está exercendo atividades mecânicas do dia-a-dia, que não necessitam de atenção. E por que ela é tão importante?
A Rede de Modo Padrão fica ativa quando pensamos em nós mesmos ou nos outros, ou quando estamos relembrando coisas do passado ou planejando o futuro. Aquele momento que a mente divaga, mas se alguém pergunta: “No que está pensando?”, você diz: “Em nada”. Esses pensamentos que vêm enquanto a mente está divagando têm a ver com nossos relacionamentos; com a maneira como interagirmos com as pessoas e com o ambiente ao nosso redor. Para Matthew Lieberman, grande pesquisador do tema, quando nós ligamos a Rede de Modo Padrão é porque estamos interessados no mundo social. Como se fosse um termômetro da nossa socialização, que pode trazer prazeres ou inquietações.
E não é maravilhoso pensar que, mesmo no descanso, nosso cérebro nos ajuda a lidar com a socialização? Isso só reforça o conceito de que somos seres sociais – e a importância da interação e da conexão entre as pessoas como motor propulsor de mudanças.
O que você pode fazer: Valorize seu descanso; tenha pausas, procure garantir um sono de qualidade.
Para engajar pessoas: Em qualquer projeto em andamento, tenha pausas constantes. Crie momentos de descontração e aproveite para gerar interação entre as pessoas.
Você tem a fórmula da felicidade!
Talvez esta seja a maior busca da humanidade: a felicidade. Chega, muitas vezes, a virar tóxica, de tanto que é preconizada.
O problema maior é que a grande maioria das pessoas busca encontrar a felicidade no lugar errado – quando, na verdade, ela pode estar mais perto e mais acessível do que se imagina. Como diz o economista indiano Subramanian Rangan, “as pessoas parecem ter mais e, ao mesmo tempo, ser menos”.
De onde vem a felicidade? Sonja Lyubomirsky, em seu livro “The how of Happiness”, diz que 50% da nossa felicidade vêm[u1] da genética e isso faz parte da nossa bioquímica; 10% vêm de circunstâncias da vida: possui relação com renda, grau de escolaridade e grau de vulnerabilidade social, entre outros fatores; e 40% dizem respeito aos nossos pensamentos e atitudes. Em outras palavras, 40% estão sob nosso controle!
E o nosso cérebro é capaz de produzir uma química perfeita para nos ajudar com isso. A oxitocina ou ocitocina, também conhecida como hormônio do amor, é um neuroquímico estimulado por quase qualquer interação social positiva. Ela nos faz aumentar nossa empatia e, assim, conseguimos nos conectar emocionalmente com outras pessoas; nos motiva a trabalhar para ajudar outras pessoas e reduz nosso estresse fisiológico. Além disso, induz a liberação de outros neurotransmissores, como a dopamina e serotonina. A dopamina é uma molécula que aprende e nos dá uma pequena recompensa quando fazemos algo que é valioso para nós; a serotonina está relacionada ao nosso humor.
Para Paul Zak, neuroeconomista e fundador desse campo de estudos, a ocitocina é o substrato biológico do amor e da reciprocidade, pois intensifica os comportamentos pró-sociais, o que inclui generosidade, confiabilidade e caridade.
E se uma grande parte da felicidade está sob nosso controle, onde podemos buscá-la? No amor, nos nossos relacionamentos, nas amizades, no abraço, no sorriso, na gentileza, na doação. Tudo isso não só nos alimenta como faz bem à saúde.
São vários os estudos que mostram que, quando as pessoas doam, ativam regiões do cérebro associadas ao prazer, à conexão social e à confiança. Isso inclui praticar o voluntariado, cultivar a gratidão, ajudar outras pessoas. Tudo isso não só aumenta a nossa própria positividade, mas também a das outras pessoas – e está associado à liberação de ocitocina. Vários estudos e crescentes evidências sugerem que atos de generosidade podem reduzir problemas psicológicos, além de promover maior bem-estar e melhor qualidade de vida.
O que você pode fazer: Doe, seja voluntário, participe de ações sociais.
Para engajar pessoas: Potencialize interações entre as pessoas, valorize a cocriação e a colaboração. Gere, crie, fortaleça e estimule emoções positivas. Faça as pessoas rirem, sorrirem e se apaixonarem!
Nossa coletividade é, ao mesmo tempo, o que nos destrói e o que nos fortalece. Essa força vem da nossa individualidade, representada pelo nosso comportamento – que é movido por emoções, alimentado por valores e crenças e influenciado pelo ambiente e seu contexto. Somos seres sociais que, às vezes tomam decisões falhas, advindas de processos automatizados. Mas quando somos movidos por cooperação e generosidade, podemos provocar mudanças significativas não só em nós mesmos, como também no mundo ao nosso redor.
Por Giuliana Preziosi, Colunista de Plurale, Sócia na Conexão Trabalho Consultoria, com mestrado em Gestão para a Sustentabilidade pela FGV e pós-graduação em Neurociência e Comportamento pela PUCRS.