De acordo com Serasa Experian, o Brasil registrou no ano passado, o maior número de Recuperações Judiciais (RJ) da série histórica da entidade, com 2.273 empresas adotando um regime especial para se reestruturarem financeiramente. Em relação a 2023, o índice aumentou 61,8%, quando 1.405 empresas entraram em recuperação. E com a taxa de juros a 13,25% e com projeção de fechar 2025 acima de 15%, há possibilidade das RJs aumentarem ao longo desse ano.
O Acionista publica as respostas a cinco perguntas sobre o assunto de Daniel Báril, coordenador da área de Insolvência e Reestruturação do Silveiro Advogados. Confira:
1) Quais fatores estão impulsionando o aumento no número de recuperações judiciais?
A atribuição dos juros como uma das razões pelas quais majoram os pedidos de recuperação judicial é algo bem recorrente e lógico, considerando que no Brasil enfrentamos taxas altíssimas que, inegavelmente, sensibilizam o empreendedorismo. Assim, certamente, pode-se dizer que a majoração da taxa de juros, ao tornar as dívidas mais caras, gera uma majoração no índice de inadimplência e, por sua vez, no número de recuperações judiciais.
Mas, não podemos nos esquecer, temos uma série de fatores adicionais que contribuem para essa recente majoração. A carga tributária, por exemplo, é avassaladora, com as alíquotas mundialmente relevantes em termos de patamares. Além disso, o país tem uma série de ineficiências logísticas e de várias outras facetas que não incentivam o empreendedorismo e a livre iniciativa.
Claro, todos os negócios, em qualquer lugar do mundo, passam por ciclos, sendo a crise empresarial natural inclusive em economias saudáveis. Mas, pelos fatores acima, podemos considerar que empresariar no Brasil ganha contornos um tanto mais dramáticos.
2) Quais setores são os mais afetados pelo cenário econômico atual?
Historicamente, podemos considerar que a crise já passou por praticamente todos os setores. Mais recentemente, vimos, por exemplo, o varejo bastante fragilizado, em situação de dificuldade, assim como o agronegócio, sujeito à dolarização e às intempéries do clima.
Passamos, também, por períodos em que a crise assolou as incorporadoras, com muitas dúvidas sobre a possibilidade de se valerem da recuperação judicial, considerando as nuances como operam (patrimônio de afetação e SPEs). Vê-se, assim, que não é apenas um setor, mas são vários que vêm passando por uma série de crises cíclicas.
Globalmente, o setor aéreo parece bastante comprometido, gerando um volume muito grande de empresas que precisam se socorrer de um remédio jurídico da recuperação judicial.
3) O aumento de recuperações judiciais pode impactar a economia brasileira de que forma?
Temos que considerar, também, que a crise nunca é da empresa, mas sim de todos os seus stakeholders. Isso porque toda cadeia é afetada. Quando há uma recuperação judicial da magnitude de uma Americanas, por exemplo, existem consumidores, trabalhadores, clientes, fornecedores que sofrem com essa situação de default. Ou seja, há todo um efeito em cadeia, fazendo com que seus fornecedores, por exemplo, passem a inadimplir obrigações suas, que por sua vez gera efeitos outros, em vários negócios e setores.
4) Existe alguma expectativa de melhora no acesso ao crédito para 2025?
Uma empresa que está começando a entrar em estado de insolvência normalmente já não consegue acesso a crédito de primeira linha. Nesses contextos, elas já não conseguem mais passar pelo crivo dos principais bancos, que começam a fechar as portas a essas empresas. Ou, quando as abrem, certamente é com o objetivo de melhor adequar sua posição creditícia junto a esses negócios, por vezes alongando dívidas com vias de obter melhor garantias, ou algo do gênero.
De outro lado, cada vez é mais recorrente o acesso a crédito através de fundos especializados em distressed, que comportam um maior apetite a negócios nesse perfil.
Abre-se, assim, um mercado de fundos de distressed que estão mais acostumados a lidar com empresas em recuperação judicial ou outro estado de insolvência. Qual é o senão disso para as empresas devedoras? É que são montantes que vêm com taxas ainda mais altas do que o mercado já pratica. Então, quanto maior o risco, maior a precificação do investimento. Isso faz com que as empresas que já contam com margens apertadas, que já enfrentam dificuldades, encarem taxas ainda maiores, que sensibilizam ainda mais o seu já fragilizado caixa.
5) Como as empresas podem se preparar para evitar a recuperação judicial nesse contexto?
Muitas vezes, o negócio entra em derrocada por motivos vários relacionados à própria cultura da empresa, que busca crescer sem uma real preocupação com a margem e com a geração de caixa. Não são raros os negócios que se contentam com faturamento, sem perceber que esse critério diz muito pouco, ou nada, sobre a saúde do negócio.
Por isso, é muito salutar que a empresa conte com um apoio consultivo, para que rapidamente corrija erros estratégicos eventualmente cometidos. Ainda mais quando os erros impactam a geração de caixa do negócio, que é, de alguma forma, o sangue que corre pelas veias empresariais. A famosa expressão “cash is king” se deve ao fato de que é o caixa que, assim como quebra uma empresa, é ele quem a salva.
Em contextos de iminência de crise, é importante que a empresa procure experts que conheçam do mercado de crise (seja da área jurídica, jurídico financeira, estratégica, ou outras) para que se faça um adequado diagnóstico e se apontem caminhos. Nesse contexto, porém, há que se saber que a recuperação judicial nem sempre é o caminho adequado. Muitas vezes, consegue-se evitá-la, percorrendo caminhos que vão gerar resultados tão bons quanto e, certamente, menos custosos e menos gravosos no que diz respeito à reputação do negócio. A recuperação judicial é um bom remédio para a doença certa, mas que deve ser evitada como primeira solução, quando há caminhos outros.