Na oportunidade em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia sua viagem oficial à China, acompanhado de extensa comitiva, acho importante fazer um histórico da relação entre os dois países, relação essa que mudou muito ao longo dos tempos.

No final do século 19 e início do século 20, China e Brasil eram países totalmente isolados. Embora do Japão tenham vindo para cá várias levas de imigrantes, que cresceram e se multiplicaram, o mesmo não aconteceu com os chineses.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, na qual o território da China esteve em boa parte ocupado por tropas do Império do Sol Nascente, iniciou-se a Guerra Civil chinesa. De um lado, os exércitos comunistas liderados por Mao Tsé-Tung. Do outro, os nacionalistas do generalíssimo Chiang Kai-shek.

Com a vitória de Mão, os seguidores de Chiang se refugiaram na ilha de Formosa (Taiwan), onde a maioria de seus descendentes vive até hoje.

Pequim considera Taiwan uma província rebelde.

Embora Formosa representasse uma parcela ínfima da população chinesa (menos de dois por cento), os Estados Unidos passaram a considerar a ilha como representando toda a China, inclusive na ONU, onde os taiwaneses tinham participação permanente no Conselho de Segurança, com direito a veto, tal como acontecia (e continua acontecendo) com os demais aliados vencedores da guerra: Estados Unidos, União Soviética, Grã-Bretanha e França.

A incongruência durou até 1979 quando, após uma visita histórica (e secreta) de Henry Kissinger a Pequim, seguiu-se uma outra (desta vez pública, como não podia deixar de ser) na qual o presidente Richard Nixon encontrou-se com Mao Tsé-Tung, para grande espanto mundial e enorme decepção de Moscou.

A partir daí, a China continental passou a fazer parte da ONU em lugar de Taiwan. Por imposição chinesa, nenhum país que reconhecesse a soberania taiwanesa podia ter relações diplomáticas com Pequim.

Era um ou outro. Isso valia inclusive para competições esportivas. Formosa foi excluída dos jogos olímpicos e dos quadros da FIFA.

O Brasil, que, acompanhando os Estados Unidos, considerava Formosa como sendo toda a China, rapidamente mudou de lado, embora não houvesse praticamente nenhum relacionamento com Pequim.

Em abril de 1964, quando o presidente João (Jango) Goulart foi deposto pelos militares, encontrava-se no Brasil uma missão oficial chinesa.

Em vez de serem convidados a se retirar do país, os chineses foram presos e torturados pela ditadura. O episódio é narrado no livro “O caso dos nove chineses”, de autoria de Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo.

Durante muitos anos, não houve praticamente nenhum interesse (de ambas as partes) em manter relações comerciais Brasília-Pequim.

Foi a época do fracassado Grande Salto para a Frente, programa econômico de Mao Tsé-Tung que matou de fome entre 30 e 40 milhões de chineses.

Por ocasião da Revolução Cultural, aí mesmo é que ter relações comerciais com a China não traria nenhum benefício ao Brasil.

Com a morte de Mao e, pouco depois, com a subida ao poder de Deng Xiaoping, o homem que dizia “que não importa se o gato é preto ou branco, desde que mate o rato”, a China entrou num ciclo de crescimento do qual, com exceção de algumas freadas de arrumação, perdura até hoje.

Nesse período de boom chinês, o Brasil foi um dos países mais beneficiados, exportando para lá matérias-primas e commodities, as mais diversas, com destaque para minério de ferro, carne e soja.

Vendas para a China foram a principal razão do forte crescimento do PIB brasileiro durante os dois primeiros mandatos de Lula.

Se esta visita de Estado, que hoje está começando, for bem conduzida, é possível que nossa economia comece a sair do estado letárgico atual.

O benefício se refletirá nas ações de empresas brasileiras que exportam para a China, apesar da forte concorrência exercida pelo mercado de renda fixa, que se aproveita da relação de picuinha do cidadão (agora virou “esse rapaz”) que preside o BC e o sindicalista que, para nosso pesar, trocou o pragmatismo de 2003 pelo “dilmismo”, de amarga lembrança, que o sucedeu em 2011.

Um ótimo fim de semana para todos,

Ivan Sant’Anna


PS: Para tratar uma pneumonia leve, a viagem de Lula ainda não está confirmada.

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