A Boeing Company é uma empresa tão grande e importante que, todo mês, quando o governo americano divulga a balança comercial (trade balance), as exportações de aviões não são incluídas na cifra.
Isso porque, se a gigante de Seattle vendeu para o exterior, por exemplo, 200 jatos wide body (aviões de grandes dimensões, com dois corredores na cabine de passageiros), distorce toda a estatística daquele período.
Um dos índices mais importantes representativos do mercado de ações de Nova York é o Industrial Dow Jones, composto de 30 empresas, entre elas a Boeing.
Após ter adquirido a McDonnell, a Douglas, o setor de aviões de passageiros da Lockheed Martin e a Convair, a Boeing Aircraft tornou-se absoluta no segmento americano de aviões de passageiros, excluindo-se as aeronaves de pequeno porte e os jatos executivos.
Nos Estados Unidos, bem entendido.
Enquanto isso, na Europa, uma montadora multinacional (França, Grã-Bretanha e Alemanha) não fazia outra coisa senão abocanhar uma grande fatia desse mercado de meio trilhão de dólares anuais. Evidentemente, estou me referindo à Airbus, com sede na cidade francesa de Toulouse.
Com o passar do tempo, a Airbus tornou-se maior e mais lucrativa do que a Boeing, que passou a imitar a concepção de projetos da concorrente europeia.
Daí surgiu o Boeing 737 Max, que tinha como objetivo principal ser mais econômico.
Só que, no projeto inicial do Max, os motores foram colocados numa posição muito baixa em relação ao solo.
Nas decolagens e aterrissagens em pistas com pequenas ondulações, ou com emendas salientes entre as placas de concreto, as turbinas raspavam no chão.
A solução de Seattle foi elevar a posição dos motores. Só que isso alterou a aerodinâmica do avião.
Para corrigir o defeito (originário de outro defeito), os engenheiros da Boeing criaram um software que impedia que os aviões estolassem (perdessem a sustentação) em pleno ar, se precipitando para o solo ou para o mar.
Só que os pilotos tinham apenas alguns segundos para corrigir a atitude das aeronaves.
Isso não foi possível em duas ocasiões.
Em 29 de outubro de 2018 um Max da Lion Air, em voo doméstico de Jacarta para Pangkal Pinang, perdeu a sustentação (portanto deixou de ser um avião) e se precipitou sobre o mar de Java, matando todos os seus 189 passageiros e tripulantes.
Seis meses depois, aconteceu a mesma coisa com outro Max, desta vez da Ethiopian Airlines, em voo de Adis Abeba para Nairobi. Tal como no caso da Lion Air, morreu todo mundo: 157 pessoas.
Órgãos aeronáuticos das diversas nações, assim como empresas aéreas, interditaram (grounded) 387 modelos 737 Max até que a falha fosse esclarecida e reparada.
Essa interdição durou 20 meses, antes que o defeito fosse sanado. Os Max voltaram aos céus.
A Boeing então resolveu construir o Max 9, que rapidamente vendeu para diversas empresas aéreas.
Só que, depois que o avião ficou pronto, os “gênios” de Seattle cismaram que ele tinha portas de saída de emergência demais. Resolveram desativar duas delas, situadas logo atrás das asas.
A razão para isso ainda não está bem explicada, mas considero duas hipóteses:
– Algumas empresas e órgãos controladores de aviação exigem que haja no mínimo um comissário de bordo para cada porta, para o caso de evacuação de emergência.
Excluindo-se uma porta, economiza-se um tripulante.
– A distância entre as duas fileiras de poltronas situadas junto às saídas de emergências é maior, “desperdiçando-se” espaço lucrativo.
Nos Max 9, essas portas se transformaram em janelas, através da colocação de uma placa.
Essa placa tinha o desenho de porta do lado de fora.
Enfim, um monstrengo.
Num voo doméstico da Alaska Airlines, quando a aeronave se encontrava a quase cinco mil metros de altura, a placa se soltou e abriu um rombo na fuselagem. Como sempre acontece nessas ocasiões, houve uma descompressão súbita e diversos objetos foram sugados para fora.
As máscaras de oxigênio caíram e os passageiros puderam usá-las. Felizmente não havia ninguém sentado junto a janela/porta que se foi. Mas alguns assentos próximos ao rombo tiveram seus encostos totalmente retorcidos.
O jato fez um pouso de emergência no aeroporto de Portland, no Oregon, cerca de vinte minutos após a decolagem.
A rapidez de ação dos pilotos fez com que não houvesse vítimas fatais. Mas, como não podia deixar de ser, todos os 171 Max 9 existentes no mundo foram interditados.
Essa é a Boeing de hoje, que cada vez perde mais espaço para a Airbus. Resta ainda a Embraer, com sua tecnologia state-of-the-art. Só que ela não fabrica wide bodies.
Nos próximos meses e anos vai faltar aviões e as passagens irão subir de preço.
Com tudo isso, a Boeing Company ainda nem pensou em iniciar um novo projeto, coisa que leva dez anos até que o primeiro jato possa voar comercialmente.
Em aviação, dez anos é uma eternidade.
Antes que me esqueça, um detalhe. Em diversos desses Max 9 retidos no solo estão sendo encontrados parafusos frouxos nas portas fakes.
Saudações.
Ivan Sant’Anna