Durante a Climate Week de Nova Iorque, em 18 de setembro desse ano, foram lançadas as recomendações da Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD) – Força-Tarefa para Divulgação de informações financeiras relacionadas à Natureza. Por “natureza”, entenda-se biodiversidade e o chamado “capital natural”, uma forma sofisticada de denominar os recursos naturais necessários para o desenvolvimento de atividades econômicas – as chamadas “dependências”, na linguagem da TNFD.
A inspiração da sigla TNFD é claramente a sua equivalente para o Clima (TCFD), que foi lançada em 2017, na esteira do Acordo de Paris firmado na COP 21 do Clima, que trouxe esse tema para o centro da chamada agenda “ESG” (de environmental, social and governance, em inglês) no setor financeiro e no mundo corporativo em geral.
A proposta de lançamento de uma TFND começou a ser discutida em 2019, foi tema de um painel do qual tive oportunidade de participar no Fórum Econômico Mundial de 2020, e ganhou corpo com o lançamento, em meados do mesmo ano, de um Grupo de Trabalho Informal que na ocasião tinha um formato multistakeholder, com a participação de entes do sistema ONU (notadamente UNEP-FI e PNUD), entes públicos (inclusive reguladores financeiros), organizações da sociedade civil (como Global Canopy e WWF, as primeiras proponentes da iniciativa), instituições financeiras, corporações e instituições acadêmicas.
Esse grupo foi assessorado por um Grupo de Experts Técnicos, do qual fui membro após ter desenvolvido trabalho de engajamento sobre o tema com instituições da América do Sul e da África no ano de 2020. Quando foi oficialmente lançado o GT definitivo, o formato mudou para o mesmo da TCFD, apenas com instituições financeiras e corporações na sua composição, mas com diálogos realizados com um Fórum muito mais amplo, no qual participavam diversas categorias de stakeholders de todo o mundo. Esse grupo trabalhou durante 2 anos, realizou diversas consultas públicas e as recomendações agora publicadas são resultado desse processo.
Sobre o Brasil
A importância da iniciativa para um país como o Brasil que, ao mesmo tempo, conta com 15% da biodiversidade (fauna e flora) do planeta, e tem metade de suas emissões de gases de efeito estufa oriundas do desmatamento, que é também fonte de destruição da biodiversidade de suas florestas, não poderia ser mais evidente. É igualmente evidente que essa agenda, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, não busca substituir a climática – ambas precisam ser enfrentadas de forma consistente, ambiciosa, urgente e integrada, aproveitando todas as sinergias possíveis e evitando ao máximo que as ações para avançar em uma delas eventualmente causem qualquer dano à outra: os dois paineis globais de especialistas das Convenções do Clima e da Biodiversidade (IPCC e IPBES) inclusive já publicaram relatório conjunto em 2021 com esse propósito.
As recomendações da TNFD buscaram alinhamento não apenas com a TCFD, mas com outras iniciativas globais de autorregulação bastante usadas no mercado, como Global Reporting Initiative, Science Based Targets (que agora tem sua versão “for Nature”) e os padrões publicados pelo International Sustainability Standards Board. O escopo da TNFD é mais amplo e complexo que o da TCFD, por abranger, além de riscos e impactos de atividades econômicas na fauna e flora, também no solo, ar, água doce e oceanos, ao passo que a TCFD foca basicamente em emissões de gases de efeito estufa e, de forma ainda muito superficial, em algumas das fontes de captura de tais gases.
Isso implica em que, mesmo usando o modelo da TCFD como ponto de partida, há algumas considerações e divulgações adicionais, tal como uma inclusão muito mais clara da gestão da cadeia de valor, a necessidade de consideração do local específico em que são desenvolvidas as atividades econômicas, e também os impactos em comunidades tribais e outras comunidades locais. Estão sendo desenvolvidas diretrizes específicas por setor econômico, sendo que já foram publicadas para seis setores que foram eleitos como prioritários (em razão da relevância de seus impactos): Alimentos (incluindo produção oriunda da agropecuária, pesca e aquicultura), Mineração e indústria siderúrgica, Setor Florestal, Petróleo e Gás, Energia elétrica, Materiais de construção e Indústria têxtil – mas já foram publicadas desde logo propostas de métricas para tais setores.
O setor financeiro
Além disso, já foram publicadas diretrizes para o setor financeiro, que estão em consulta pública até o dia 27 de fevereiro. Já foram publicadas diretrizes específicas por biomas, dada a relevância da consideração da vulnerabilidade da localização das atividades – vários fatores podem variar, como a maior ou menor proximidade de cursos hídricos, da fauna, da flora, do solo e das comunidades adjacentes.
O tema também é tratado em um Grupo de Trabalho da Network for Greening the Financial System (NGFS), uma rede global de reguladores/supervisores bancários e Bancos Centrais, que já publicou diretrizes para seus integrantes a respeito – e o Banco Central do Brasil faz parte desse GT.
Espera-se portanto que ele comece a ser incorporado em regulações financeiras mundo afora num futuro próximo, de modo a que o setor comece a desacelerar o financiamento da degradação ambiental (que, ao fim e ao cabo, inviabilizará não apenas a matéria-prima para o desenvolvimento de atividades econômicas, mas a sobrevivência de trabalhadores e de mercado consumidor), e passe ao mesmo tempo a financiar projetos de restauração da biodiversidade e capital natural, bem como de prevenção da degradação. Levar o tema a sério o quanto antes é mera questão de inteligência e de visão.
Por Luciane Moessa, Ph.D. Diretora Executiva e Técnica da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS)
(Enviado por Aviv Comunicação)