A convicção é do CEO da Nohs Somos, Hóttmar Loch, com quem você confere a entrevista abaixo. Mais da metade dos profissionais brasileiros LGBTQI+ acreditam que expressar sua identidade de gênero ou orientação sexual no trabalho afeta a evolução de suas carreiras. Mesmo assim, a abertura desse público para ser quem são nas empresas é maior no Brasil do que na média global: 36% afirmaram ser muito abertos com relação à sua identidade, expressão ou orientação, enquanto a média global é de 31%. Os dados são da pesquisa feita pela Accenture em 2020, em 28 países.
Apesar de a diversidade e a inclusão estarem em crescente discussão no mercado corporativo, não são todas as organizações que realmente possuem políticas afirmativas com foco nesse público. Segundo Hóttmar Loch, é preciso ser um apoiador genuíno da causa e ir além das ações focadas em datas comemorativas.
“Existe uma diferença entre parecer apoiador da causa e, de fato, ser. As corporações devem sair do armário e demonstrar publicamente essas práticas, assim provam que a marca reconhece e valoriza seu time de colaboradores e está aberta a aprender. Também é necessário que as empresas debatam esses temas o ano todo, não só em datas comemorativas. É possível evitar esse erro quando se tem a intenção de agregar valor ao debate do assunto”, diz CEO da Nohs Somos.
A startup, que foi fundada em 2018 para combater a forte onda de violência à comunidade LGBTI+ durante o processo eleitoral, tem como objetivo promover o bem-estar desse grupo e auxiliar as companhias a terem uma gestão inclusiva. Para isso, a Nohs Somos lançou na última sexta-feira, 14 de maio, o Mapa LGBTI para que as pessoas possam avaliar e identificar estabelecimentos e empresas amigáveis à essa população, além de mulheres e pessoas negras.
Em entrevista ao Movimento Mulher 360, o executivo conta mais sobre o que é a plataforma, analisa o movimento recente de marcas e organizações em apoio à #LGBTINãoÉMáInfluência, além de fazer alertas e recomendações para que as lideranças tenham um olhar mais atento à pauta. Confira.
MM360 – Como surgiu a Nohs Somos e quais as frentes de atuação para a inclusão da comunidade LGBTQI+?
A Nohs Somos foi criada em 2018, do desejo de um grupo de amigos de fazer alguma coisa para combater a forte onda de violência à comunidade LGBTI+ durante o processo eleitoral. Foi organizado um movimento com mais de 150 pessoas LGBTI+s, para criar uma solução que prezasse a segurança e o bem-estar da comunidade. Como os amigos moravam em Florianópolis, conhecida no Brasil por ser um polo tecnológico, acabaram por desenvolver uma startup de impacto social, com um mapa amigável à comunidade.
Atualmente, a startup de impacto social, e modelo Yunus (sem divisão e lucros), trabalha com duas frentes, o site do mapa amigável LGBTI+ em que pessoas da comunidade se cadastram e podem avaliar estabelecimentos como restaurantes, bares, academias, empresas e entre outros que sejam amigáveis à comunidade. Nessa frente conta com o apoio de quase 50 pessoas voluntárias, das áreas de TI, UX/UI, Design, Marketing Digital entre outros. E a segunda frente é uma solução para auxiliar o meio corporativo a melhorar sua gestão inclusiva com soluções em diversidade & inclusão. Hoje, a Nohs Somos atua com consultorias para clientes como Liberty Seguros, Whirlpool, Pulses e Ambev.
MM360 – Diversidade e inclusão são temas que estão cada vez mais sendo debatidos no mercado de trabalho. Qual a importância de as lideranças começarem a ter um olhar mais atento com relação à pauta?
Discutir o tema de Diversidade & Inclusão no meio corporativo é compreender que estamos debatendo sobre a cultura de uma organização, que por si só é um recorte cultural da sociedade em que está inserida. Sendo assim, estamos falando sobre pessoas, suas características diversas, comportamentos e afins. Com isso, sabemos que todas as pessoas pertencem a alguma diversidade, mas por conta da estrutura cultural da nossa sociedade, existem grupos diversos que são sub-representados, dentro e fora da organização.
Com isso, ao ter conhecimento sobre a temática, as lideranças compreendem que as pessoas colaboradoras não partem do mesmo lugar na sociedade, ou seja, são indivíduos que dependem da estrutura social para prosperar, e as organizações fazem parte dessa estrutura.
Quando se fala do papel das organizações com os grupos sub-representados, estamos falando de tomar consciência de realidades como o de 40% dos profissionais LGBTI+s que já sofreram discriminação no trabalho (Santo Caos, 2014) e, também, os apenas 30% da população trans que completa o ensino fundamental, enquanto cerca de 30% da população cis completa o ensino superior (Índice de Estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/AIDS Brasil – 2019). Com isso, diversidade e inclusão no meio corporativo não significa que as pessoas diversas devem entrar na organização porque são diversas, é justamente o contrário. Elas não podem deixar de entrar por conta de suas características.
D&I é tanto um movimento tanto top down, ou seja, é importante que as lideranças estejam alinhadas à temática, como é extremamente importante que haja diversidade nas diretorias para assim planejar estrategicamente as ações de D&I internas em conjunto com as pessoas diversas, promovendo a inclusão por meio da constância, continuidade e comprometimento com a causa. E, por outro lado, esse planejamento acontece em parceria com o movimento bottom up, envolvendo as pessoas colaboradoras horizontalmente no planejamento e focando em ações de educação corporativa, principal agente de mudança interna.
MM360 – De que forma as empresas podem apoiar a causa e a defesa de seus colaboradores? Quais os impactos dessas ações na sociedade?
Um termo que vem ganhando muito espaço entre grandes consultorias de RH é a intencionalidade, que auxilia nesse alinhamento do que as empresas podem fazer no quesito diversidade e inclusão.
Então, quanto mais intencionais as empresas forem no quesito diversidade e inclusão, mais as pessoas colaboradoras se sentem seguras e apoiadas. E quando falamos de diversidade LGBTI+, estamos falando sobre D&I como um todo, principalmente por entendermos que há a interseccionalidade, ou seja, pessoas LGBTI+s são cis, trans, negras, com deficiência e por aí vai.
É preciso criar uma cultura de disseminação de informação sobre causas sociais, abrir espaço para a formação de coletivos dentro da empresa. Capacitar suas lideranças para que tenham uma gestão de pessoas mais inclusiva, criar vagas afirmativas, entre outras ações que as organizações podem e devem fazer para construir um ambiente organizacional mais amigável. Mas, tudo isso precisa ser feito de forma intencional!
O propósito de uma empresa em se tornar aliada da causa, deve ser genuína e ir além de uma “tendência” de mercado. Existe uma diferença entre parecer apoiador da causa e, de fato, ser. As corporações devem sair do armário e demonstrar publicamente essas práticas, assim provam que a marca reconhece e valoriza seu time de colaboradores e está aberta a aprender. Também é necessário que as empresas debatam esses temas o ano todo, não só em datas comemorativas. É possível evitar esse erro quando se tem a intenção de agregar valor ao debate do assunto.
É importante que as empresas não poupem esforços para deixar evidente o seu posicionamento, já que mensagens vagas e ações desconexas sem intenções são apenas uma forma de se eximir e não contribuir de fato. Também é importante que essas ações sejam representadas pela pluralidade, ao invés de reforçar estereótipos ultrapassados da comunidade LGBTI+.
MM360 – Um dos projetos da startup é o #mapalgbti, que foi lançado ao mercado na última sexta-feira, 14. Como ele funciona e de que forma as pessoas e empresas podem utilizá-lo?
A frente de tecnologia da Nohs Somos é um big data LGBTI+ e sua solução tem como base a organização segura dos dados da população. Dessa forma, através da ferramenta do #mapalgbti, é possível fornecer informações e avaliações confiáveis de lugares como restaurantes, bares, academias, empresas e entre outros que sejam amigáveis à comunidade. A Nohs Somos aproxima o mercado amigável da comunidade LGBTI+.
O site consiste em pesquisar e avaliar locais que sejam amigáveis à população LGBTI+, as mulheres e pessoas negras. A ferramenta é gratuita, todos podem se inscrever e avaliar. A partir de um cadastro, a plataforma disponibiliza a funcionalidade do mapa, ranqueando os lugares amigáveis próximos e mobilizando o usuário LGBTI+ a avaliar.
Quando a pessoa avalia, os lugares são inseridos no mapa. Nos locais que tiverem pelo menos 10 avaliações, é publicada uma média da nota. Além disso, é possível fazer comentários sobre os estabelecimentos, no primeiro momento essas informações passarão por uma moderação antes de serem publicadas no site.
Para um lugar ser considerado amigável, ele terá que ser classificado com notas acima de 4 estrelas. Também os usuários podem filtrar locais de acordo com as letras da comunidade. Dessa forma, é possível filtrar lugares que são amigáveis às pessoas lésbicas, gays, bis, ou trans. Isso porque existem lugares que são gay friendly, entretanto são transfóbicos. As tags podem ser avaliadas pelos usuários incluindo os espaços que são LGBTI+s, Antirracistas e Trans Amigues que tenham um atendimento acolhedor, público respeitoso e um bom custo benefício.
As empresas podem fazer parte deste movimento, levando a informação do mapa nos canais internos. E para finalizar, tenho um convite para você, pessoa leitora, que faz parte do ambiente corporativo, o que acha de levar essa ação genuína de forma intencional para a sua organização e além de participar dessa transformação social, também saber como suas pessoas colaboradoras LGBTI+s avaliam a sua empresa?
MM360 – Recentemente, foi para votação na Assembleia Legislativa de São Paulo o Projeto de Lei 504, que pretendia excluir pessoas LGBTI+s de campanhas publicitárias. Muitas marcas e organizações se manifestaram contra, inclusive o Movimento, em suas redes sociais usando a #LGBTNãoÉMáInfluência. Como você avalia esse movimento? Realmente está mudando o olhar para esse público e crescendo o apoio à diversidade?
Foi um movimento histórico! Aonde consultorias de D&I, ongs, projetos, influenciadores, juntamente com outras pessoas e organizações, se organizaram nessa ação em massa, conectando principalmente as marcas em prol da causa.
Como falamos há pouco nas perguntas anteriores, as organizações possuem um papel estrutural na sociedade, ou seja, o indivíduo sozinho, dificilmente consegue mudar o sistema, e as organizações mostraram através desse movimento #AbaixoPL504 #LGBTNãoÉMáInfluência que é possível intervir e fizeram seu papel na causa. É um absurdo pensar que foram ações com conceitos parecidos a desse projeto de Lei, que transformaram a Rússia num país LGBTfóbico como é hoje: primeiro foi a proibição da propaganda, depois tudo virou propaganda, uma bandeira, um beijo, um afeto era proibido, pois propagava. Por fim, com certeza o movimento mostra uma união nacional em ascensão a causa.
MM60 – Dia 17 de maio é celebrado o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia. Uma data muito representativa, já que o Brasil é considerado, ainda e infelizmente, um dos países que mais discrimina e mata pessoas LGBTQI+s no mundo. Que dicas você dá para reduzir o preconceito e fortalecer a diversidade dentro das organizações no dia a dia?
O primeiro passo para reduzir o preconceito e fortalecer a diversidade nas organizações é se perguntar: “Na minha empresa tem espaço para discutir sobre diversidade? É uma empresa inclusiva?”. Assim, é possível entender por que o tema é relevante para a organização.
A partir da análise interna da empresa, é preciso montar um planejamento anual para agir. Quando a Nohs Somos monta um Plano de Ação de D&I para as organizações, se baseia na análise do contexto atual com os dados coletados, para saber de onde se parte, e determina as metas a curto, médio e longo prazo, juntamente com os indicadores para acompanhamento das ações.
É importante lembrar que está tudo bem não saber como agir e como implementar ações de D&I. Por isso é importante buscar por consultorias especializadas com soluções em diversidade. Elas podem auxiliar a organização a construir, cada vez mais, uma excelente marca empregadora aprimorando a gestão inclusiva.
E em especial, hoje no dia do combate a LGBTfobia, minha principal dica é o nosso #mapalgbti. Lançamos no último dia 14, em parceria com a Ambev, e com o apoio do MM360 (aliás, super obrigado pelo espaço <3), com o apoio do Fórum LGBTI+, Aliança Nacional, Todxs, entre outras ongs, empresas e projetos. Até o final do ano pretendemos impactar diretamente na decisão de escolha por lugares amigáveis de 15k LGBTI+s e com certeza a sua ação em nos ajudar a ampliar o alcance do mapa, fará parte dessa história. Quer ser uma empresa aliada da Nohs Somos e/ou divulgar a nossa ação? Escreva pra gente [email protected].