(*) Luciane Moessa e Marcos Woortmann

Em tempos em que a sigla ESG (do inglês Environmental, Social and Governance) está em voga e que a maioria dos governos e empresas querem parecer “verdes”, o risco do chamado “greenwashing” nunca foi tão alto. E como é que se diferencia afinal uma empresa da outra em termos de sustentabilidade? É preciso recorrer ao conceito de indicadores-chave de desempenho, que não tem nada de novo no mundo corporativo, mas que não chegou efetivamente a adentrar a maioria das regulações financeiras que têm sido criadas nessa matéria mundo afora, nem o processo de decisão de instituições financeiras em geral.

Em primeiro lugar, é preciso entender que indicadores-chave de desempenho, mesmo em termos de riscos climáticos, não podem de forma alguma se limitar ao volume de emissões de gases de efeito estufa, quando o que importa mesmo para limitarmos o aumento da temperatura, é a concentração desses gases na atmosfera. Por isso, não é aceitável, por exemplo, que sejam consideradas “verdes” tecnologias ou atividades econômicas tão somente porque elas reduzem emissões (como é o caso dos carros elétricos), sem que sejam identificados os impactos dessas atividades nas fontes naturais de captura de carbono, como florestas, mangues e oceanos. Se uma atividade reduz emissões, mas ao mesmo tempo reduz as fontes naturais de captura de emissões, é preciso medir os impactos dos dois lados, analisando todo o ciclo de vida dos produtos (desde a matéria-prima utilizada, até a destinação final), para só então concluir se o saldo é positivo em termos de impacto na redução da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.

É necessário ainda notar que indicadores-chave de desempenho não podem se limitar à agenda climática, devendo abranger, sobretudo em países ricos em biodiversidade, com problemas sérios de poluição e com questões sociais (aí incluídos direitos humanos) igualmente prementes, também esses temas.

O passo natural seguinte é reconhecer as diferenças entre os impactos ambientais, sociais e climáticos de cada atividade econômica. Os indicadores-chave de desempenho da mineração, por exemplo, são muito distintos da agricultura, que também são muito distintos da pecuária, apesar de, numa subserviência pouco inteligente à língua inglesa, esses dois setores costumarem ser agrupados basicamente por conta da pobreza semântica do inglês, que não possui a palavra “agropecuária” (e assim usa-se agriculture” tanto para agricultura quanto para agropecuária). O mesmo vale para “n” outros setores, como as diversas atividades industriais, e os setores de serviços – os riscos e os impactos são muito distintos. Em alguns setores, são indicadores relevantes o consumo de água, o tipo e o consumo de eletricidade, o tipo e o consumo de combustíveis, o uso da terra (extensão e localização), o tipo e o volume de resíduos produzidos. Para outros, o tipo e o volume de matéria-prima ou insumos utilizados também são. Para muitos, é preciso verificar a frequência e gravidade de acidentes do trabalho e doenças laborais. E é preciso sempre traduzir indicadores em números relativos, ou seja, volume de recursos utilizados por tonelada de produto, por exemplo; ou número de acidentes num dado período considerando o número total de trabalhadores. Para muitos setores, ainda, é fundamental olhar para os riscos e impactos existentes na cadeia de produção, pois normalmente é plenamente possível para as empresas escolherem seus parceiros comerciais (fornecedores e clientes) e assim influenciarem também o desempenho socioambiental desses.

Ao se considerar o conjunto de potenciais impactos ambientais, sociais e climáticos de cada atividade econômica, é possível comparar a sustentabilidade de um setor econômico com o outro. Ao se considerarem dados concretos coletados para cada indicador relativos a uma dada empresa, é possível comparar uma empresa com a outra dentro do mesmo setor, e também levar em conta a localização quando ela for relevante (como quando há impactos em cursos hídricos, na flora e fauna, nas comunidades adjacentes, sobretudo se elas forem indígenas ou outra forma de comunidade tradicional).

Com esse objetivo, estão sendo criadas em diversos lugares do mundo, para uso do setor financeiro, as chamadas “Taxonomias verdes, sociais ou sustentáveis”, uma classificação

para que atividades econômicas possam ser avaliadas com base em critérios objetivos e relevantes em cada setor econômico, para uso do setor financeiro (esse estudo da SIS elenca as Taxonomias emanadas de órgãos oficiais já existentes, sendo que depois dele já foram publicadas também as Taxonomias da Geórgia e do México). Essa classificação, que tem utilidade e impacto muito maior quando emanada de órgãos oficiais (de modo a haver padronização e comparabilidade para toda a economia), pode ser usada para diversas finalidades, tais como: 1) tomada de decisão quanto à concessão ou não de crédito ou definição de suas condições (taxa de juros, prazo, etc); 2) seleção de empresas para investimento; 3) identificação das empresas num portfólio de investimento que estão com desempenho inadequado para efeito de adoção de ações de mitigação de riscos; 4) avaliação da adequação de metas de sustentabilidade de uma dada empresa, tendo em vista a linha de base; 5) classificação das atividades de uma mesma empresa (ela pode ter parte de suas operações com desempenho socioambiental e climático adequado, enquanto outras estão no caminho e outras estão com desempenho claramente inadequado, por exemplo); 6) avaliação dos riscos e impactos ambientais, sociais e climáticos de um determinado portfólio de investimentos ou de um portfólio (conjunto de operações) de crédito, seja pelas instituições financeiras, seja por seus reguladores.

Além disso, taxonomias podem e devem ser usadas para mapear e incentivar novas tecnologias capazes de produzir impactos ambientais, sociais e climáticos positivos, como redução da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, adaptação às mudanças climáticas, redução da poluição, conservação e restauração da biodiversidade, criação de empregos decentes e oportunidades de renda para as populações mais vulneráveis, redução de desigualdades de gênero e etnia, desenvolvimento local, etc. No Brasil, a palavra-chave nesse sentido é bioeconomia. O setor financeiro costuma ser demasiado conservador e exigir um histórico de rentabilidade que obviamente inexiste no caso de novas tecnologias e cadeias econômicas em gestação. Assim, a criação de uma classificação emanada de órgãos que possuem expertise adequada para avaliar a sua viabilidade técnica e econômica pode ser o game changer necessário para que essas tecnologias possam ter acesso a capital e inclusive, dessa forma, ganhar escala e ter seu custo reduzido.

O que não pode ser esquecido, porém, é a necessidade de alinhamento entre os diversos incentivos financeiros. Se o acesso a capital (e as condições de acesso a ele, como prazos e taxas de juros) é relevante, também é muito relevante a incidência ou não de tributos e a carga tributária efetiva. Enquanto o acesso a capital (financiamento ou investimentos) é fundamental para se iniciar a atividade econômica, a tributação normalmente implica custos mais altos do que o pagamento de juros pelo acesso a capital (ou distribuição de lucros a acionistas). E, se o setor financeiro estiver considerando os impactos ambientais, sociais e climáticos de atividades econômicas nas decisões sobre concessão de crédito, investimentos e até mesmo cobertura de riscos (via seguros), mas a tributação não os levar em conta, haverá desalinhamento de incentivos econômicos, que podem mirar em direções contrárias.

É por isso que defendemos que Taxonomias sejam utilizadas também para fins tributários, em todas as esferas da Federação, tal como previsto no projeto de lei 2838/2022, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados. O objetivo, para o setor financeiro, não é reduzir nem aumentar o tamanho das carteiras de crédito nem dos portfólios de investimentos e sim reduzir a proporção de atividades que causam danos ambientais, sociais ou climáticos, e aumentar a proporção de atividades que causam benefícios ambientais, sociais e/ou climáticos. Em termos fiscais, o objetivo também não é aumentar ou reduzir a arrecadação global e sim tributar mais quem polui mais e tributar menos quem menos polui ou quem desenvolve atividades econômicas com benefícios ambientais, sociais ou climáticos. Atualmente, no Brasil e em muitos outros países, há atividades poluentes ou com impactos climáticos negativos recebendo subsídios fiscais, como apontado nesse estudo aqui para com combustíveis fósseis, quando deveriam estar sendo tributadas de forma mais pesada, e novas cadeias econômicas gestadas desde o início com a finalidade de gerar impactos positivos sem qualquer incentivo.

Se criarmos uma Taxonomia consistente que venha a ser utilizada tanto pelo setor financeiro privado (e por instituições financeiras de desenvolvimento) quanto pelo Fisco, essas distorções serão corrigidas e teremos incentivos financeiros concretos para a construção de uma economia sustentável, com a prosperidade ambiental, social e econômica de que todos precisamos. Contudo, se deixarmos essa tão importante transição ao laissez-faire do mercado, ou exclusivamente ao burocratismo para criar regulações sem diálogo com a ciência e com agentes de mercado, a única certeza é que teremos mais um vôo de galinha econômico, ao invés da robusta transição que pode alavancar o Brasil à condição de potência de bioeconomia mundial. O desafio maior agora é, então, o alinhamento do diálogo intersetorial necessário com uma visão de futuro para o país que seja tanto inclusiva quanto realista em termos de ciência, e que seja pautada por objetivos maiores do que apenas uma acomodação dos interesses setoriais e corporativos com capacidade de representação política.

O Brasil poderá apresentar ao mundo um novo projeto de país na COP 30 em 2025, inspirador e digno de reconhecimento mundo afora, como foi o caso com suas políticas de controle da hiperinflação, de segurança alimentar e inclusão social. Uma Taxonomia Verde inovadora levará a uma maior sustentabilidade nos setores produtivos e financeiros, e esta, aliada à estabilidade econômica e à inclusão social, comporá um tripé de desenvolvimento duradouro para o país, por várias gerações.

(*) Luciane Moessa é Diretora Executiva e Técnica da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS) e Marcos Woortmann atua como Coordenador de Advocacy do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).

IMPORTANTE – Os textos assinados não refletem necessariamente a posição deste portal.

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