(*) Marcela Kasparian
Enquanto os Terraplanistas acreditam que os astronautas da NASA estão envolvidos em uma grande conspiração para esconder a forma plana da Terra, os anti-ESG defendem que toda a conversa sobre sustentabilidade e responsabilidade empresarial é uma trama para controlar o mercado. Ambos os movimentos exibem semelhanças que chamam a atenção, como responsabilizar mídia e governos como controladores da sociedade.
Além disso, os dois compartilham a crença de que estão desafiando a sabedoria convencional e fazem parte de um clube exclusivo de “pensadores livres”. Confesso minha admiração por eles, pois a capacidade de desafiar o consenso geral, questionando o que é considerado “verdade”, é um traço de coragem intelectual. Pessoas assim colaboram para abrir um espaço de debate, trazendo mais luz ao tema, afinal, quem pode afirmar com convicção que governo e mídia não têm a capacidade de controlar uma sociedade?
Aswath Damodaran, renomado professor de finanças e valuation conhecido por sua expertise em avaliação de empresas, é um forte crítico do ESG e de seu uso em decisões de investimento. Através de suas aulas e posicionamentos públicos, ele levanta dúvidas e preocupações que incluem a relação direta entre o desempenho ESG e o desempenho financeiro das empresas, falta de padronização de métricas e definições ESG, subjetividade e confiabilidade dos dados, potencial greenwashing, e ainda questiona o objetivo final do investidor, se não seria priorizar os retornos gerais de seus portfólios.
Damodaran está correto em seus apontamentos críticos ao ESG, e suas preocupações não devem ser ignoradas. No entanto, é importante não descartar totalmente um tema tão importante.
O ESG não pode ser tratado como uma ciência exata, pois envolve uma ampla gama de fatores e considerações. Reconhecer a natureza subjetiva do ESG é essencial para compreender sua complexidade e as diferentes perspectivas que surgem. Um exemplo dessa complexidade é o fato de existirem mais de mil índices ESG em todo o mundo. Fica fácil perceber que este é um conceito abrangente que surge em resposta à crescente conscientização sobre os impactos ambientais e sociais das empresas nas quais investimos.
Na década de 70, ocorreu uma poderosa campanha de desinvestimento em protesto contra o sistema de Apartheid da África do Sul, do qual investidores retiraram seus investimentos de empresas sul-africanas que apoiavam ou se beneficiavam dele. Essa campanha foi baseada em princípios éticos e valores de igualdade, justiça social e direitos humanos. Os investidores que aderiram buscavam não apenas obter retornos financeiros, mas também usar seu poder de influência para promover mudanças positivas.
A sociedade, principalmente as novas gerações, está cada vez mais preocupada com a sustentabilidade, ética nos negócios e responsabilidade social corporativa e os gestores de ativos devem responder à demanda dessa sociedade.
Embora haja, de fato, dificuldades na análise de indicadores, como bem apontado por Damodaran, os gestores tornam-se protagonistas no engajamento com as empresas, que, caso não melhorem suas práticas, serão abandonadas e ainda, novas empresas que já tenham essa mentalidade, ascendem.
O ESG é um recado da sociedade de que não aceita mais empresas que atuam em benefícios de poucos em detrimento de muitos e, embora ainda existam desafios e falhas, o ESG fornece uma estrutura para incentivar práticas empresariais mais sustentáveis e éticas.
A contribuição de Damodaran e o movimento anti-ESG são extremamente valiosas, pois nos convida a olhar para o ESG de forma mais crítica e a buscar melhorias nesse campo. Ao abraçar diversidades de opiniões, podemos desenvolver soluções mais abrangentes e sustentáveis para enfrentar os desafios ambientais, sociais e de governança. O ESG transcende a mera aplicação de modelos econômicos e se torna um convite para pensarmos além dos números e enxergarmos as empresas e os investimentos como forças que podem moldar um futuro melhor para todos.
Para o bem e para mal, tanto Terraplanistas quanto o movimento anti-ESG ficam limitados ao mundo das ideias, com pouca ação e senso de auto-responsabilidade.
Embora não seja perfeito e esteja longe de ser a solução final, devemos continuar avançando e aprimorando o ESG, reconhecendo suas limitações, mas também sua importância como uma ferramenta para um mundo mais justo, sustentável e equilibrado. Assim, juntos em ação, buscamos um mundo melhor com base em evidências, responsabilidade e, é claro, em uma Terra arredondada.
* Marcela Kasparian é sócia fundadora da Semeare Investimentos, primeiro escritório de agentes autônomos focado em investimentos ESG.