(*) Clara Saliba

Os investidores avançam, mas ainda há um longo caminho a se percorrer. As consequências do aquecimento global se tornam mais visíveis a cada ano, e, como era de se esperar, são refletidas no comportamento da economia.

Se a pauta de finanças climáticas já se faz presente na discussão internacional há pelo menos uma década, os avanços do tema no Brasil são mais recentes – ainda que exitosos. As instituições financeiras se destacam especialmente na realização de engajamento (stewardship) climático, mas encontram dificuldades na integração de cenários climáticos em suas estratégias de negócio. Este é o diagnóstico proveniente do estudo realizado pela iniciativa Investidores pelo Clima (IPC), com as 23 gestoras de ativos brasileiras que assinam o Compromisso IPC.

Lançado em 2019, o IPC é pioneiro no campo das finanças climáticas no Brasil, e tem como principal objetivo engajar e capacitar investidores profissionais na agenda da descarbonização de portfólios, ao mesmo tempo em que se buscam retornos melhor ajustados ao risco. A iniciativa foi implementada pela NINT – Natural Intelligence com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e, atualmente, reúne 48 gestoras, com mais de R$2,5 trilhões em ativos sob gestão, entre membros e signatários.

A publicação, intitulada Pesquisa IPC sobre Investidores Brasileiros e a Agenda Climática (https://esg.nintgroup.com/pesquisa-ipc), foi realizada a partir da avaliação das 23 instituições que participaram do Compromisso IPC em 2022 (https://www.investidorespeloclima.com.br/compromisso) – assinado por gestoras de ativos que se comprometem a reportar publicamente seus avanços em relação a gestão de riscos e oportunidades climáticas em alinhamento à Task Force on Climate Related Financial Disclosures (TCFD); e a realizar atividades de propriedade ativa relacionadas ao tema, ao menos, com uma companhia investida ou gestor de ativos por ano.

O IPC entende como fundamental o papel dos investidores na transformação do mercado financeiro em prol do combate às mudanças climáticas. Conforme destacado no relatório, a relação entre a gestão de ativos e o aquecimento global é uma via de mão dupla: as mudanças climáticas impõem desafios inéditos e riscos expressivos para os investidores. Ao mesmo tempo, avançar nessa agenda é parte de sua responsabilidade institucional, fundamentada no próprio conceito de dever fiduciário.

Nesse sentido, é inegável que a maturidade das instituições financeiras brasileiras para a agenda climática vem aumentando. Se em 2020, quando o Compromisso IPC foi lançado, apenas lideranças e executivos de algumas instituições financeiras podiam questionar a relevância da agenda climática, hoje já há entendimento comum sobre sua urgência. Isso se reflete no próprio crescimento da Iniciativa: em 2020, o Compromisso contava com 8 signatários. O número mais que quadruplicou em três anos e, em janeiro de 2023, possui 27 instituições financeiras comprometidas.

O IPC, enquanto iniciativa chave na mobilização de investidores brasileiros para a ação climática, compreende que o monitoramento periódico e padronizado dessa evolução é necessário. Por essa razão, iniciou um ciclo de monitoramento das instituições signatárias de seu Compromisso, dando visibilidade aos resultados agregados como forma de compreender os avanços desse grupo de instituições no que diz respeito às recomendações da TCFD e ao engajamento de empresas investidas.

O questionário contou com cinco dimensões e 12 perguntas cuja aderência foi avaliada qualitativamente como “Sim”, “Não” e “Parcialmente”, conforme as evidências públicas identificadas. Além das quatro dimensões da TCFD – Governança, Estratégia, Gestão de Riscos, Métricas e Metas -, o IPC incluiu uma quinta esfera: o Engajamento.

Os investidores foram, adicionalmente, divididos em dois grupos, a partir do volume de recursos em seu portfólio: aqueles com ativos sob gestão inferiores (Grupo 1) e superiores a R$ 200 bilhões (Grupo 2). Os resultados mostram que as instituições financeiras do Grupo 2 apresentaram um melhor desempenho no monitoramento, indicando que o valor de ativos sob gestão é uma variável de influência na agenda climática.

No tema da governança, cerca de 40% dos signatários do Compromisso IPC apresentaram aderência à TCFD, com as instituições do Grupo 2 performando comparativamente melhor. O desempenho intermediário se repete no tema Gestão De Riscos, em que 48% dos investidores obtiveram alinhamento à TCFD. Novamente, observa-se uma lacuna entre as respostas das gestoras maiores, que apresentam mais adequação à agenda e as menores, com menor desempenho.

Já no pilar de métricas e metas, o quadro se inverte: são 47% de respostas negativas, um desempenho ruim inclusive ao analisarmos as instituições de maior volume sob gestão. Mas é na estratégia que os investidores encontram mais espaço para melhoria: são 61% de respostas negativas, com uma melhora sutil nos dados para instituições financeiras de maior porte.

Ainda, é interessante destacar que, no que diz respeito à incorporação de cenários climáticos, 86% dos signatários não apresentaram evidências de alinhamento. Este é o assunto em que as gestoras apresentam maior dificuldade, impactando negativamente o resultado do tema Estratégia.

Enquanto para os pilares da TCFD o desenvolvimento dos signatários parece ainda em processo de consolidação, na realização de engajamento a situação atinge outro patamar: 70% das instituições apresentaram aderência, reforçando a importância do Compromisso IPC no incentivo à gestão de propriedade ativa. O redirecionamento de recursos promovido pelas ações de stewardship climático é essencial para a implementação da agenda climática na economia real, na medida em que esta é financiada, em larga escala, pelo mercado financeiro. Assim, uma mudança na postura dos investidores tem potencial relevante em moldar a atuação das empresas dos demais setores.

Com a publicação de seu monitoramento, o IPC chama atenção das gestoras brasileiras para pontos de melhoria, mas também reafirma seu papel pioneiro na agenda climática brasileira ao diagnosticar o estado corrente de incorporação das mudanças climáticas na atuação das instituições.

Em síntese, o panorama é incipiente, mas positivo. Longe de subestimar o tamanho do caminho pela frente, o IPC parabeniza as gestoras de ativos brasileiras por iniciarem sua caminhada em direção à descarbonização de seus portfólios – e convida os demais participantes do mercado a se juntarem ao Compromisso.

(*) Clara Saliba é Analista de Programas na NINT – Natural Intelligence, and ERM company

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