(*) Rochana Grossi Freire e Natasha de Vuono

PSA nada mais é do que uma tentativa de criação de uma ferramenta de monetização de serviços ecossistêmicos.

Pronto, falamos. Uma frase de menos de dez segundos lotada de significado e que economiza um bocado do seu tempo.

Com isso em mente, começamos nosso artigo que, de tradicional, não tem nada, ou quase nada.

Artigos técnicos dirigidos ao público em terceira pessoa, forrados de conceitos e terminologias que fala e fala, mas nada explica. Pessoas que fingem entender, outros que escutam e concordam e alguns que simplesmente regurgitam o que pensam ter entendido.

Com isso em mente, trazemos aqui a evolução aos artigos científicos, com uma boa dose de humor, uma crônica científica; por que não? Porém, não se preocupe, meu caro leitor, haverá bastante técnica para fazer valer sua conversa em reuniões empresariais, em rodas de amigos, numa simples viagem de descanso e contemplação da natureza, ou qualquer outro lugar em que você queira refletir sobre como preservar o capital natural e ainda ser recompensado por isso. 

Vamos ao que te interessa, o grande desafio está em identificar os serviços ecossistêmicos disponíveis e atribuir valor monetário para que estes sejam vistos como ativos ambientais. Uma vez identificados como ativos, que estes possam compor o Balanço Patrimonial Ambiental e o Demonstrativo de Resultados das companhias. Mas por que valorar o capital natural? Para se estabelecer uma Governance sobre o Environmental e trazer benefícios sustentáveis ao Social. Simples assim!

Essa transformação permite não apenas definir compromissos voluntários quantitativos em relação às metas, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), como os mercados financeiros, os consumidores e os colaboradores possam recompensar companhias que aderem a esta forma corporativa de pensar e, sobretudo, agir. 

A contabilidade ambiental nos dá subsídios para o entendimento. Essa é a lógica que rege o pagamento por serviços ambientais, que até então tem sido um desafio para todos que se interessam e trabalham na prática com estes projetos. Como inserir as questões ambientais nas contas de ativo e passivo? Companhias de capital aberto que não medem seus passivos ambientais terão o valor de suas ações em igualdade com empresas que gerenciam?

Estes talvez sejam alguns dos desafios que as empresas brasileiras já possuem, ao que indica a Comissão de Valores Mobiliários norte-americana, Securities and Exchange Commission (SEC), ao exigir que as empresas americanas, mas também as estrangeiras, não apenas apresentem, mas declarem informações relacionadas ao clima, baseadas na estrutura do TCFD e do GHG Protocol, como forma de obter equilíbrio entre reporte qualificado e limitação de custos de conformidade. 

Precisamos entender que a valoração econômica da natureza é realidade mundial e auxilia acerca dos problemas decorrentes do consumo ambiental globalizado e que atualmente, os programas de PSA são discutidos mundialmente sob o ponto de vista dos recursos hídricos, das emissões de gases de efeito estufa, da biodiversidade e das belezas cênicas.

Mas apesar de não ser novidade, os projetos de PSA estão demorando para ganhar robustez na esfera privada. Um dos motivos é a regulamentação do mercado de crédito de carbono que ainda aguarda a votação em Plenário da Câmara dos Deputados. 

Em 2009, a LEI Nº 12.187, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2009 que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima já previa o desenvolvimento do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), como um instrumento de compensação financeira para agentes que atuassem em projetos de redução e remoção de gases de efeito estufa. Passados 13 anos, o Brasil ainda não dispõe de regulamentação própria e definitiva para o tema.

Uma vez aprovado, o Projeto de Lei 528/21, além de regular a compra e venda de créditos de carbono no País, ele atribui valor quantitativo, ou seja, um crédito de carbono corresponde a uma tonelada desses gases que deixarão de ser emitidos diretamente na atmosfera.

Em projetos de reflorestamento, por exemplo, em que as empresas de papel e celulose tomam a frente, a remoção ou redução de gases de efeito estufa serão medidas em toneladas de gases. A conversão se dará em títulos que poderão ser negociados com governos, empresas e até mesmo com pessoas físicas que tem obrigatoriedade nas reduções de emissão, determinadas por leis e tratados internacionais de combate às mudanças climáticas dos quais o Brasil é signatário.

Além de regras de comercialização, o PL 528/21 prevê aspectos jurídicos, de registro, de certificação, quantificação e contabilização dos créditos. A proposta ainda prevê um Sistema Nacional de Registro, que reunirá informações de remoção e redução de gases dos projetos, além de contabilizar as transações nacionais e internacionais de crédito de carbono originados em solo nacional. O sistema de registro eletrônico será gerenciado pelo Instituto Nacional de Registro de Dados Climáticos (INRDC) e fiscalizado pelo Ministério da Economia.

Mesmo para agentes que não tem obrigatoriedade por lei de reduções, remoções e compensações de emissão, uma vez regulamentado este mercado, possibilitará um amplo espaço de negociação de créditos de carbono em caráter voluntário, ou seja, quem preserva ganha não apenas em resultados financeiros, como em incentivos nas isenções de PIS, Cofins e CSLL em suas transações.

Em meio a tantas legislações, regulamentações, conceitos e explicações sobre o mercado de crédito de carbono, ficamos com a definição de que as decisões de um agente privado têm efeitos sociais que decorrem das externalidades, positivas ou negativas, para se chegar na valoração econômica ambiental e, diante da incipiência da legislação não conseguiremos avançar nesta agenda tão importante para o desenvolvimento do País.

Para limitar o aquecimento global a 1,5°C, o mundo precisa reduzir as emissões globais pela metade nas décadas de 2020, 2030 e ainda em 2040. Para tal, precisamos usar de ferramentas negociais, que coloquem em equilíbrio o bem-estar social e a preservação dos ecossistemas. 

O entendimento sobre as nuances da preservação ambiental e da infinidade de possibilidades que teremos se faz primordial e está diante de nossos olhos.  No cenário atual, projetos de PSA são complexos e motivo de ampla discussão. Legislações específicas, monitoramentos mais quantitativos e estratégias políticas e administrativas a longo prazo precisam fazer parte das ações e objetivos de um bom projeto para garantir a continuidade consistente das ações dos programas de PSAs estruturados.

Sobre o Pagamento por Serviços Ambientais especificamente, a LEI Nº 14.119, DE 13 DE JANEIRO DE 2021, instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), em que define conceitos, objetivos, diretrizes, ações e critérios de implantação, bem como dispõe sobre os contratos de PSA. 

De fato, o que segundo a PNPSA podem ser negociados são os serviços ecossistêmicos, definidos como bem-estar social provindos dos ecossistemas, seja mantendo preservada a biodiversidade, seja recuperando áreas degradadas pela ação humana ou ainda agregando melhorias que contribuam para o desenvolvimento das condições ambientais.

Estes serviços se apresentam nas modalidades de provisão, tais como água, madeira, fibras e extratos; suporte, a exemplo da ciclagem de nutrientes, decomposição de resíduos, disseminação de sementes, controle de vetores de doenças humanas; regulação, como sequestro de carbono, purificação do ar, manutenção do equilíbrio hidrológico, controle de erosões, enchentes e secas; e os serviços culturais, a exemplo recreação, turismo, entre outros. A Lei é taxativa na diferenciação entre serviços ecossistêmicos e serviços ambientais. Os últimos se referem à atuação humana sobre os serviços ecossistêmicos no sentido de qualificá-los.

O artigo terceiro, explicita as modalidades de pagamentos por serviços ambientais em rol exemplificativo, abrindo precedentes para outras formas. Entre as modalidades elencadas estão: o  pagamento direto, monetário ou não monetário; a prestação de melhorias sociais a comunidades rurais e urbanas; a compensação vinculada a certificado de redução de emissões por desmatamento e degradação; os títulos verdes ( green bonds ) e o comodato.

Ainda não ficou técnico o suficiente, porque não mergulhamos na valoração e suas ramificações, mas logo faremos isso e toda essa conversa que estava boa começa a criar aquela ideia de artigo tradicional que não poderia faltar. Te aconselho a dar uma pausa aqui, ler de novo e respirar, porque o que vem depois vai precisar que sua mente esteja clara e pronta para novos conhecimentos na área de PSA.

Existem três ideias quando falamos de pagamento por serviços ambientais que precisam ser compreendidas para uma formação sólida do que vamos tratar adiante quando falamos de serviços ecossistêmicos e de ativos ambientais.

Sendo a primeira, a atribuição de valores pelo uso. Aqui, o valor de uso representa o valor atribuído pelas pessoas pelo uso, propriamente dito, dos recursos e serviços ambientais, é composto pelo valor de uso direto e pelo valor de uso indireto. O valor de uso direto é, por exemplo, extração, visitação, e o valor de uso indireto representa o benefício atual do recurso, derivado de funções ecossistêmicas como, por exemplo, a proteção do solo, a estabilidade climática decorrentes da preservação das florestas.

A segunda, em caso de danos ambientais, é a atribuição pelo impedimento do uso, que calcula o valor de existência, se caracteriza como um valor de não-uso. Esta parcela representa um valor atribuído à existência de atributos do meio ambiente, independentemente, do uso presente ou futuro. Representa um valor conferido pelas pessoas a certos recursos ambientais, como florestas e animais em extinção, mesmo que não tencionem usá-los ou apreciá-los na atualidade ou no futuro. A atribuição do valor de existência é derivada de uma posição moral, cultural, ética ou altruística em relação aos direitos de existência de espécies não-humanas ou da preservação de outras riquezas naturais, mesmo que estas não representem uso atual ou futuro para o indivíduo.

E a terceira que é a atribuição de valores pela proteção dos recursos naturais, dentre os quais, destacamos, o princípio de pagar a quem protege o meio ambiente. Aqui, fica claro que o valor de opção representa um importante papel, já que as pessoas atribuem no presente um valor para que no futuro os serviços prestados pelo meio possam ser utilizados. Tratando de um valor relacionado a usos futuros. Por exemplo, plantas medicinais para fabricação de remédios desenvolvidos com base em propriedades medicinais ainda não descobertas de plantas existentes nas áreas preservadas.

Utilizando o que foi explicado acima, é importante mencionar um pouco de história e dizer que o Princípio do Protetor-Recebedor surgiu nos Estados Unidos, acredita? Verdade, surgiu como uma forma de mitigar os impactos negativos das atividades agrícolas em bacias hidrográficas, configurando a política preventiva dos Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA).

O economista Arthur Cecil Pigou, em 1920, propôs que o produtor poluidor internalizasse aos custos de sua atividade empresarial os custos sociais imputados à sociedade, através de um imposto surgindo então o Princípio do Poluidor-Pagador. Logo, quem preserva, ganha; quem polui, paga. A questão do imposto nunca foi algo que pegou por aqui e existem discussões controversas à respeito de sua efetividade.

Tratando-se do país de origem, não deveria causar grande estranheza no nosso leitor, que PSA nada mais é do que uma tentativa de criação de uma ferramenta de monetização de serviços ecossistêmicos. Correto? Voltamos lá no início da nossa crônica científica, você lembra que nós falamos que essa frase te economizaria um bocado de estudo, não é mesmo?

Partimos então para o desafio de nos aprofundar na economia ecológica que tem como objetivo maior o desenvolvimento sustentável e o desafio presente para todas as correntes de pensamento que estuda uma abordagem para compreender a economia e sua interação com o ambiente a partir dos princípios físicos e ecológicos, em meio aos quais os processos econômicos se desenvolvem.

De modo geral, os métodos de avaliação baseados nessa abordagem, usam a quantidade total de energia capturada pelos ecossistemas como uma estimativa de seu potencial útil para a economia.  Neste processo de avaliação, um método simplificado pode ser através da utilização do conceito de produção primária bruta do ecossistema.

A produção primária bruta é uma medida da energia usada pelas plantas para sequestrar carbono. Este índice de energia solar capturado pelo sistema está em energia fóssil equivalente.

Posteriormente, este equivalente é transformado em energia em unidades monetárias, utilizando uma relação entre o produto interno bruto e a energia total utilizada pela economia.

Temos também a análise energética que considera todos os fluxos de energia, materiais e informação que ocorrem em um sistema, e os transforma em uma única base, em unidades de energia solar e, posteriormente, também utiliza o produto interno bruto para encontrar valores econômicos para os sistemas ambientais.

De forma geral, o valor econômico dos recursos ambientais tem sido definido como:

Valor Econômico Total (VET) = Valor de Uso (VU) + Valor de Opção (VO) + Valor de Existência (VE).

Mas por quê valorar? A cada pergunta, várias respostas e muitos métodos de valoração podem ser aplicados combinados ou individualmente. Os caminhos percorridos até uma modelagem de PSA vai depender dos objetivos das companhias.

Vejamos alguns exemplos de questionamentos prévios à valoração.

Quando se pensa em valorar para entender de forma monetária o quanto este valor representa na interação humana com os ecossistemas.

Pode-se valorar para valuation de ativos e passivos ambientais e projetar investimentos futuros ou até mesmo decidir por descontinuar determinados investimentos.

Quando temos opções diferentes de projetos ambientais e se pretende fazer uma análise comparativa para tomada de decisão.     

A valoração ambiental é fundamental para monetizar riscos ambientais e evitar danos. 

Valorar para monitorar ecossistemas existentes e potencialidades advindas.

Pode-se valorar para incluir nos custos privados as externalidades e se obter um valor monetário real das operações. 

A valoração contribui quando se pretende integrar indicadores de gestão ambiental.

A partir destas respostas utilizamos diversos métodos econométricos conjugados ou separados. Apenas a título de conhecimento, citamos aqui alguns: Método de Custos de Reposição (MCR),

Método de Custos Evitados (MCE), Método de Custo de Oportunidade (MCO), Método de Custo de Viagem (MCV), Método de Preço de Mercado (MPme), Método de Função da Produção (MFP), entre outros.

Estas são algumas das infinitas motivações e métodos que uma companhia pode adotar para valorar serviços ecossistêmicos e ambientais, de forma a compor um ativo ambiental, observando investimentos presentes e futuros para a manutenção sustentável de suas operações, através da redução de impactos e preservação dos ecossistemas.

Enfim, o assunto é repleto de peculiaridades, de interpretações e está longe de ser exaustivo. Tentamos aqui conduzir você, leitor, a ter uma compreensão ampla do tema, apontar os aspectos regulatórios que circundam a modelagem de PSA, demonstrar a importância do avanço na legislação do mercado de carbono e como se apresenta a valoração monetária. Esperamos que nossa Crônica Científica do PSA tenha contribuído para o seu entendimento.  Até breve!

(*) Rochana Grossi Freire é Jornalista, mestre em marketing de serviços, especialista em valoração econômica ambiental e finanças aplicadas, certificada em Gestão de Riscos. Conselheira Fiscal Suplente da Eternit SA, professora de disciplinas relacionadas à ESG, cofundadora dos cursos ESG de Verdade e do canal Conselhos de Conselheira. Fundadora da RP Management- capacitação em gestão de riscos. Coordenadora de ESG da 2Tree Ambiental.

Natasha de Vuono é Economista pela Indiana University, mestra em Direito Corporativo pela Indiana University e pós-graduanda em gestão de pessoas. Possui conhecimento na área jurídica corporativa, gerenciamento de negócios e experiência com grandes escritórios do Brasil e dos Estados Unidos. Cursando certificação de serviços ecossistêmicos do FSC Brasil. Diretora de ESG da 2Tree Ambiental.

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