Em 1970, meu time, o Fluminense, venceu o campeonato brasileiro, então denominado Taça de Prata. Com isso, nos classificamos para a Copa Libertadores da América de 1971.
Na segunda quinzena de fevereiro daquele ano, viajei com a delegação tricolor para Caracas. Ficamos na capital venezuelana ao longo de uma semana, na qual vencemos dois times locais: Deportivo Itália por 6 a 0 e Deportivo Galicia por 3 a 1.
Mais tarde, seríamos eliminados do torneio ao perder, no Maracanã, para o Deportivo Itália por 1 a 0 (uma das maiores zebras do torneio continental até hoje) e para o Palmeiras por 3 a 1.
É bom me lembrar que esta crônica não é sobre futebol e sim a respeito da Venezuela, país onde nunca mais pus os pés.
Algumas coisas me impressionaram em Caracas:
Em primeiro lugar, a pobreza e as favelas, apesar do país ter as maiores reservas de petróleo do planeta. Acontece que, naquela ocasião, o barril custava US$ 3,40 no mercado spot de Roterdam.
Tal como conto em meus livros Os mercadores da noite e O Terceiro Templo, as companhias estrangeiras que exploravam as jazidas do cinturão do Orinoco ficavam com a parte do leão e, na divisão de lucros, prejudicavam os venezuelanos.
Detalhe: o mesmo acontecia no Oriente Médio: Arábia Saudita, Kuwait, Iraque etc.
Voltando à minha visita a Caracas, tudo (com exceção de petróleo) era importado: alimentos, bens de consumo durável e principalmente automóveis.
Como os venezuelanos podiam importar carros americanos usados, por preços baixíssimos, o tráfego nas principais ruas da capital estava sempre engarrafado. Tanto é assim que a delegação do Fluminense ia do hotel para o estádio a pé.
Dois anos mais tarde, em outubro de 1973, aconteceu a guerra do Yom Kippur e, após a vitória de Israel, o primeiro choque do petróleo, com o preço do barril, em apenas três meses (outubro, novembro e dezembro). subindo de três para 22 dólares, uma alta de 633% nesse pequeno período de tempo.
Como a Venezuela era membro fundador da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), tudo indicava que a economia do país iria “bombar”.
Mas não foi o que aconteceu, muito menos em 1976, quando o país nacionalizou sua indústria petrolífera, criando a PDVSA (Petróleos de Venezuela S. A.), um mastodonte que logo iria se transformar em um gigantesco cabide de empregos.
Nem mesmo quando o preço do barril de petróleo, em abril de 2008, atingiu um preço recorde de US$ 124,08 (equivalentes a US$ 165,88 se reajustados pela inflação americana até hoje), o país conseguiu se beneficiar plenamente.
As esperanças do povo venezuelano se renovaram quando, em 1992, Hugo Chávez, um tenente-coronel extremamente popular, deu um golpe de Estado para derrubar o presidente Carlos Andrés Pérez.
Chávez ficou poucos dias no poder, sendo logo deposto por forças legalistas e preso.
Mas, nas eleições de 1998, Hugo Chávez se elegeu com ampla maioria dos votos, dando início a um regime de esquerda ao qual chamou de bolivariano, seja lá o que isso significa.
A Venezuela passou a vender para Cuba petróleo barato em troca de açúcar caro, subsidiando o governo da ilha de Fidel Castro. Da Argentina, Chávez comprou títulos públicos que o mercado rejeitava.
Com o Brasil, foi diferente. Tendo Lula sido eleito em 2002 e empossado em 2003, o Brasil passou a ser explorado pela Venezuela. Entre outras coisas, o BNDES financiou a construção do metrô de Caracas.
Lula e Chávez assinaram uma parceria para a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, obra essa que não saiu do papel e deu margem a diversas negociatas descobertas pela Operação Lava-Jato.
No plano interno, Hugo Chávez, se aproveitando da não participação da oposição em eleições gerais, obteve a quase totalidade dos votos e pôde ampliar as cadeiras do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), passando a controlar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Chávez morreu de câncer em março de 2013, assumindo o governo seu vice, Nicolás Maduro, um homenzarrão truculento que se interessava por política desde a infância.
Após 26 anos de chavismo ou bolivarianismo, o país está bem pior do que quando lá estive, em 1971. Aproximadamente sete milhões de venezuelanos estão hoje no exílio.
Agora Maduro foi eleito por mais um mandato, num pleito marcado pela anulação dos adversários e pela falta de transparência.
Rejeitado pela maioria dos países latino-americanos, a eleição fajuta de Maduro encontra amplo suporte do PT de Lula e disfarçado nihil obstat do palácio do Planalto.
Nícolas Maduro tem apoio firme da combalida e pária Rússia de Vladimir Putin e da sempre mercantil China. Isso contraria enormemente a Casa Branca, que poderá fazer uma intervenção mais direta em seu quintal, após a posse do novo presidente, seja ele Donald Trump ou Kamala Harris.
Biden já assuntou Lula, que saiu-se com evasivas.
De minha parte, acho que os dias do populismo venezuelano estão contados.
A conferir.
Um ótimo fim de semana para os caros amigos leitores.
Ivan Sant’Anna