Se a premissa do título dessa crônica estivesse errada, e os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) admitissem a Ucrânia como um novo membro, as bolsas de valores do mundo inteiro sofreriam um crash tão tremendo que faria com que a crise de 1929 parecesse uma saudável realização de lucros.

De acordo com os estatutos da OTAN, se um dos países-membros é atacado, os demais integrantes da organização são obrigados a socorrê-lo imediatamente.

E não estou falando de envio de armas e munição. As forças armadas das 30 nações componentes do grupo, inclusive os Estados Unidos, teriam de entrar na guerra do lado ucraniano.

Como na fronteira oriental da Ucrânia fica a maior potência nuclear do planeta (e é óbvio que estou falando da Rússia), a única maneira dela se defender seria usando seu arsenal atômico, resultando na Terceira Guerra Mundial.

Ninguém se deixa vencer tendo em posse silos com ogivas nucleares.

Como todo mundo sabe disso, esse conflito (que poderia durar apenas algumas horas) simplesmente não irá acontecer.

Esta semana, na reunião de cúpula da OTAN, realizada em Vilnius, capital da Lituânia, Joe Biden fez um discurso inflamado contra os russos, pensando principalmente em seu público interno, já que no ano que vem haverá eleições presidenciais nos Estados Unidos e o velho Joe é candidato à reeleição.

Na verdade, a OTAN nem deveria existir mais, já que seu objetivo era se opor aos países integrantes do Pacto de Varsóvia, durante a Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética.

Quando Mikhail Gorbatchov desmantelou a URSS, mesmo que não tenha sido essa a sua intenção, os países satélites de Moscou − Bulgária, Tchecoslováquia, Alemanha Oriental, Hungria, Polônia e Romênia – tomaram rumos distintos.

O curioso é que boa parte deles se juntou à OTAN. Isso sem contar que as Alemanhas se unificaram e a Tchecoslováquia se dividiu em Eslováquia e República Tcheca (ambas pertencem à OTAN).

Ou seja, virou quase que a Europa toda contra a Rússia, incluindo um pedaço da Ásia (o lado leste da Turquia).

Se no atual momento tivéssemos um diplomata do porte de Henry Kissinger (ainda o temos, mas está com 100 anos de idade), talvez ele resolvesse o atual impasse na base da conversa.

Vale lembrar que Kissinger pôs fim a um antagonismo feroz entre os Estados Unidos e a China, quando visitou Mao Tsé-Tung em Pequim em julho de 1971, visita essa seguida pela do presidente Nixon no ano seguinte.

Como se não bastasse, Henry Kissinger deu os primeiros passos para a Détente com a União Soviética, promovendo um encontro, em Washington, do líder Leonid Brezhnev com Richard Nixon.

A mim parece que Vladimir Putin quebrou a cara ao invadir a Ucrânia, julgando que seria uma promenade de seu exército (auxiliado pelos mercenários do grupo Wagner).

Pensaram logo em tomar Kiev, que fica no oeste ucraniano, próximo à fronteira com a Polônia, e exigir que as forças armadas do país depusessem não só as armas como o próprio presidente Volodymyr Zelensky. Ou seja, que encolhessem o rabinho entre as pernas.

Deu tudo errado para os russos. Agora eles se limitam a guerrear os ucranianos na região de Donbass e na Crimeia, dois pontos onde o vencedor ganha, mas não leva. Isso porque são lugares onde as populações são divididas.

Metade fala russo e apoia o governo de Moscou. A outra metade fala ucraniano e é pró-Ocidente.

Ao contrário do que se possa pensar, a guerra russo-ucraniana não pode ser classificada como sendo de grandes proporções.

Até agora, entre civis e militares de ambos os lados, morreram algo como 300 mil pessoas em pouco mais de 17 meses.

Só para efeito de comparação, na batalha de Stalingrado, durante a Segunda Guerra Mundial, morreram 800 mil combatentes, entre integrantes da Wehrmacht, alemã, e do Exército Vermelho, soviético.

No ataque aéreo contra a cidade de Tóquio, nas noites de 9 e 10 de março de 1945, usando bombas incendiárias de napalm, 325 Fortalezas Voadoras B-29 da United States Air Force mataram 130 mil civis. Nessa oportunidade, as águas do rio Sumida, que corta a capital japonesa, simplesmente ferveram.

Evidentemente, nos dias de hoje as armas nucleares mudaram todo o conceito de guerra.

É por isso que afirmo que o Ocidente, por maior que seja a quantidade de territórios reconquistados pelos ucranianos, vai ter de assinar algum tipo de trégua ou cessar-fogo com os russos.

As bolsas de valores mundo afora sabem disso e por tal razão os investidores não saem vendendo seus portfólios e trocando por… por ouro, só para dar um exemplo.

Mesmo que Vladimir Putin seja deposto por seus generais, estes não permitirão que a Ucrânia entre para a OTAN. É preciso que haja um colchão amortecedor separando os dois lados. E esse colchão só pode ser a Ucrânia.

Se tivéssemos ao redor de uma mesa Henry Kissinger de um lado, e Andrei Gromiko (chanceler da União Soviética durante três décadas) do outro, esse affair russo-ucraniano já teria chegado ao fim.

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna

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