Escrito por Marx Gonçalves, especialista em Fundos Imobiliários da Nord Research.
Como todo bom cinéfilo, vez ou outra me pego fazendo algum tipo de analogia entre filmes e a realidade enquanto aguardo o desfecho de algum momento enfadonho do dia a dia.
Que atire a primeira pedra quem nunca se lembrou de “Um dia de Fúria” (1993) naqueles melancólicos dias em que se está atrasado para um compromisso em razão de um congestionamento infindável, não é mesmo?
Correndo o risco de ser apenas um viés de confirmação, tenho pra mim que esse tipo de associação faz todo o sentido.
Afinal, “a vida imita a arte” (e vice-versa).
Mas o fato é que enquanto aguardava o elevador chegar na noite de ontem me peguei pensando em um filme que resume bem o sentimento dos mercados locais nos últimos dias…
A Soma de Todos os Medos
Protagonizado por Ben Affleck, Morgan Freeman e companhia, o thriller estreado em 2002
envolve o espectador do início ao fim ao retratar uma grande conspiração capaz de levar os EUA e a Rússia à 3ª Guerra Mundial.
A ideia de apresentar uma história contrafactual envolvendo as duas potências militares é fascinante. Especialmente quando consideramos que o temor de uma guerra nuclear entre os dois rivais pairou durante décadas no imaginário mundial.
Embora não tenhamos um temor de mesmas proporções em Terra Brasilis, também temos os nossos temores idiossincráticos…
No caso dos mercados locais, o principal deles é o famigerado risco fiscal, que voltou à tona nas últimas semanas, em meio às incertezas envolvendo a PEC da transição, e como reconstruiremos uma regra fiscal crível que possibilite a estabilização da dívida pública nos próximos anos.
E você sabe como é: quanto maior a incerteza, maior é o prêmio exigido pelo mercado para investir!
Fiscal, fiscal, fiscal
Não por outro motivo, temos visto as ações despencarem, o real depreciar e os juros futuros dispararem nos últimos dias, com o mercado não apenas zerando as apostas de corte da Selic no ano que vem, como também precificando novos aumentos da taxa básica de juros!
Tudo isso na contramão do mercado externo, que vem se apresentando mais favorável depois de um alívio na inflação americana e de notícias mais positivas vindas da China.
[Curva de juros prefixada em 17/10 (bege) e 17/11 (verde). Fonte: Bloomberg.]
E os FIIs não foram uma exceção à regra…
O IFIX caiu 1,7% apenas ontem – o que é bastante para essa classe de ativos –, e já desvaloriza 4,3% no mês, devolvendo boa parte dos ganhos obtidos desde agosto.
[Desempenho do IFIX entre dez/21 e nov/22. Fonte: Bloomberg.]
O que está em jogo?
O fato é que se o Brasil optar pelo caminho do descontrole fiscal, conviveremos em um equilíbrio macro que se traduz em maior inflação e, por conseguinte, de juros mais elevados por um período prolongado.
Já vimos essa história em meados da década passada e o resultado não foi nada bom para a economia do país, tampouco para a renda variável.
Sabedores de que “a história não se repete, mas rima”, como diria Mark Twain, os investidores estão bastante receosos, e com toda a razão.
Uma elevação da “taxa livre de risco” torna os demais investimentos menos atrativos na margem, mesmo assumindo que sua rentabilidade seja preservada…
Por isso dizemos que as taxas de juros são a concorrência da Bolsa, assim como de qualquer investimento “do mundo real” que envolva riscos.
Hora de vender os FIIs?
E o mesmo raciocínio vale para os fundos imobiliários.
Taxas de juros em patamares baixos tendem a impulsionar o mercado imobiliário, além de incentivar os poupadores a investirem em ativos de risco, gerando um efeito duplamente positivo sobre os FIIs.
Por outro lado, um aumento dessas taxas eleva a aversão ao risco dos investidores e inibe a atividade econômica, desaquecendo o mercado imobiliário. Nesse caso, o efeito sobre os ativos imobiliários é negativo.
Essa relação inversa fica muito clara quando comparamos o desempenho do IFIX com a taxa de um título do governo de vencimento longo…
[Relação do IFIX (azul) com a taxa do Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 2050 (branco). Fonte: Bloomberg.]
Portanto, o cenário exige, sim, maior cautela por parte do investidor de fundos imobiliários.
Diferentemente de outros episódios em que as quedas de mercado ofereceram oportunidades bastante óbvias, estamos diante de um evento muito mais delicado.
A depender do caminho fiscal que o país escolher, o mercado poderá seguir precificando seu cenário de “guerra nuclear” nos ativos locais.
Cedo ou tarde, isso se traduziria em uma economia em recessão, que poderia impactar em alguma medida a ocupação dos escritórios e galpões logísticos, assim como nas vendas dos shoppings e na capacidade de crédito dos devedores de CRIs.
É claro que esse seria um cenário limite, sendo que ainda há tempo dos políticos em Brasília apagarem parte desse rascunho mal feito para então voltarmos a construir um roteiro melhor para o país.
De qualquer maneira, é importante que você tenha todos esses riscos em seu radar.
E para dizer que não falei das flores, sempre há ativos que podem desempenhar bem mesmo em cenários desafiadores, como o atual.
Do lado dos FIIs, vejo alguns fundos de papel bem diversificados e de menor risco de crédito como boas opções para navegar nesse mar revolto.
Isso porque aqueles mais atrelados ao CDI tendem a se beneficiar da Selic elevada, proporcionando ótimos rendimentos nesse contexto e trazendo maior previsibilidade a seus cotistas.
Já os mais expostos ao IPCA tendem a nos proteger da inflação. Lembrando que muitos desses fundos ainda estão negociando bem abaixo do valor patrimonial em função do impacto da deflação (transitória) sobre suas distribuições.
E apesar de serem mais sensíveis às variações das taxas de juros, também há fundos de tijolos que podem proporcionar maior segurança aos cotistas no cenário atual.
Como o caso daqueles que negociam com descontos excessivos e possuem um portfólio de imóveis localizados em regiões primárias e de altíssima qualidade e/ou contratos atípicos de longo prazo com inquilinos de baixo risco de crédito.
Vale lembrar, ainda, que comprando FIIs de tijolo, estamos investindo indiretamente em imóveis. E que, por serem ativos reais, bons imóveis nos protegem da inflação a longo prazo.
Assim, não me parece ser o caso de sair vendendo esses FIIs a qualquer preço para então correr para as colinas.
É aquela história…mesmo em um cenário de incertezas como o atual, você venderia a sua casa ou apartamento pela metade do valor para um estranho que te fez uma proposta no meio da rua?
Se a resposta for “sim”, me chama no inbox, mas se for “não”, então por que fazer diferente pelo Home Broker?
O cenário atual exige cautela
O que quero que você saiba é que a piora do humor dos mercados é, sim, um sinal de alerta para um risco que pode afetar a economia do país e os preços dos ativos.
Lembre-se sempre que nossa “Guerra Fria” é com o fiscal e que irresponsabilidades nesse campo são a “Soma de Todos os Medos” do mercado.
Portanto esse risco deve ser acompanhado de perto pelo investidor.
Embora você precise ter cuidado redobrado nos seus investimentos enquanto isso se arrasta, também não é o caso de sair se desfazendo de seus FIIs a qualquer preço, caso eles estejam preparados para navegar neste cenário.
Por fim, agora será preciso definir se o tamanho da sua alocação está compatível com o seu nível de risco, até pela chance não desprezível de o mercado continuar piorando e as taxas de juros continuarem sendo nossas inimigas.
Além disso, compre apenas ativos de qualidade e com margem de segurança, ou seja, bem baratos.
Tenha ajuda profissional. Agora, mais do que nunca, será necessário.
Abraços e até a próxima!