Em tempos de pandemia, falar sobre este assunto soa até estranho, uma vez que nosso sorriso, cartão de visitas do ser humano, se encontra velado pelas máscaras. Entretanto, há sim a necessidade de se falar sobre um problema recorrente no consultório odontológico: mulheres com problemas dentários, que se “largaram” por uma razão ou outra, e agora querem recuperar algo perdido ao longo do tempo: sua autoestima.
Não é de hoje que nós, cirurgiões-dentistas, sabemos da importância do cuidado com a saúde bucal, havendo inclusive um bordão amplamente disseminado na sociedade de que a saúde geral começa pela boca. Entre nós, profissionais do sorriso, há um consenso de que na verdade um problema bucal carrega muito mais do que apenas o descuido com a saúde dos dentes. Na realidade, é um reflexo do cuidado com nosso corpo, de nossas atitudes, do nosso comportamento e, principalmente, de nosso estado de saúde mental.
No caso das mulheres, o resultado deste somatório de fatores é ainda mais relevante. Segundo a tese de doutorado de Josimari Telino de Lacerda, a prevalência de cárie e perdas dentárias em mulheres é maior do que em homens e tem impacto quase duas vezes mais severo em sua vida cotidiana. Esse impacto foi relatado como dificuldade no desempenho do trabalho, em falar e pronunciar bem as palavras, em sorrir e mostrar os dentes, em contatar com as pessoas, além da insatisfação com a aparência (Lacerda JT, 2005).
Ademais de peculiaridades biológicas da mulher em relação ao homem, que podem justificar estes maiores índices apresentados por elas, como a erupção dentária mais precoce e alterações hormonais durante a vida (menarca, ciclos menstruais, gravidez e menopausa), é inevitável relacionar esta maior incidência com uma questão socioeconômica. Se sabe que mulheres tem salário menor que de homens e além disso, muitas vezes, as mulheres assumem o papel de “cuidadoras” da família e acabam por deixar sua própria saúde de lado em prol do filho. Há também o mito de que gestantes não podem realizar tratamentos dentários, o que não é totalmente verdade. Há anestésicos locais que podem ser utilizados com segurança em mulheres grávidas e intervenções nesse tipo de paciente devem ser preferencialmente executadas durante o segundo trimestre gestacional.
Independente do que está por trás do que acontece, o fato é que diariamente recebo no consultório mulheres cabisbaixas, com medo e vergonha de sorrir. Quando questionadas sobre sua vida, uma unanimidade. A história sempre começa pela infância, com relatos de falta de cuidados dos pais, dificuldades financeiras da família, tratamentos anteriores mal indicados e mutiladores, além do tempo dedicado aos filhos e marido. Junto com as causas, o relato da falta de autoestima, levando à dificuldade de inserção no mercado de trabalho e de se impor dentro da própria casa.
O que mais me chama a atenção é que, apesar do passado cheio de traumas, estas mulheres têm muita perseverança na busca pela mudança do sorriso e, consequentemente, de sua vida no geral. Por natureza, as mulheres aprenderam a ser fortes e a não se entregarem! E é aí que eu entro, dando uma pontinha de esperança neste início de virada de vida. Amo ver a transformação que um sorriso com saúde pode causar. Vejo essas mulheres florescerem durante o tratamento. Se soltam, passam a falar mais, se posicionar, trocam de profissão ou arrumam uma posição no mercado de trabalho. Se apaixonam. É possível ver a felicidade e o brilho no olhar delas. Relatos de elogios dos filhos, marido e conhecidos. Para mim, isto não tem preço. Não é apenas um sorriso, é uma vida transformada.
Patrícia Danesi
Técnica em Prótese Dentária, Escola Klymus, 2009. Tem graduação em Odontologia, PUCRS, 2017 e Especialização em Implantodontia, IEAPOM, 2020. É Integrante do grupo de professores do Curso Técnico em Prótese Dentária, Auxiliar de Saúde Bucal e Técnico de Saúde bucal da Escola Klymus. Cirurgiã-Dentista associada da Clínica OdontoFaz e da Assis Brasil Clínica Integrada e Técnica em Prótese Dentária associada ao Assis Brasil Laboratório de Prótese Dentária.