(*) Denise Pereira Curi

As consequências dos atos insanos de Vladimir Putin começaram a impactar a economia mundial, e os conflitos ceifam vidas inocentes de ambos os lados. Sim, pois enganam-se aqueles que acreditam que as sanções econômicas sofridas pela Rússia e seus bilionários espalhados pelo mundo ficarão restritas àquele país. Em uma economia globalizada não se pode cancelar contratos de uma hora para outra, tal como apagar uma lâmpada. Veja, por exemplo, o caso da BP que detém 20% das ações da estatal russa Rosneft: a empresa britânica informou que sairá de uma das maiores empresas de petróleo do mundo. Mas como se dará essa saída? Quem assumirá os 20% de participação? Em quanto tempo se dará essa saída? A empresa entregará sua participação ao governo russo? São questões que, geralmente, tomam horas de negociação.

O sistema financeiro russo já está ruindo e tentando desesperadamente evitar uma corrida da população aos bancos enquanto solicitam que as empresas lhes transfiram suas reservas em moedas estrangeiras. Tudo isso em um momento em que as empresas russas tentam sobreviver a mais essa crise.

Vários bilionários russos veem seus negócios afetados, demonstrando-se indignados com a invasão, porém pouco indignados com a vida luxuosa que vivem em outros países da Europa enquanto a população russa vive em um regime autoritário, violento e opressor.

Bem… enquanto as negociações acontecem nas altas esferas empresariais e governamentais, vamos falar sobre as catástrofes ambientais e sociais ocasionadas pela guerra.

Impactos ambientais

Por que a Rússia escolheu fevereiro, para iniciar uma ofensiva? A Rússia está usando o clima a seu favor. Veja como: janeiro e fevereiro são os meses mais frios na Europa, é quando o solo congelado pode apoiar o movimento dos tanques e caminhões, e a Rússia conta com uma grande força mecanizada, e sabe operar em condições de frio congelante e visibilidade limitada. Janeiro é, geralmente, o mês mais frio e com mais neve do ano na Ucrânia, com média de 8,5 horas de luz do dia durante o mês e aumentando para 10 horas em fevereiro. Essa condição aumenta a capacidade de combate noturno para manter avanços estratégicos, o que pode auxiliar a justificar o fato dos avanços estarem ocorrendo, principalmente, à noite.

Em 2022, o inverno tem sido mais ameno na Europa. Em grande parte da Ucrânia, a neve tem dado espaço à chuva, apesar de que grande parte do território ainda tem neve. A primavera na Europa terá início em 21 de março provocando o derretimento da neve produzindo um fenómeno chamado “Rasputitsa” (degelo). Em março, as estepes congeladas derretem e a terra torna-se novamente, na melhor das hipóteses, um pântano e, na pior, um mar de lama. Isso tornará o terreno mais difícil para as tropas, tanques e equipamentos militares.

A Ucrânia ocupa apenas 6% da área da Europa, porém detém 35% da biodiversidade do continente. A Ucrânia é uma grande exportadora de grãos e de matérias-primas utilizadas na produção de alimentos e ração animal para vários países da Europa e de outros continentes. As ações militares poderão colocar em risco toda essa biodiversidade e a produção de alimentos impactando vários países. Uma intervenção armada dos países aliados poderá intensificar ainda mais esses impactos.

A guerra destrói grandes áreas terrestres e marítimas. Inicialmente, devido à uma necessidade tática: os militares precisam de grandes áreas terrestres e marítimas para estabelecer suas bases, testar equipamentos e treinar suas forças. Durante as operações, o ambiente sofre com a perda de paisagens (habitats terrestres e marinhos), com a poluição química que afeta a atmosfera e o solo, e com a poluição sonora ocasionada pelo uso de armas, aeronaves e veículos. Conflitos de alta intensidade também exigem e consomem grandes quantidades de combustível, levando a grandes emissões de CO2 e contribuindo para as mudanças climáticas. Em 2022, observamos a explosão de vários postos de gasolina, aeroportos e refinarias de petróleo cujo impacto ambiental ainda não é possível definir. O que já se pode ter em conta é que essas ações intensificam ainda mais o poder de destruição do meio ambiente, ocasionado pela guerra.

As armas convencionais também produzem bastante danos, principalmente, em locais onde são descartadas por meio de queima a céu aberto ou detonação. E as armas que sobrevivem após a guerra também podem acabar em mãos erradas. Um conflito anterior entre os dois países ocorrido, em 2014, degradou a infraestrutura da Ucrânia que apoia a remoção de lixo e o tratamento de águas residuais. Ainda hoje, esgoto doméstico e industrial flui sem tratamento para as águas superficiais, aumentando a poluição no rio Donetsk, causando um aumento nos níveis de coliformes fecais.

Em 2016, o ministério identificou 35 minas onde o bombeamento de água subterrânea havia cessado, então as minas inundaram. Essas águas podem dissolver metais pesados como mercúrio, chumbo e arsênico e contaminar as águas subterrâneas. Em 2018, o ministro da Ecologia da Ucrânia, Ostap Semerak, até alertou para uma potencial “segunda Chernobyl”! No acidente de Chernobyl, em 1986, um décimo da área terrestre da Ucrânia foi afetado pela radiação. Ainda hoje, a Ucrânia libera água poluída, metais pesados, compostos orgânicos e poluentes relacionados ao petróleo no Mar Negro.

A apreensão com ataques à usinas nucleares ucranianas é fortemente sentida. Incidentes nucleares podem levar a impactos inter e transfronteiriços. E como aprendemos a duras penas, um impacto ambiental nunca fica restrito à uma única região, ele caminha, e caminha a passos bem largos. O impacto de uma guerra nuclear com certeza teria impactos para muitos países da Europa e da Ásia. Basta lembrar-nos das consequências de Chernobil, em 1986, cujos impactos foram sentidos na França, por exemplo. Sabe-se que o exército de Putin já atacou um depósito de lixo nuclear na Ucrânia e já fez diversas ameaças nucleares.

E a transição energética, como fica? Não fica!

Fala-se em um atraso nos objetivos de transição energética na Europa. Por que?

A Rússia é o maior fornecedor de energia da Europa, exportando carvão, petróleo e gás natural. O país é responsável por 1/3 do gás consumido na Europa e a Alemanha (que é o motor econômico da Europa), em um conflito será a maior prejudicada. Dois terços do gás que a Alemanha queimou no ano passado veio da Rússia, por isso, as negociações da União Europeia começaram a caminhar mais efetivamente quando a Alemanha comunicou que poderia buscar fontes alternativas de energia.

Por mais de uma década, as discussões políticas na Europa e sobre cortes de gás, petróleo e carvão enfatizaram a segurança e o meio ambiente, em detrimento de considerações financeiras e econômicas, mas será que em uma situação de guerra esse posicionamento se mantém?

No inverno, as fontes de energia fósseis são utilizadas em larga escala para prover o aquecimento doméstico. Apesar de ainda não ser o ideal, o gás natural tem menos impacto ambiental do que o carvão, contudo, os preços do gás ficaram (e ficarão) muito altos e, de repente, a segurança do abastecimento e do preço foi ameaçada, chamando a atenção da União Europeia de sua dependência energética externa. O que se questiona é se o uso de energias renováveis será efetivo – em tempo em volume – a fim de evitar o uso de combustíveis fósseis. Aparentemente, para muitos países, não!

Os aumentos de preços já estimularam a produção e o consumo adicionais de combustíveis que contribuem mais para o aquecimento global. De acordo com a Reuters, as importações de carvão para a União Europeia em janeiro aumentaram mais de 56% em relação ao ano anterior. Mas as consequências para o meio ambiente não param aí.

Na Grã-Bretanha, a Coal Authority deu permissão para que uma mina de carvão no País de Gales aumente a produção em 40 milhões de toneladas nas próximas duas décadas. Na Austrália, há planos para abrir ou expandir mais minas de carvão metalúrgico. E a China, que tradicionalmente faz da segurança energética uma prioridade, intensificou ainda mais sua produção de carvão, aprovou três novas minas de carvão de bilhões de dólares nesta semana, e sinalizou para a Rússia uma possível parceria para a construção de um gasoduto, uma vez que a Alemanha congelou a certificação do gasoduto Nort Stream 2 construído para levar gás da Rússia para a Europa, passando pela Ucrânia. Apesar dessa ação, o ministro de Energia da Rússia, Nikolay Shulginov, afirmou que seu país não usará as exportações de energia como uma arma e que continuará fornecendo gás para a Europa. Será?

A Rússia precisa do dinheiro da venda dos combustíveis, e a União Europeia está usando o corte de fornecimento para pressionar a Rússia. A Rússia, por sua vez, poderá reagir a quaisquer sanções contra seus interesses financeiros restringindo suas exportações de energia, principalmente, de gás natural para a Europa. O urso russo está acuado, e ninguém sabe prever ao certo, qual será sua reação. O que se sabe é que apesar de mais limpa, a energia nuclear é uma bomba cujo estopim pode ficar nas mãos do inimigo.

Independência Energética

Toda essa situação escancara a fragilidade energética da União Europeia e incentiva os países a cada vez mais buscar sua independência energética. Porém essa independência não ocorre de uma hora para a outra. A Alemanha, por exemplo, tencionava utilizar o gás russo durante a transição para fontes de energia mais limpas. A retirada da certificação do North Stream 2 afeta não só as estratégias da Alemanha, mas de toda a Europa para a redução das emissões de gases e mostra que sem uma estratégia mais abrangente para se livrar do gás, a Europa não será capaz de cumprir sua meta de reduzir as emissões em 55%, até 2030, em comparação com os níveis de 1990, ou atingir a meta da cúpula de Glasgow de reduzir a zero os gases de efeito estufa, em 2050.

Os líderes europeus, agora, são forçados a reconhecer as desvantagens da dependência energética externa durante esse período de transição.

Crise humanitária

Se os problemas ambientais de uma guerra são enormes, os problemas sociais não ficam atrás. Uma das maiores preocupações é com uma crise migratória eminente que deverá afetar todos os países da Europa. Além disso, o continente europeu é ocupado por uma população mais idosa, o que não é diferente no caso da Ucrânia. A maioria dessa população ficará desassistida, uma vez que os homens mais jovens estão sendo convocados para as batalhas e as mulheres estão deixando o país com as crianças, que muitas vezes são filhos de outrem que precisam ficar para lutar, ou dar suporte aos que ficam como médicos, enfermeiros, jornalistas, engenheiros entre outros.

Some-se a isso, uma crise sanitária oriunda das incursões direcionadas à sociedade civil, atacando residências, hospitais e escolas. Falta comida, falta remédios, falta o básico no país e nos países limítrofes à Ucrânia. Governos europeus e a sociedade civil estão se mobilizando no sentido de oferecer abrigo e produtos básicos para os cidadãos ucranianos. Mas será suficiente? Conseguirão chegar?

Quatro grandes exportadores de grãos utilizam os portos do Mar Negro, são eles: Ucrânia, Rússia, Cazaquistão e Romênia. A tomada do porto em território ucraniano pela Rússia provocou a interrupção no fluxo de grãos para o mercado externo. Isso, provavelmente, terá um grande impacto nos preços e pressionará ainda mais a inflação em um momento em que a retomada econômica tem sido uma grande preocupação global no período pós pandemia COVID-19. O aumento da inflação afetará mais fortemente a população mais pobre a nível global.

Perdas humanas são sentidas em ambos os lados. Estima-se que 4.000 militares russos já morreram no campo de batalha. Jovens que perderam suas vidas sem muitas vezes entenderem o motivo real de estarem ali. Corpos que a Ucrânia está pedindo o auxílio da Cruz Vermelha para sua repatriação.

Finalmente o ESG

Uma coisa é ser apartidário, outra é fingir que nada está acontecendo. A gravidade da quebra potencial de mercado e ruptura econômica dependerá do tempo que essa guerra se estenderá e da força das sanções econômicas e tecnológicas vindas dos EUA e da Europa. Mais uma vez é bom lembrar que mesmo sendo aplicadas à Rússia, o efeito dessas sansões poderá ser sentido por todo o planeta.

O ESG é um indicador que mede o desempenho social, ambiental e económico das empresas e com certeza irá indicar como as empresas reagirão à essa situação. Infelizmente, a expectativa é que algumas empresas demonstrarão um retrocesso em alguns indicadores, como por exemplo aqueles que medem o consumo de energia e a emissão de gases do efeito estufa, considerando que alguns países europeus estarão consumindo mais combustíveis fósseis em suas unidades fabris do que nos últimos anos. A água e outros utilitários também poderão refletir impactos da guerra e do inverno mais ameno e com menos chuvas na Europa, ou então, o excesso de chuvas em outras regiões, notadamente, Austrália, Brasil, alguns países da UE e regiões dos EUA.

Em termos de governança, empresas que possuem negociações com a Rússia, ou que possuem oligarcas russos em seu corpo diretivo já estão se manifestando e tentando cortar eventuais vínculos. Enquanto isso, a população mundial exige transparência dessas empresas.

Empresas de tecnologia têm aderido a um boicote à Rússia, em uma tentativa de barrar suas ações. O boicote tecnológico tem sido uma forma de pressão dos países do ocidente. Este boicote deverá afetar os serviços básicos da Rússia, mas com certeza irá respingar na Ucrânia e em outros países da Europa. No século XXI, o mundo está totalmente conectado. Placas de rua estão sendo retiradas e serviços como Google maps estão sendo desativados na Ucrânia como mecanismo de proteção.

As sanções ao desporto da Rússia não param e ao presidente Vladimir Putin, pessoalmente, se intensificam. Vladimir Putin perdeu o cinturão negro honorífico da World Taekwondo, o estatuto de presidente honorário e embaixador da Federação Internacional de Judô, e a ordem olímpica do Comitê Olímpico Internacional (COI). A FIFA suspendeu a Rússia de jogos internacionais, deixando o país fora do Mundial em 2022, e a FIA do grande prêmio de fórmula 1. E no mundo inteiro são realizadas manifestações em favor da Ucrânia, algumas delas com a participação de cidadãos (comuns) russos.

Ações empresariais contra os bilionários e contra a Rússia estão pipocando em todo mundo. É a face da governança corporativa mostrando que as empresas estão cada vez mais atentas às demandas da sociedade civil.

(*) Denise Pereira Curi é Mentora em Gestão Empresarial e adoção de Sustentabilidade e práticas ESG; Doutora em Engenharia de Produção com foco em Orientação para o Mercado em Empresas de Tecnologia, pela Escola Politécnica da USP. É Mestre em Administração de Empresas na área de Cultura Organizacional e vive na cidade do Porto (Portugal), desde 2018. Foi também pesquisadora na Universidade de Aveiro sobre organizações de empreendedorismo social e exerceu cargos executivos em várias companhias mulltinacionais, inclusive atuando na implementação da reciclagem de PET em larga escala no Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. É autora do Livro Gestão Ambiental (Editora Pearson), além de vários artigos sobre sustentabilidade e inovação sustentável no Brasil e no exterior.

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