Por Miguel da Hora

Desde o início deste ano, o estrondoso sucesso do ChatGPT introduziu a IA à percepção pública de uma maneira nunca antes vista, desencadeando uma série de discussões[1] e questionamentos. Seremos superados pela inteligência artificial? Como utilizar essas ferramentas nas escolas? Elas são aliadas ou precursoras das Fake News? Estamos navegando por águas ainda não totalmente mapeadas, com uma proximidade quase desconfortável entre desafios e oportunidades.

Buscando algumas dessas respostas acima, fui convidado para participar da Reunião Anual de Novos Campeões do Fórum Econômico Mundial na China, evento que congrega líderes globais de pensamento, inovadores e visionários para traçar o futuro da tecnologia. As diversas perspectivas compartilhadas lá reforçaram em mim a convicção de que, apesar dos desafios que enfrentamos, ainda há uma grande esperança.

No entanto, tal otimismo requer um esforço conjunto e co-criado entre diferentes atores sociais, garantindo assim o desenvolvimento seguro e benéfico deste panorama tecnológico para toda a sociedade. O que desperta minha preocupação é que, ao retornar ao Brasil, as discussões recentes parecem distantes deste cenário promissor que menciono com otimismo.

Na última semana, por exemplo, o debate em torno das IAs ganhou força devido a dois lançamentos significativos: o Bard do Google, visto por muitos como o principal concorrente do ChatGPT, e a nova empresa de Elon Musk, a xIA, que promete uma inovação no formato de integração com o Twitter.

Mais uma vez, o resultado desses lançamentos nos levou a mais do mesmo. Uma internet em polvorosa repleta de “entrevistas” com IAs e inundada por uma enxurrada de posts prometendo truques para extrair o máximo da IA para transformar sua vida de maneira milagrosa, sem sair de casa.

Essa abordagem me passa a impressão de que seguimos em direção a um beco sem saída, um reforço de viés e de limitação no processo de experimentação tecnológica por parte massiva dos usuários. Cenário esse que se mostra ainda mais preocupante considerando que vivemos num país que foi impulsionado ao acesso pelas políticas de inclusão digital, mas falhou na real inclusão ao não entregar o letramento tecnológico necessário para as pessoas.

Voltando à experiência na China, tive a oportunidade de participar de debates com líderes de diversos segmentos, desde indústrias a ONGs, de startups a governos, todos unidos pela preocupação de discutir a complexa relação entre Inteligência Artificial e humanidade.

Em meio a isso, pude testemunhar exemplos de governos que estão construindo sólidas estruturas públicas com o intuito de fomentar ecossistemas de letramento tecnológico acessíveis a toda população. Regulamentações que, mais do que simplesmente buscar controlar a IA, estão pensando em como moldar uma sociedade coexistente e beneficiada por ela. Empresas estão abrindo a própria tecnologia, buscando garantir um desenvolvimento mais próspero e inclusivo da sociedade. E estruturas educacionais estão sendo revitalizadas e potencializadas pelo uso da tecnologia, totalmente aberta para as pessoas.

Isso tudo são amostras inspiradoras do que pode ser alcançado quando a tecnologia é guiada por visões humanizadas e inclusivas. A chave para isso reside no estímulo a conversações que ultrapassem as interações superficiais com os chatbots, que, por mais avançados que sejam, não substituem o debate humano profundo e reflexivo.

Vivemos em um momento crucial, quando estamos moldando a convivência entre humanos e inteligência artificial. Não basta simplesmente utilizar a IA, é preciso compreendê-la, questioná-la e moldá-la de acordo com os princípios de inclusão e benefício mútuo. A inteligência artificial é uma ferramenta poderosa, mas seu uso efetivo e ético depende das perguntas que estamos dispostos a fazer, não só a ela, mas principalmente a nós mesmos.

*Miguel da Hora é professor de novas tecnologias e habilidades para o futuro no colégio Albert Sabin, além de mestre em Design e Tecnologia Emergente pela Universidade Anhembi Morumbi e pós graduado em Gestão de Inovação Social pelo Instituto Amani. Tem um histórico de mais de 10 anos de produções nos campos da robótica, wearables, fabricação digital e Internet das Coisas.


[1] No primeiro semestre de 2023, o episódio 744 do Podcast Rio Bravo abordou o tema do impacto do ChatGPT a partir de uma perspectiva mais crítica. A íntegra da entrevista com Fernando Osório, docente do Instituto de Ciências Matemáticas e Computação da USP, está disponível a partir do link a seguir: https://soundcloud.com/riobravoinvestimentos/podcast-744-fernando-os-rio-o

O post A difícil arte de fazer mais perguntas a nós mesmos do que para a inteligência artificial apareceu primeiro em Rio Bravo Investimentos.

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