Desde a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1962, o mundo não conhecia tal estado de tensão nas relações recíprocas entre as grandes potências

Não se tem ainda uma visão clara de como poderão evoluir as relações internacionais no plano dos fatores essenciais de poder, uma vez que estamos contemplando uma possível nova bipolaridade em fase de construção, já chamada de “segunda Guerra Fria”. A situação atual é dominada pela guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, adicionalmente pela guerra entre o Hamas e Israel, que alterou o equilíbrio geopolítico no Oriente Médio, com o envolvimento do Irã, fornecendo armas a seus principais aliados naquele teatro de operações. Uma nova corrida armamentista entre as grandes potências deve se instalar no presente momento e pelo futuro previsível, levando o mundo a embarcar numa acumulação inútil de novas armas, sobrecarregando orçamentos já estrangulados pela demografia declinante e por gastos crescentes em saúde e aposentadorias.

A estrutura das relações internacionais contemporâneas, em especial na área econômica, pode estar sendo transformada, em função desta segunda Guerra Fria e das políticas nacionais das principais economias planetárias. Não cabe supor que a globalização venha a retroceder dramaticamente, nos anos à frente, mas é muito provável que ocorram mudanças nas configurações assumidas pelas cadeias de valor – a base da globalização econômica – e na forma de trabalho e nos respectivos mandatos assumidos pelas agências mais importantes do multilateralismo contemporâneo – a base da globalização política.

Em que medida possibilidades desse tipo são suscetíveis de ampliar um alegado “declínio” dos Estados Unidos, e abrir ainda mais espaço para uma irresistível ascensão da China no cenário geopolítico mundial, permanecem questões sem respostas definidas no momento atual. Não se imagina uma nova hegemonia chinesa suplantando a atual hegemonia dos EUA e das principais potências ocidentais, uma vez que tal preeminência não se estabelece unicamente com base no poderio econômico. Ela também se apoia, se for consentida e não imposta, em outros vetores da globalização, aqueles da influência cultural, os das normas e dos padrões de conduta aplicáveis aos problemas de natureza global e plenamente respeitadores das liberdades individuais e dos direitos humanos, valores que não estão próximos de serem aposentados pela grande maioria das sociedades avançadas.

Apresentam-se, contudo, cenários, não semelhantes, mas talvez similares aos que se manifestaram no entre guerras, mais especificamente nos anos 1930, quando potências expansionistas se lançaram em aventuras militares que acabaram precipitando a mais terrível guerra da história. O cenário seria ainda mais catastrófico atualmente, em vista da arma atômica, inexistente até o derradeiro final da Segunda Guerra Mundial. Desde a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1962, o mundo não conhecia tal estado de tensão nas relações internacionais, vale dizer, nas relações recíprocas entre as grandes potências. No início dos anos noventa do século passado, o então presidente George Bush (pai) havia proclamado o nascimento de uma nova ordem mundial, com base no desaparecimento da potência que havia prometido enterrar o capitalismo.

Emergência da desglobalização

Desde aquela época, o mundo caminhou na senda de uma globalização otimista, o que se desfez, infelizmente, nos embates criados desde as aventuras militares de Putin na Geórgia, na Moldávia e na Ucrânia, e novamente a partir de novos focos de tensão e de guerra no Oriente Médio, concomitantemente à emergência da “desglobalização”, ou de uma globalização fragmentada, tendência ainda mais reforçada pela política externa caótica do presidente Trump, entre 2017 e 2020. Às vésperas da Grande Guerra, 110 anos atrás, o jornalista inglês Norman Angel proclamava a impossibilidade prática de uma guerra total entre as grandes potências devido à imbricação de seus interesses econômicos e financeiros, o que ainda era o caso até recentemente. O seu otimismo se desvaneceu com os “canhões de agosto” de 1914, em grande medida o fruto de equívocos diplomáticos e da arrogância dos grandes impérios centrais, como demonstrado pela historiadora Barbara Tuchman. Esses interesses, agora, já não estão mais fortemente imbricados entre si, em função das sanções econômicas e políticas adotadas pelos países ocidentais contra a Rússia, e parcialmente contra a China. O momento é, portanto, de extrema tensão, o que mais uma vez exige que a diplomacia não incorra em novos e fatais equívocos, e que os atuais impérios não sejam tão arrogantes quanto o foram seus antecessores, os impérios centrais, na segunda década do século passado.

Desta vez, não serão apenas os “canhões de agosto”, e sim mísseis balísticos e vetores nucleares, num volume jamais visto em qualquer época. Por ocasião da crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1962, o presidente John Kennedy, assessorado por diplomatas e estrategistas competentes, conduziu o processo a uma definição aceitável, ou tolerável, por ambas as partes, abrindo espaço, pouco adiante, para tratados de limitação de armas e para foros de diálogo no Comissão do Desarmamento ou diretamente entre os grandes atores. Uma eventual falha nessa esfera, nas presentes circunstâncias, seria não apenas um fracasso da diplomacia, mas, sobretudo, uma derrota da racionalidade no teatro das fricções tectônicas entre os grandes impérios da atual geopolítica em ebulição. Se isso ocorrer, a História não absolverá quem quer que seja, diplomatas ou soldados.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata, professor e escritor

O post A caminho de uma nova conflagração mundial? apareceu primeiro em Rio Bravo Investimentos.

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