Marcus Quintella, Colunista de Plurale
Os mais recentes reajustes dos combustíveis, promovidos pela Petrobras nas refinarias, no início de março, elevou o preço da gasolina em 18,7%, e do diesel em 24,9%. Para o consumidor final, o aumento da gasolina na bomba foi, em média, de 11,5%, e do diesel, de 18,5%. Na primeira semana de abril, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o preço médio do litro da gasolina no país estava sendo vendido a R$7,20, mas chegou a beirar os R$8,50 em algumas regiões mais longínquas. O litro do diesel oscilava em torno de R$6,60.

Segundo o Observatório Social da Petrobras (OSP), em matéria da Agência Globo, de 12/01/2022, o preço médio da gasolina vendida nas refinarias da Petrobras aumentou 68% entre janeiro e dezembro de 2021, enquanto o diesel S-10 ficou 65% mais caro. Contabilizando-se os dois reajustes de 2022, de 4,85% e 18,7%, para a gasolina, e de 8,08% e 24,9% para o diesel, a alta da gasolina atinge a marca de 109,1% e o diesel a 122,7%, desde janeiro de 2021. Para efeito comparativo, o IPCA/IBGE, índice que mede a inflação oficial do país, registrou, em fevereiro, o acumulado de 10,54%, para os últimos 12 meses. Já o IGP-M/FGV, importante índice macroeconômico de inflação, acumulou 16,12%, no mesmo período.

Diante desse cenário de aumento dos combustíveis, provocado pela guerra da Ucrânia, que, por sua vez, ocasionou a alta global do preço do petróleo, as pessoas começaram a mudar novamente seus comportamentos em relação aos meios de transporte e a situação se inverteu em relação aos tempos de restrições e lockdown. Vale recordar que a pandemia havia provocado uma forte mudanças de hábitos nos deslocamentos nas cidades, quando as pessoas passaram a usar mais intensivamente o transporte individual, carros próprios, táxis e aplicativos, pois consideravam essa forma menos arriscada como proteção da Covid. Em consequência, o transporte público perdeu mais passageiros ainda, pois as pessoas não queriam se expor às aglomerações das estações, plataformas de embarque e dos interiores dos ônibus, trens e metrôs.

No Brasil, uma recente pesquisa da revista Exame/Ideia apontou que 83% dos entrevistados diminuíram o uso do carro ou da moto por causa do aumento da gasolina, diesel e etanol. O site Webmotors Autoinsights levantou que cerca de 31% dos consumidores brasileiros estão reavaliando o modo como se locomovem, inclusive passando a andar mais a pé, de bicicleta ou em carros de aplicativos. A empresa de aluguel de bicicletas compartilhadas Tembici divulgou um crescimento de quase 50% no números de seus usuários, mostrando esse modo de transporte como uma alternativa ao automóvel.

Todavia, essa nova mudança de comportamento apontada nessas pesquisas não está sendo notada no cotidiano das cidades brasileiras, que vêm registrando congestionamentos diários, mesmo com o preço da gasolina e diesel nas alturas. De acordo com o último relatório da TomTom Global Traffic, empresa mundial especializada em informações sobre o trânsito, os congestionamentos nas grandes cidades do país estão retornando aos mesmos níveis de 2019.

De qualquer forma, diante da atual conjuntura econômica desfavorável, a migração para outros meios de locomoção seria uma atitude perfeitamente normal de mudança de comportamento e o transporte público deveria ser a alternativa mais viável. Entretanto, as cidades brasileiras oferecem um transporte público de baixa qualidade e, a cada dia, o problema da mobilidade urbana se agrava e os congestionamentos aumentam espantosamente, causando excessivas perdas de tempo, poluições atmosférica e sonora, aumento de custos operacionais dos veículos, desperdícios de combustíveis, stress e insegurança.

Na realidade, a tendência de mudança no padrão de deslocamento das pessoas esbarra nas dificuldades de mobilidade urbana oferecidas pelas cidades. Para que os habitantes das médias e grandes cidades brasileiras possam deixar seus automóveis em casa, os governantes precisariam investir pesadamente em transporte público de massa, de forma a diminuir a quantidade de veículos nas vias urbanas e, assim, deixar o trânsito com mais fluidez para favorecer a mobilidade e qualidade de vida da população.

Em última análise, a mudança de comportamento das pessoas, em relação ao abandono do transporte individual, somente será possível quando houver investimentos permanentes para dotar as cidades de transporte público abrangente, economicamente viável e integrado física e tarifariamente. Isso somente será possível com a construção de uma infraestrutura de transportes de massa de alta capacidade, com trens e metrôs, devidamente alimentados por BRTs, VLTs, ônibus, barcas e outros modos de menor capacidade.

Além disso, seriam necessárias as seguintes ações: tolerância zero para as infrações de trânsito; campanhas permanentes de educação no trânsito; adoção do pedágio urbano nas regiões centrais das grandes cidades; instalação de sistemas semafóricos inteligentes; instalação de câmeras de controles de tráfego e painéis de orientação em todas as principais vias; restrição de cargas e descargas durante o horário comercial; construção de mergulhões, viadutos, e passarelas; construção de grandes estacionamentos nos terminais de integração de transporte público; construção de centros de distribuição de cargas fora do perímetro urbano; aumento das redes cicloviárias e de bicicletários públicos; melhoria das calçadas para facilitar o modo a pé; reordenação dos sistemas de ônibus urbanos circulares e alimentadores; entre outras ações. Em caso contrário, ou seja, sem esses portentosos investimentos, não haverá mudanças de comportamento que proporcionem o abandono do transporte individual e melhorem a mobilidade urbana das cidades brasileiras.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

AUTOR

Marcus Quintella
Diretor do Centro de Estudos em Transportes (FGV Transportes). Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, mestre em Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e pós-graduado em Administração Financeira pela FGV. Professor e coordenador acadêmico dos cursos de MBA da FGV Educação Executiva. Ocupou as posições de diretor de Engenharia de Transportes da Odebrecht TransPort S.A. e de diretor técnico da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

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