No período que estamos atravessando, notamos que as preocupações com o Covid-19 arrefeceram um pouco pelo mundo, diante do achatamento da curva de contágio e mortes, mas os investidores passaram a se preocupar com os dados de conjuntura e resultados do primeiro trimestre de 2020, já incorporando levemente os efeitos da crise. Aqui, ao contrário, seguimos batendo recordes sucessivos de óbitos diários, mas também com grande preocupação com relação ao ambiente político deteriorado.
Consequência disso foi a grande volatilidade nos mercados de risco e forte pressão sobre o dólar no segmento local, que tem a pior performance dentre as principias moedas do mundo, agravada pela decisão do Copom de reduzir mais fortemente a taxa de juros Selic na decisão da semana.
No exterior, destacamos as pressões exercidas pelos EUA contra a China, no que tange à transparência de informações acerca do Covid-19. Trump e seu secretário Mike Pompeo falaram sobre isso em quase todos os dias, com Trump reconhecendo que as relações voltaram a ficar difíceis, mas que talvez a China não tenha agido de propósito. No final da semana, foi anunciado contato telefônico entre EUA e China sobre a primeira fase do acordo comercial.
Trump se diz animado com a reabertura da economia americana e em muitas regiões mais rápido que o previsto e diz que não podem ficar fechados por dois anos. Projeta que o terceiro trimestre será de transição, o quarto trimestre de recuperação e um ano de 2021 fantástico. Mas temos que considerar que o presidente está em campanha de reeleição, e o otimismo tem que ser aparado.
Ao longo do período, vários dirigentes regionais do FED deram declarações mais prudentes sobre a recuperação da economia, mas com alguma sintonia. Alguns demonstraram certa descrença (Mary Daly de São Francisco, por exemplo), relatando que os empresários não esperam uma recuperação em “V” para a economia, e sim mais lenta. Faz coro no mesmo discurso o presidente do FED de Atlanta Bostic. Mas, na verdade, o temor é com atravessar o segundo trimestre que será terrível, com desemprego e resultados de empresas.
Aliás, falando de desemprego durante a semana, foi anunciado o Payroll de abril, com as destruições de vagas no setor público e privado. Foram descartadas 20,5 milhões de vagas e a taxa de desemprego explodiu para 14,7%. Porém, ambas ficaram um pouco abaixo do esperado. Mas em compensação os indicadores de atividade, notadamente de serviços do mês de abril mostraram fortes contrações, tanto na economia americana como em todas as outras, exceto a China que já começa a mostrar alguma recuperação, mas ainda assim abaixo de 50 pontos, o que indica contração da atividade.
A semana foi também de organismos multilaterais mostrarem preocupação com a retomada da economia global. O Banco Mundial falou que o ajuste do setor de petróleo será duro e prolongado, apesar da Aramco, gigante da Arábia Saudita no segmento, ter anunciado que elevará os preços do óleo fornecido aos clientes durante o mês de junho. O BIS (banco central dos bancos centrais) declarou que os mercados estão preocupados com as condições de financiamento dos bancos no longo prazo e o FED deu 90 dias para algumas instituições (4) apresentarem medidas de ajustes. São eles o Barclays, Credit Suisse, Deutsche Bank e UBS; todos de grande relevância no cenário global.
Já o FMI, disse que mais de 100 países buscaram recursos junto a instituição e o BOE (BC inglês) fez sua reunião sobre política monetária, mantendo juros estáveis em 0,10% prorrogou o QE (flexibilização monetária) em 645 bilhões de libras e também reduziu a projeção do PIB para -2,5% em 2020. Decisão que surpreendeu foi da corte alemã impedindo a compra de ativos, o que não muda a postura do BCE (BC europeu), mas gera tensão e há quem diga que ameaça a sobrevivência do euro. Apesar disso, o BCE disse que pode comprar bônus de baixa qualidade de países do bloco.
Na Alemanha, a produção industrial de março encolheu incríveis 9,2% e as encomendas à indústria com queda de 15,6%. Já a União Europeia reformulou sua projeção de crescimento de fevereiro de +1,2% para a região para -7,7%. Como se vê, todos os números são superlativos e até aqui, sempre piorando.
Essa é a constante no mundo e por aqui não poderia ser diferente. Aqui, temos que considerar todo o imbróglio político que voltou a ficar presente desde o final de semana, quando o presidente Bolsonaro “aderiu” as manifestações em Brasília contra STF e Congresso, dizendo estar com o povo e as forças armadas e que a paciência tinha acabado. Ato contínuo voltou a negociar cargos com o centrão, que segundo consta, vão administrar mais de R$ 76,5 bilhões.
Durante o período e depois de muitas marchas e contramarchas o Congresso Nacional conseguiu aprovar e promulgar a PEC do orçamento de guerra, uma vitória de Rodrigo Maia, que durante a semana evitou azedar com críticas ao Executivo. Já no que tange ao socorro aos Estados e Municípios, a equipe econômica sofreu mais uma derrota ao modificarem o projeto original ampliando as categorias de servidores públicos que não teriam congelamento de salários.
Porém, Paulo Guedes disse que o presidente vetaria, pediu essa contribuição do funcionalismo e o presidente disse que vai congelar por um ano e meio os aumentos. Na semana, o presidente voltou a pressionar o STF com uma ida junto com empresários em um encontro meio inesperado com Dias Toffoli e fazendo pressão para que o ministro Alexandre de Moraes volte na sua decisão de não permitir a nomeação do titular da Polícia Federal.
Em termos de indicadores a pesquisa Focus veio mostrando números piores, exceto no que tange à balança comercial e o IBGE anunciou a produção industrial de março encolhendo 9,1% e mostrando contração no ano de 1,7%. Houve queda em 23 das 26 categorias avaliadas. O IBGE também anunciou o IPCA de abril com deflação de 0,31% (anterior em 0,07%), com a taxa de inflação do ano em 0,22% e em 12 meses de 2,4%. Foram os números mais baixos desde 1998.
O dado de maior surpresa ficou por conta da decisão do Copom sobre política monetária, reduzindo em 6/5 a taxa Selic em 0,75%, para o patamar de 3%. Dois membros do Copom queriam fazer tudo de uma vez só, o que induziu a possibilidade de mais reduções nas próximas reuniões entre 0,50% e 0,75%. Há quem justifique a Selic próxima de zero, mas o consenso que começa a aparecer indica próximo de 2,50%. Inflação abaixo da meta, risco global crescente, recuperação lenta induzem tal raciocínio. Porém, é necessário ter cuidado com o câmbio que já mostrou força durante a semana, chegando a atingir a cotação de R$ 5,87, na pior performance dentre as moedas mais negociadas.
Surpresa também para a poupança que observou captação líquida em abril de R$ 30,5 bilhões com 2020 com ingressos de R$ 26,7 bilhões, enquanto os fundos registraram saques de R$ 91,1 bilhões. Mas a agência de classificação de risco Fitch rebaixou a perspectiva do Brasil para negativa (manteve a nota em BB-) por conta dos problemas políticos, déficit fiscal e deterioração econômica.
Semana também de safra de balanços, com as empresas aproveitando para fazerem provisões (bancos) e ajustes, para atravessar a fase árdua que se apresenta. Isso mexeu pontualmente com a precificação dos ativos. Já a Petrobras está em situação de estresse e queimando US$ 1 bilhão por mês, além de agir forte em corte de custos. Já os investidores estrangeiros seguiram sacando recursos da Bovespa e até 6/5. Já tinham sacado em maio R$ 2,5 bilhões, deixando o saldo do ano com saídas líquidas de R$ 71,9 bilhões.
Indicadores da semana
BOVESPA 80.263 (-0,30%)
DOW JONES +2,5%
NASDAQ +6%
DÓLAR R$ 5,742 (+5,6%)
Perspectivas
O próximo período deve se mostrar mais amigável no cenário externo em função da reabertura e perspectiva de diferentes países. Nos EUA, Trump aposta em um quarto trimestre incrível e 2021 crescendo forte. Não se espera a mesma situação para a Alemanha, onde o Bundsbank estima que a retoma será lenta, apesar dos esforços realizados. De qualquer forma, as perspectivas ruins para o segundo trimestre já foram absorvidas em boa parte pelos investidores e a precificação dos ativos deve se mostrar mais correta e com menor volatilidade.
Aqui, o quadro é meio complicado, com o governo tendo que se afastar do projeto liberal lembrado na semana pelo vice Mourão de ajustes e zeragem do déficit e com a equipe econômica permanentemente sendo bombardeada. Não vemos muita chance de mudanças no curto prazo nas relações entre os três poderes, mas a negociação com o centrão iniciada pelo presidente, já reduziu os ruídos com Rodrigo Maia e pode redundar em trégua temporária.
Assim somos de opinião que o próximo período possa ser mais positivo e influir na tendência dos mercados, mas ainda assim haverá sacolejos e volatilidade na formação de preço dos ativos, tendo o dólar como balizador.
No mercado, será preciso ultrapassar definitivamente o patamar de 80 mil pontos para tentar ganhar inicialmente faixa acima de 83 mil pontos. Não deveríamos perder a casa dos 76 mil pontos, sob pena de o mercado voltar a fraquejar.
Alvaro Bandeira
Sócio e economista-chefe do banco digital Modalmais
Fonte: www.modalmais.com.br/blog/falando-de-mercado