As ideias do prêmio Nobel de Economia travam o bom combate contra o simplismo do custo vs. benefício
No ano de 2024, o Prêmio do Banco Central Sueco (Nobel de Economia) fortaleceu um paradigma em economia, qual seja, a abordagem Institucionalista. Em específico, foram laureados Daron Acemoglu, James Robinson e Simon Johnson, cujos trabalhos são chamados pelo acrônimo Modelo ARJ.
Ainda que as concepções institucionalistas remetam a Thorsthein Veblen, John Kenneth Galbraith e Wesley Mitchell e suas atuações em Universidades norte-americanas no começo do século XX, a aproximação de conceitos institucionalistas com a abordagem mainstream[1] remonta à Douglas North, também laureado com o Nobel em economia 1993, e com os autores do Modelo ARJ. A ponte entre esses paradigmas foi construída a partir da inserção de fatores históricos e sociais como determinantes para o crescimento e desenvolvimento econômico – em especial, na criação de conceitos que permitirem testar estatisticamente a influência da história e da sociedade para crescimento econômico.
Todavia, vale a pena perguntar: será que esses fatores não deveriam ser triviais em análise econômica? A resposta é um sonoro não!
Explicar essa negligência é difícil. No entanto, seguiremos esse caminho para valorizar as contribuições do modelo ARJ.
Douglas North promoveu a aproximação entre institucionalismo e mainstream ao definir instituições como o conjunto de regras formais e informais a partir das quais as transações econômicas ocorrem. Além dessa delimitação conceitual, North propôs a seguinte abordagem: as instituições diminuem incertezas e, por consequência, os custos de transação. A reunião de conceitos e lógica de análise permitiam a mensuração e o teste estatístico, logo, estavam colocados os termos para aceitação do debate com a abordagem mainstream. Contudo, o Nobel de economia de 1993 deixou em aberto um importante campo político, a saber: o postulado segundo o qual as instituições não eram criadas exclusivamente para gerar eficiência econômica; antes, era necessário considerar que a definição de regra está inserida em uma barganha que envolve sociedade, Estados e disputa entre valores e visões. Ao fim e ao cabo, a mudança desejada no quadro institucional visa garantir que conhecimentos e aptidões sejam aplicados para o desenvolvimento da sociedade; no entanto, nem sempre as mudanças ocorrerão nessa direção.
A primeira abordagem de Acemoglu e Robinson está sintetizada no livro “Por que as Nações Fracassam” (publicado originalmente em 2012 e, no Brasil, em 2022). Os autores defendem a importância da história para o desenvolvimento econômico, sobretudo através do conceito de path dependence. Nessa fase do modelo ARJ, o desenrolar da história se caracteriza pela interação entre instituições econômicas e instituições políticas, especificamente as regras da economia buscam moldar as regras políticas. Essa interação poderá favorecer ou limitar o desenvolvimento econômico. Os autores estabelecem dois tipos de instituições econômicas e políticas: as extrativistas e as inclusivas. Os processos de colonização foram a base para essa definição.
As instituições econômicas extrativas se caracterizam por limitar o empreendedorismo; associar as definições de propriedade privada aos desígnios das elites; restrições ao acesso à educação e/ou à aplicação de proselitismo; por fim, essas regras tendem a criar serviços militares obrigatórios e longos. Já as instituições econômicas inclusivas se caracterizam pela permissão e estímulo ao empreendedorismo; pela liberdade de escolha conciliada às habilidades e anseios dos indivíduos (capabilities); pelas regras que favoreçam e defendam direito de propriedades; e patentes, por último, pelas regras que criem sistemas jurídicos imparciais.
Por sua vez, as instituições políticas extrativas se definem por limitar a distribuição de poder, de tal forma que poder é concentrado e limitado por uma Elite local; essa configuração dificulta o direcionamento do Estado para favorecer oportunidades econômicas. Enquanto isso, as instituições políticas inclusivas se distinguem por garantir ampla distribuição de poderes, em que cada poder está sujeito à restrição e as decisões demandam a formação de coalizões com diferentes grupos. Nesse modelo, o Estado busca conciliar uma centralização operacional frente a pluralidade na representação.
Com esses conceitos, o desenvolvimento econômico é analisado a partir da construção dos arranjos institucionais, em especial a criação de regras econômicas extrativistas tende a forjar dinâmicas políticas extrativistas e, consequentemente, desigualdade e pobreza. Alternativamente, a combinação entre extrativismo econômico e inclusão política podem desembocar em instabilidade e conflitos, resultando, assim, em um quadro inclusivo de desenvolvimento ou uma deterioração para extrativismo, desigualdade e pobreza. Muitos conceitos e uma lógica complexa? Sim, mas uma abordagem que revoluciona as explicações econômicas, pois permitem escapar de uma agenda restrita a avanços tecnológicos e educacionais que aumentam a produtividade, combinado com orientações de curto prazo caracterizada por políticas macroeconômicas de austeridade.
Leviatã Agrilhoado vs. Leviatã Despótico
No entanto, não satisfeitos com as mudanças apresentadas, os autores revisitaram seu modelo em “O Corredor Estreito”. Ao reencontrar seu modelo, a atenção foi direcionada a relação entre Sociedade e Estado e os possíveis efeitos sobre liberdade e desenvolvimento econômico. O conceito de Leviatã Agrilhoado designa processos históricos em que a sociedade foi capaz de limitar a autoridade estatal, de tal forma que a máquina do Estado é direcionada para o controle da segurança e aproveitamento de oportunidades econômicas. Em oposição, formula-se o conceito de Leviatã Despótico, que ilustra processos históricos em que as Elites conseguiram utilizar o Estado para silenciar, controlar e dominar os cidadãos. Esse conceito abarca situações em que a economia gera riqueza, mas de forma concentrada e desconectada da liberdade individual. Atualmente, difícil pensar em exemplo mais bem acabado do que a China. Por fim, os autores destacam que processos em que a disputa social é muito elevada podem gerar a ausência de Leviatã, situação cujo grau de incerteza e violência inviabilizam a geração de riqueza. Os autores ilustram esse exemplo com o caso de países africanos, seguindo uma tradição que remete a Peter Evans, mas associam o problema aos processos de colonização. Em síntese, nova revolução, pois os autores enfrentam o pressuposto a intervenção estatal como
“pecado original” do desenvolvimento econômico.
Em 2024 no Brasil dois casos serviram como exercícios de aplicação dos modelos ARJ, quais sejam: a corrida para regulamentação das Bets e as propostas de Emenda Constitucional sobre a Jornada de Trabalho.
Somente em 2024 (!) as diferentes autoridades públicas atentaram-se para as externalidades (efeitos colaterais) dos jogos de azar, em específicos, o caso das Bets. Como explicar essa negligência? Correndo os riscos de praxe, a orientação de economistas bem formados na tradição mainstream prezou muito pelos custos e benefícios, ou melhor, muita atenção aos benefícios arrecadatórios da tributação, associado à crença de que o Estado pouco deve regulamentar novos negócios econômicos. Tivessem os tomadores de decisão atentado para os processos históricos que envolvem os jogos de azar no Brasil, provavelmente a avaliação dos custos seria mais realista. Mais importante do que isso, o desprezo aos atores e interesses na definição das regras implicou na negligência ao favorecimento de grupos econômicos extrativistas, introduzindo novos atores e alguns já existentes. Ou vamos levar a sério a surpresa com a ligação entre jogo do bicho e as Bets? Arriscando a comparação, prefiro adotar seriedade perante a perplexidade do então técnico da Seleção Brasileira, Mário Jorge Lobo Zagallo, frente ao futebol do carrossel holandês na Copa de 1974.
É justo e honesto reconhecer avanços incrementais nas abordagens da Economia do Trabalho, a qual contempla estudos que problematizam a associação entre sindicatos e direitos trabalhistas exclusivamente aos custos e restrições à oferta de trabalho. No entanto, se os conhecimentos científicos avançaram, nada mais associado à visão de mundo da primeira metade do século XIX do que as análises sobre a jornada de trabalho no Brasil. Há uma clara negação dos conflitos de interesse que cobrem o assunto. Mobilizando a abordagem de North, qual o problema em considerar o tema como uma disputa de interesses e valores? De acordo com o modelo de corredor estreito de ARJ, qual o problema de tratar o assunto como um conflito que emerge pela combinação de instituições extrativistas com instituições inclusivas? Os economistas associados ao mainstream, com raríssimas exceções, avaliaram a discussão sobre a redução da jornada de trabalho como uma tragédia social. Apenas custos e informalidade seriam gerados. Grosso modo, algumas dessas abordagens se assemelharam à argumentação dos anti-abolicionistas do final do século XIX no Brasil.
A polêmica instaurada dialoga com a última aplicação do Modelo ARJ. No livro “Poder e Progresso” de 2023 Acemoglu e Johnson conciliam abordagem institucional e desenvolvimento tecnológico. Em específico, analisam a geração de desenvolvimento tecnológico como um processo imerso nas disputas institucionais. Dessa forma, a geração de riqueza está associada ao avanço tecnológico e à regulamentação que essas mudanças suscitam. Essa formulação parece lógica e intuitiva. No entanto, ela se choca frontalmente com o pressuposto mainstream de que a tecnologia é neutra e que a intervenção estatal diminui os ganhos do avanço tecnológico. Para enfrentar esse pressuposto, o modelo ARJ resgata os detalhes histórico das leis de patentes e da regulamentação do mercado de trabalho – nesse último, os autores destacam que os resultados econômicos da Revolução Industrial se relacionam com os ajustes da jornada de trabalho e a proibição do trabalho infantil. Em específico, essas mudanças permitiram redistribuição da riqueza gerada pelo avanço tecnológico.
A concepção sobre a relação entre regulamentação e tecnologia é que motiva e polêmica postura de Acemoglu frente ao avanço da Inteligência Artificial (IA). Junto com Yuval Harari, Acemoglu lidera um movimento que pede a interrupção do avanço das pesquisas em IA, pedido que motiva conciliar avanço tecnológico e regulamentação.
A visão panorâmica das contribuições do modelo ARJ ilustra trabalhos que enfrentam as concepções dominantes em economia, mas não somente isso: buscam contribuir para que as decisões econômicas sejam conciliadas ao ambiente político. Desafio que os autores enfrentam sem sujeitarem as decisões políticas à lógica custo vs. benefício da economia, tampouco sem operar com concepções idealizadas sobre os atores políticos. Uma última provocação: é fácil apontar que os princípios custo x benefício criam uma prisão mental ao economista; o difícil é oferecer alternativas. É justamente nessa posição que os trabalhos de Acemoglu e seus coautores precisa ser avaliado.
Fabio Andrade é economista, doutor pela Fundação Getúlio Vargas e professor da ESPM.
[1] Segundo David Colander, a abordagem Mainstream caracteriza a fronteira do conhecimento em economia. Para pertencer, se inserir no espaço de discussão, as abordagens devem trabalhar com conceitos que permitam a mensuração de custos e benefícios. Além da mensuração estatística, é altamente desejar que os conceitos permitam a exposição através de modelos matemáticos. O artigo elementar de Colander é “The Changing Face of Mainstream Economics”, publicado em 2014.
O post Acemoglu e as rupturas possíveis apareceu primeiro em Rio Bravo Investimentos.