Caro Investidor,

É um trem? Um avião? Nem o Superman! Tem minério, mas não é kriptonita, tem ferro, mas com certeza não é o material do “homem de aço”. É a China, a potente nação que vem se recuperando na economia e ameaça, de forma saudável, as gigantes brasileiras Vale (VALE3)  e Usiminas (USIM5). Estas duas empresas ícones do setor de Mineração & Siderurgia do país, apresentaram grandes resultados do terceiro trimestre, divulgados no fim da semana passada. Mas números bons, desempenho, performance e otimismo são suficientes para encarar a potência do outro lado do mundo?

Mineração (Vale)

A China é o maior consumidor mundial de minério de ferro, utilizado principalmente na produção de aço. A Vale, sendo uma das maiores mineradoras do mundo, compete diretamente com mineradoras chinesas e australianas, como a Rio Tinto e a BHP. A concorrência chinesa é intensificada pelos seguintes fatores:

Demanda por preços mais baixos: A China pressiona por mineração de ferro a preços menores, especialmente porque possui grande influência sobre o mercado global.

Capacidade de produção local : Embora a China dependa de países estrangeiros, ela também aumenta sua produção interna para reduzir a dependência externa, desafiando jogadores como a Vale.

Investimentos em fornecedores alternativos : A China diversifica suas fontes de minério de ferro, investindo em minas em outros países (ex.: África) para reduzir a dependência de empresas como a Vale.

Siderurgia (Usiminas)

A Usiminas, focada na produção de aço, enfrenta forte concorrência dos produtos siderúrgicos chineses, principalmente pelo custo e escala de produção da China:

Excesso de capacidade na China: A China é o maior produtor mundial de aço, e seu excesso de capacidade leva as exportações a preços competitivos, dificultando que empresas de outros países, como a Usiminas, possam competir em igual nível.

Dumping: O aço chinês é frequentemente vendido a preços muito baixos no mercado internacional, o que resulta em reclamações de práticas de dumping. Isso pressionou a Usiminas a reduzir preços ou enfrentar perdas de mercado.

Qualidade e inovação: Embora o aço chinês seja muitas vezes criticado pela qualidade inferior, o país tem investido em melhorias tecnológicas e de inovação, aumentando a competitividade dos produtos.

Dá pra ver, investidor, que ambas as empresas são diretamente impactadas pela presença da China em seus respectivos setores, tanto em termos de preço quanto de volume de produção, e é preciso ajustar suas estratégias de mercado para lidar com essa concorrência global.

Tem uma China no meio do caminho

Parafraseando o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, em alusão ao seu verso “no meio do caminho tinha uma pedra…” No meio do caminho da Vale, e também da Usiminas,  tem uma China, uma enorme China.

Coube ao vice-presidente executivo interino de Soluções de Minério de Ferro da Vale, Rogério Nogueira, a missão de falar sobre a China, a maior consumidora de minério de ferro do mundo, durante a conferência pós resultados 3T na sexta-feira (25)

Na ocasião, Nogueira disse que o governo chinês vem tomando medidas para melhorar a confiança dos consumidores, abalada por problemas internos como os do mercado imobiliário (mas isso não é novidade, o Acionista já publicou esse cenário).

“O governo chinês tem trabalhado para aumentar a confiança do consumidor com estímulos fiscais e monetários. Com isso, o consumo vai se estabilizar”, disse.  Para ele, a redução do investimento em ativos fixos no setor imobiliário vai ser compensado por investimentos em ativos fixos na indústria manufatureira e na infraestrutura.

“Quando você olha o mercado de minério de ferro, este mercado vai se estabilizar. No mundo, existe uma produção de 1,9 bilhão de toneladas, com a China sendo responsável por mais de 1 bilhão de toneladas em 2024. A expectativa é de que em 2025 sejam esses mesmos números”, comentou o executivo da Vale.

“Se o preço do minério se reduzir ainda mais, muita capacidade de produção vai sair do mercado”, concluiu.

No terceiro trimestre, o preço realizado de finos de minério de ferro da Vale foi US$ 90,6 a tonelada, uma queda de 14% em 12 meses e recuo de 8% na comparação trimestral.

Resultados

Já o CEO Gustavo Pimenta, novato no cargo que foi escolhido em meio a um processo meio conturbado, ganhou contornos ainda mais pesados devido à desvalorização do minério de ferro e das ações da Vale, acompanhado por uma crise mais profunda do que parece na China. 

Foi sob esse clima, na noite de quinta-feira (24), a Vale apresentou os primeiros resultados financeiros sob o comando de Pimenta e, apesar da queda de 15% do lucro entre julho e setembro, o mercado celebrou o desempenho da companhia, que fez a mineradora  dar um salto na bolsa na sexta-feira (25). 

A Vale (VALE3) teve um lucro líquido de US$ 2,412 no terceiro trimestre, queda de 15% em relação aos US$ 2,925 bilhões apurados no mesmo período do ano anterior. Os analistas já esperavam a baixa, mas o valor final ficou acima do consenso Bloomberg, que estimava um lucro de US$ 1,8 bilhão.

Na conferência, o CEO disse que o objetivo é levar a Vale para a parte inferior da curva de custos, um dado bastante celebrado hoje pelo mercado. A Vale informou que o custo caixa C1 do minério, sem considerar as compras de terceiros, foi de US$ 20,6 a tonelada, uma queda de 6% ante os US$ 21,9 a tonelada no terceiro trimestre de 2023. O guidance para 2024 é de US$ 21,5 a US$ 23 por tonelada.

“Estamos partindo para o nosso sólido progresso para desenvolver a Visão Vale 2030, que pretendemos detalhar no nosso Vale Day, no início de dezembro”, disse Pimenta, ressaltando que o movimento parte de três pilares. “O primeiro pilar é a manutenção do foco em segurança e excelência operacional para melhorar a competitividade; o segundo se refere a um portfólio superior, no qual “vamos acelerar a nossa estratégia de minério ferro premium; e o terceiro é mostrar aos acionistas que a empresa é confiável”, acrescentou. 

De acordo com Pimenta, o foco é que a Vale consiga produzir cerca de 350 milhões de toneladas de minério de ferro, dos quais 80% a 90% serão produtos de alta qualidade.

“Temos uma plataforma única de metais básicos com chance de crescimento muito grande”.

Na prévia operacional havia um certo pessimismo em vista da China. “Observamos alguns desenvolvimentos positivos na valorização da Vale recentemente, como a melhoria nos volumes de minério de ferro, mas preferimos aguardar maior clareza sobre os desafios e o cenário macroeconômico antes de fazer mudanças significativas”, comentou o BTG Pactual

As ADRs da Vale negociadas na NYSE operam em alta de 0,72% no after-market por volta das 21h da quinta-feira, 24. Na bolsa brasileira, as ações da mineradora fecharam em alta de 0,59%, negociadas a R$ 59,70. Os papéis acumulam queda de 22,5% no ano.

O desastre ambiental ressoa

A mineradora atualizou as projeções para os compromissos decorrentes dos eventos em Brumadinho e Mariana para US$ 1 bilhão em 2024.

Brumadinho: a descaracterização custará US$ 500 milhões anualmente até 2026, caindo para US$ 400 milhões em 2027 e US$ 200 milhões a partir de 2028. Os acordos terão desembolsos de US$ 1,1 bilhão em 2024, diminuindo gradualmente até US$ 100 milhões em 2028. As despesas anuais serão de US$ 400 milhões até 2026, ajustando-se para US$ 300 milhões em 2027 e voltando a US$ 400 milhões a partir de 2028.

Mariana: os valores passaram para US$ 1 bilhão em 2024, US$ 2 bilhões em 2025, US$ 1,1 bilhão em 2026, US$ 500 milhões em 2027, com consequente redução para US$ 400 milhões e US$ 300 milhões em 2029 e em 2030.

Novo acordo

                                          (imagem: Ricardo Stuckert/PR)

O Governo Federal, em processo conduzido pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Secretaria-Geral da Presidência da República, assinou na sexta-feira, 25, o novo acordo para reparação integral e definitiva dos prejuízos causados pelo rompimento da Barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015. O episódio entrou para a história como a maior catástrofe ambiental do país e ficou marcada como o maior rompimento do mundo envolvendo barragens de rejeitos de mineração.

O acordo prevê o pagamento de recursos que somam R$ 132 bilhões, dos quais R$ 100 bilhões devem ser pagos em até 20 anos pelas empresas envolvidas na tragédia ao poder público para serem aplicados em diversas destinações. As companhias também destinarão outros R$ 32 bilhões para custeio de indenizações a pessoas atingidas e de ações reparatórias que permanecerão sob sua responsabilidade, além dos R$ 38 bilhões que eles alegam já terem desembolsado. A barragem do Fundão era administrada pela Samarco, empresa controlada pelas mineradoras Vale, companhia brasileira, e BHP Billiton, anglo-australiana.

E os dividendos? 

Para o BTG Pactual, a Vale reportou um conjunto decente de números no terceiro trimestre, mas o banco destaca como negativa a geração de fluxo de caixa livre (FCF) praticamente nula e o Ebitda em níquel que precisa de atenção dada a atual pressão de preços nesse mercado.

“A contradição aqui reside na capacidade de a empresa fornecer resultados melhores e uma história ascendente mais forte, enquanto o FCF permanece sob pressão devido a pesadas ‘outras despesas’, sem expectativa de dividendos extraordinários nos próximos anos”, disse o BTG em relatório. 

Usiminas reverte o prejuízo

Um alívio e exemplo de resiliência. Mesmo com concorrência chinesa, a Usiminas (USIM5) registrou lucro líquido de R$ 185 milhões no 3T, revertendo assim o prejuízo de R$ 166 milhões do mesmo período de 2023.

Não ficou por aí, também reverteu o Ebitda ajustado, com uma cifra de R$ 426 milhões. No terceiro trimestre do ano passado, o indicador ficou negativo em R$ 20 milhões. A margem Ebitda ajustada foi de 6%, aumento anual de 6,5 pontos porcentuais.

Além disso, a receita líquida da Usiminas no 3T, por sua vez, cresceu 2% ano contra ano, atingindo R$ 6,817 bilhões. Segundo a companhia, o resultado reflete o aumento da receita líquida na unidade de siderurgia, que cresceu 8% no trimestre, com destaque para o avanço de 10% das vendas no mercado doméstico.

Para Marcelo Chara, presidente da Usiminas,  a recuperação dos resultados confirma as expectativas sinalizadas anteriormente, com avanço na eficiência operacional e na melhoria contínua. “O Alto-Forno 3 atingiu o maior volume de produção desde 2010. Atualmente, produzimos mais aço bruto com dois altos fornos do que o que produzíamos com três”.

Ele ressalta que é preciso seguir neste caminho, fruto de toda a transformação que a Usiminas vive nos últimos tempos, com focos nas rotinas de gestão, segurança e indicadores relacionados à melhoria contínua. “Damos um importante sinal, interna e externamente, com os resultados do terceiro trimestre, da nossa competitividade e da qualificação das nossas equipes”.

Importação – A Usiminas segue acompanhando, junto ao Instituto Aço Brasil e outras entidades, o contínuo aumento do volume de aço subsidiado importado, principalmente de origem chinesa. Neste trimestre, foram 934 mil toneladas de laminados planos, um aumento de 13% em relação ao segundo trimestre e que representam 22% do consumo aparente de aços planos no Brasil.

“Esses números evidenciam a necessidade de um ajuste no sistema de cota e tarifa implementado pelo Governo Federal em junho deste ano. Da mesma forma, seguimos apoiando as autoridades competentes nas investigações antidumping já iniciadas e que visam demonstrar os efeitos nocivos desta prática desleal à indústria nacional”, afirma Marcelo Chara.

Detalhes

Siderurgia – o EBITDA ajustado ficou em R$ 378 milhões, o maior desde o primeiro trimestre de 2023, frente a R$ 70 milhões do 2T24. O volume de vendas teve um crescimento de 8% na comparação com o segundo trimestre, registrando 1,1 milhão de toneladas. Houve crescimento de 10% de comercialização no mercado interno, o maior volume desde o 3T21. A produção de aço bruto foi de 873 mil toneladas, 6,9% superior ao registrado de abril a junho; já a produção de laminados em Ipatinga e Cubatão totalizou 1,2 milhão de toneladas, 8,3% superior ao trimestre anterior.

Mineração – a venda de minério de ferro ficou em 2,3 milhões de toneladas, aumento de 14% na comparação com o trimestre anterior. A receita líquida registrada foi de R$ 767 milhões, ante R$ 777 milhões de abril a junho, e o EBITDA ajustado está em R$ 44 milhões, ante R$ 156 milhões do segundo trimestre. Mesmo com o maior volume de vendas, o trimestre foi impactado pela queda no preço do minério.

BTG não botou muita fé

Para os analistas do BTG Pactual, que mantêm recomendação neutra para a Usiminas, consideram que o resultado foi melhor, mas ainda fraco no 3T. 

“Acreditamos que a visibilidade sobre a recuperação dos resultados futuros ainda é limitada. A empresa já completou (com sucesso) a plena operação de seu alto-forno 3 e capturou a maioria dos ganhos de produtividade com o novo forno. No entanto, existem muitas partes móveis na tese de investimento, e a recuperação da lucratividade tem sido ofuscada por outros problemas (como Cubatão e a fraqueza no minério de ferro). 

Os analistas ressaltaram que a empresa também é uma mineradora de minério de ferro de maior custo, que esperam que seja significativamente impactada por um cenário de preço abaixo de US$100/t no futuro. 

“Embora a alavancagem esteja contida, acreditamos que anos de subinvestimento justificam maiores investimentos à frente, limitando retornos de caixa relevantes para os acionistas. Vemos a ação sendo negociada a ~3,5x EV/EBITDA para 2025, o que consideramos razoável, mas não bom o suficiente considerando os riscos.”