O livro de Moisés Naím, explica a lógica da disputa pelo poder na atualidade.

Nas duas últimas semanas, houve eventos que poderão alterar a distribuição de poder ao redor do mundo. A literatura de Relações Internacionais utiliza vários conceitos para definir o poder dos Estados Unidos da América na geopolítica: hegemonia, potência com poder atômico, superpotência etc. O fato é que a definição dos rumos nos EUA influencia os rumos da política em diferentes partes do planeta, seja pela influência simbólica, seja pelas opções de intervenções diretas e/ou indiretas e, de quebra, pela reorganização de diferentes grupos econômicos.

Sob essa conjuntura, uma obra cuja tradução para o português faz um ano pode ajudar no desenvolvimento de análises e, por que não dizer?, prognósticos. Trata-se do livro economista Moisés Naím, “A Vingança do Poder”, no qual o experiente acadêmico revisita sua hipótese de obra anterior, “O Fim do Poder.

A importância das obras de Moisés Naím na sociedade

Em seu livro anterior, Naím formula uma hipótese de dissipação de poder, que resultaria no surgimento de outros players, isto é, novos personagens capazes de conquistar e de manter poder. Em termos específicos, o poder seria dividido entre mais atores, no âmbito político local, internacional e econômico. Como consequência, a influência seria mais utilizada do que a coerção. Excesso de otimismo com a globalização e o multilateralismo? Possivelmente.

Já na obra de 2023, o autor descarta parcialmente sua hipótese anterior. Em outras palavras, ele ainda defende o surgimento de novos atores, porém se concentra em organizar que argumentos explicam os instrumentos utilizados para o acúmulo de poder desses novos atores, os quais almejam ser autocratas e, em sua maioria, se filiam à extrema direita. Naím trabalha com um conceito minimalista de extrema direita, qual seja, grupo político que questiona o modelo de democracia baseado no modelo de pesos e contrapesos, idealizado por Montesquieu e implementado inicialmente nos Estados Unidos da América pela atuação de atores políticos envolvidos com redação de artigos do célebre “O Federalista”, modelo posteriormente adaptado em diferentes países.

Para explicar a instrumentalização da extrema direita (novos atores), Naím trabalha com três conceitos: populismo; pós-verdade a polarização, os três pês. Além disso, o autor especifica sete ferramentas de poder: dinheiro; quebra de normas; vingança; identidade; ceticismo; controle da mídia; emergência.

Um importante aviso ao leitor: Moisés Naím pode ser enquadrado como um acadêmico Sênior. Por isso, ele já está na fase em que se permite lançar hipóteses instigantes, independente do rigor na aplicação dos conceitos. Essa postura contribui para questionamentos e inovação, mas cobra um preço, qual seja, determinados aspectos são trabalhados de forma superficial. Por exemplo, o autor não considera a extrema direita como uma ideologia, tratamento que entra em choque com os principais especialistas do tema, em especial Cass Mudle. Como consequência, Naím subdimensiona um dos elementos centrais da força política desse novo grupo político.

Um segundo adendo é importante vai a seguir: por mais que a obra distribua de forma relativamente equitativa as páginas para cada um dos pês, a pós-verdade parece ser o conceito mais importante para o autor, pois aparece de modo sub-reptício nos outros dois conceitos, em especial via alusão a divulgação da pseudociência e pseudodireito.

Disputa eleitoral nos EUA

Assumindo o espírito do trabalho de Naím, é possível utilizar os três pês para analisar a atual disputa eleitoral nos EUA. Especificamente, dois fatos merecem atenção: o atentado contra o candidato republicano Donald Trump e a escolha de um senador por Ohio, J.D. Vance, para vice-presidente.

O atentado contra Trump na Pensilvania é uma fonte profícua para a pós-verdade. Nesse sentido, cabe destacar que a postura inicial dos principais veículos de comunicação mostrou que o ceticismo que permeia diferentes espectros políticos e a opção por tratar o fato como possível atentado suscitam questionamento sobre a objetividade da imprensa, bem como reforçam em diferentes grupos a certeza sobre o “controle da mídia” por uma elite que está distante dos verdadeiros interesses do povo, logo, essa escolha também contribui para reforçar “a identidade” dos eleitores de Trump. Afora isso, é evidente que o atentado e a cobertura inicial dos veículos de imprensa alimentaram o desejo de “vingança” de parte do eleitorado norte-americano. Desse modo, haverá um reforço na opção por veículos de comunicação não tradicionais e a disposição por aceitar pseudociência.

A importância da “identidade” também foi evidente na convenção do Partido Republicano. Assim, ao invés de políticos tradicionais e importantes do partido, parte significativa do tempo foi ocupada por figuras de forte apelo popular. Essa opção dos republicanos expressa uma ação populista, pois busca sedimentar junto ao eleitorado a imagem de legítimos representantes do povo, e o partido transmite a mensagem de que a redistribuição de tempo se deve à alteração de poder no partido. Dessa forma, os anseios populares estariam representados. É dentro desse reforço da “identidade” popular que a escolha de J.D. Vance precisa ser considerada, uma vez que o político de Ohio é oriundo das camadas populares norte-americanas. Mais do que isso, até: ele construiu sua trajetória política e pessoal abordando a desigualdade econômica do Estados Unidos, bem como a deterioração do padrão de vida das camadas populares na América do Norte.  Ou seja, um típico representante from the bottom para o Make America Great Aggain. Então não seria populismo, mas sim uma escolha popular, certo? Bom, não há atribuições claras para o vice, além disso, um político forte e personalista como Trump topará distribuir poder?

Polarização na sociedade

Sobre a polarização, resta evidente que é uma caraterística da política dos Estados Unidos. E o atentado contra Trump, capturada na imagem do ex-presidente sangrando, com punho em riste à Frente da Bandeira dos EUA, dará o tom dessa polarização. Some-se a isso, os impactos da escolha de um vice que compreende em profundidade a disputa entre e povo e elite.

A saída de Biden colocará um cenário instigante: em que medidas os três pês serão utilizados pelo Partido Democrata? Não há como saber. No entanto, é possível vaticinar que a mimetização da postura da extrema direita pode ser tão ruim quanto perder espaço para esses atores.

Em suma, ainda que se questione algumas generalizações, a obra de Moisés Naím acerta no título, bem como na escolha de conceitos e ferramentas para a análise da atual conjuntura política. Na atual conjuntura sempre nos perguntamos: quem está se vingando? De quem? Será que a vingança alcança o alvo certo?

Fabio Andrade é economista, doutor pela Fundação Getúlio Vargas e professor da ESPM.


[1] Moises Naim foi entrevistado pelo Podcast Rio Bravo em março de 2020. Acesse ao episódio a partir do link a seguir: https://soundcloud.com/riobravoinvestimentos/podcast-584-moises-naim-o-fim-do-poder-como-conhecemos

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