Há tempos, talvez na pré-pandemia, não se via otimismo latente no setor de varejo, um dos mais impactados pela Covid-19. Xô, pra lá! O que se vê atualmente é a recuperação que teve seu start no final de 2023, e a melhora continuou nos dois trimestres deste ano. Segundo o BTG Pactual, impulsionada por uma melhor perspectiva macroeconômica.
Mas como nem tudo são flores, essa recuperação é gradual. Isso porque a discussão sobre a taxa Selic para 2024 permanece no centro das atenções (que pode impactar a desalavancagem das empresas), a carga tributária deve aumentar este ano. Ainda por cima o segundo trimestre foi marcado por enchentes no Rio Grande do Sul e pelas temperaturas mais altas em todo o país, evidenciando os desafios sobre as tendências do setor.
Expectativas
Os analistas do BTG Pactual traçaram algumas perspectivas com as principais empresas do setor varejista. Do Grupo Soma (SOMA3), eles esperam que a receita da Hering (isolada) cresça 4% a/a e que as vendas da Soma ex-Hering aumentem 10%. A Arezzo (ARZZ3), que o Acionista destaca neste mês juntamente com a Lojas Renner (LREN3), deve registrar um crescimento de 9% na receita líquida em relação ao ano anterior, com a margem Ebitda caindo 100bps (margem bruta -20bps a/a).
Já receita líquida de varejo da Renner, na análise do BTG, deve crescer ~3,5% a/a (SSS +1,5%, impactada pela chuva no Sul), com margem bruta de +30bps a/a e margem Ebitda +30bps a/a, em 17,9% (pós-IFRS16).
“Esperamos que sua divisão de financiamento ao consumidor registre números melhores em relação ao ano anterior (~R$15 milhões de lucro operacional vs. -R$53 milhões no 2T23)”, comentam os analistas.
A sempre majestosa Vivara (VIVA3) também deve crescer sua receita, na ordem de 19% a/a (receita bruta), embora com a margem Ebitda ex-IFRS16 caindo 10bps a/a, enquanto o Grupo SBF deve crescer sua receita (receita líquida) em 6% a/a. Sobre o Magazine Luiza (MGLU3), eles esperam que o GMV on-line cresça ~3% a/a (GMV consolidado ~5%; SSS +11%).
No segmento de alimentos, SSS deve crescer 3% a/a no Assaí (ASAI3), ou 4% sem efeitos de calendário (as vendas aumentaram 13%); no Carrefour (CRFB3), o SSS da divisão de varejo deve cair 1,5% a/a, enquanto o SSS do Atacadão deve crescer 5%. No farmacêutico, a expectativa é por resultados resilientes, com a receita da Raia Drogasil (RADL3) crescendo 16% a/a (SSS consolidado crescendo 9%).
“O valuation dos varejistas está mais barato do que nos últimos anos (a mediana de nossa cobertura é de 11x P/L para 2025 contra a média de 17x nos últimos 14 anos), e os KPIs operacionais melhoraram no 1S24 (reduzindo os riscos de queda nas estimativas), mas os desafios macro representam incerteza sobre o “momento de compra” (os investidores são sensíveis aos gatilhos de curto prazo).”
Segundo semestre chegou
Os analistas do BTG destacam cinco variáveis do desempenho do setor varejista para o semestre:
- Altos custos de financiamento e o efeito sobre a demanda do consumidor;
- renda familiar e os efeitos da desaceleração da inflação;
- capacidade dos varejistas de famílias de renda mais alta de sustentar o desempenho superior;
- alta alavancagem financeira e a busca pela consolidação do setor; e
- impactos da Reforma Tributária
Conforme o BTG, estes serão os tópicos que nortearão o varejo no segundo semestre.
“Embora a perspectiva macro dos varejistas tenha mostrado sinais de melhora no início de 2024, ainda esperamos uma recuperação gradual nos próximos trimestres, principalmente para a linha de receita (auxiliada pela expectativa de empréstimos mais fortes), enquanto as iniciativas de corte de custos devem continuar a aumentar a margem. O crédito deve desempenhar um papel vital na recuperação, já que a correlação entre a originação de crédito e as vendas no varejo desde 2014 é de 0,97, enquanto as taxas de juros médias e a inadimplência têm uma correlação de 0,74.”
Inadimplência
No 1T24 a inadimplência deu uma melhorada, uma vez que a expansão da carteira permaneceu sob controle, no que foi uma clara reversão de tendência depois de registrar índices de cobertura mais baixos até meados de 2023. “Nossa percepção é que as distorções causadas pela era pós-pandemia, enquanto as taxas crescentes e a inflação em espiral afetaram a qualidade das carteiras de crédito dos varejistas. Para o restante de 2024, acreditamos que as taxas mais baixas, a diminuição do endividamento das famílias e a consequente redução da pressão do pagamento de dívidas devem promover uma recuperação mais rápida do consumo.”
Aumento da aversão ao risco
Os varejistas caíram 17% no acumulado do ano, após a intensa aversão ao risco nos últimos meses. De acordo com os analistas, a falta de entradas de dinheiro na Bolsa brasileira, os números operacionais ruins em alguns setores e as taxas mais altas pegaram as ações dos setores desprevenidas.
“Os impactos do cenário macro sobre os players listados já devem estar bem compreendidos, e não vemos razão para que isso mude.”
Conforme análise do BTG, os betas calculados reforçam a tese. A explicação: “usando a amostra de 10 anos, o beta implícito do setor de varejo é de 0,85 (correlação de 0,74 com os retornos do mercado), em comparação com 1,0 para uma amostra de 5 anos. Isso se compara aos betas de 0,76 e 0,92 no mesmo exercício de um ano atrás. Em outro exercício, calculamos os betas de 26 empresas do universo de varejo usando uma série de dados mais curta, pois alguns players só fizeram IPO em 2019-21. Nesse cenário, o beta implícito de 1 ano foi de 1,37, enquanto o beta de 5 anos foi de 1,11. Isso se compara aos betas de 1,30 e 1,05 no mesmo exercício do ano anterior.”
Varejo: o Acionista destaca Arezzo (ARZZ3) e Lojas Renner (LREN3)
Duas potências do varejo brasileiro voltam ao radar após os números do 1T24: Arezzo (ARZZ3) e Lojas Renner (LREN3). Ambas passaram por um período crítico devido ao cenário macroeconômico e alguns fatores pontuais, como taxa de juros e enchentes no Rio Grande do Sul. Embora para alguns analistas os números da Arezzo não inspiram confiança, outros foram surpreendidos pelos resultados da Renner.
Arezzo
Para os analistas da Ágora tanto a Arezzo quanto o Grupo Soma tiveram resultados decepcionantes no 1T24, embora não muito longe das “expectativas reduzidas no nível operacional”. Conforme o relatório, “a Nova Companhia pró-forma teria aumentado as vendas líquidas em 2,9% na comparação anual, o Ebitda ajustado seria de R$ 319 milhões (vs. os R$ 320 milhões estimados pelo BBI) e o EBT cairia para R$ 54 milhões no 1T24 de R$ 83 milhões no 1T23 (35% abaixo do esperado pelo BBI por conta principalmente da SOMA)”.
Na opinião dos analistas da Ágora, os resultados do 1T24 não inspiram confiança para uma rápida recuperação dos preços das ações. “Acreditamos que sinais mais claros do dinamismo das marcas e indicações tangíveis da fusão serão fundamentais para reavaliar as teses. Mantemos nossa recomendação de Compra para ambas as empresas, com base na assimetria de avaliação (Nova Companhia em 11,5x o múltiplo P/L estimado para 2025 e sem sinergias operacionais), com preços-alvos inalterados (R$ 71,00 para ARZZ3 e; R$ 8,50 para SOMA3).”
Canal de lojas próprias se destaca
O lado bom sempre existe. Para o BTG Pactual esse lado bom da Arezzo é o canal de lojas próprias, aumento de 14% a/a, apoiado por 22 inaugurações nos últimos 12 meses.
“Enquanto o multimarcas teve um desempenho negativo, queda de 4% a/a (impactado por uma queda nas vendas da bandeira Reserva), as franquias cresceram 0,9% a/a e a plataforma de ecommerce cresceu 19% a/a. As vendas internacionais totalizaram R$ 113 milhões, uma queda de 4% a/a. O número de sapatos vendidos aumentou 1,3% a/a e o número de bolsas aumentou 5% a/a, enquanto o número de produtos de vestuário aumentou 0,7% a/a.”
Desde 2021, segundo o relatório do setor do BTG, consumo global, “tem sido impulsionado pela demanda reprimida e pelo aumento da poupança devido ao início da Covid19, principalmente entre as famílias de renda mais alta”. Conforme os analistas, o Brasil não está imune a essa tendência.
“Apesar de superar o desempenho do setor nos últimos dois anos, esperamos continuar vendo uma desaceleração nos próximos trimestres devido às pressões sobre a lucratividade de suas operações nos EUA, que esperamos começar a diminuir, e aos impactos na cadeia de suprimentos das enchentes no Rio Grande do Sul. O desempenho das ações provavelmente será influenciado principalmente pelas notícias sobre a fusão Arezzo-Grupo Soma “, comentam.
Ainda seguem otimistas e recomendam compra, por estes fatores: o crescimento resiliente do mercado local, impulsionado pelo e-commerce e pela expansão multicanal, e uma forte recuperação do consumo entre as classes de renda mais alta; e (a adição de marcas como Vans e Reserva.
“As ações são negociadas a 12x P/L para 2025, com um CAGR esperado de 15% entre 2023-27 para o LPA. Assumimos um custo de capital próprio (em USD) de 12% e um crescimento de longo prazo de 6% (também em USD).”
Resultados esperados
Para a Ativa, o 1T24 foi em linha, mas “trouxe pontos de atenção com relação a dinâmica das franquias e ao operacional da Schutz, que foram dois detratores”. Outro destaque dos analistas foi a rentabilidade como ponto negativo, em vista da pressão no exterior e de um aumento significante no SG&A.
“No mais, esperávamos um resultado mais fraco, influenciado pela forte base de comparação com os dois últimos anos, que poderiam pressionar esse desempenho. Reiteramos compra, enxergando uma empresa de alta qualidade com um valuation depreciado”, comentam.
O Itaú BBA ressalta que o trimestre foi marcado por uma desaceleração nas vendas em ambas as empresas, também afetadas por aumento de deduções devido a mudanças fiscais.
“Enquanto a Arezzo cresceu 4% em um ano, a Soma expandiu 1%, impactada negativamente pela Hering, que caiu 8% devido ao atacado mais desafiador. Em relação à rentabilidade, ambas as empresas reportaram ganhos de margem bruta, com Arezzo melhorando 0,5 pp diante de maior participação de canais B2C no mix de vendas e a Soma com avanço de 0,6 pp devido aos avanços na Hering, que expandiu a margem em 2,5 pp.”
O fato em desalinho é que esse desempenho foi ofuscado pelas despesas, segundo os analistas, com pressão na margem Ebitda de 0,5 pp em Arezzo e 0,1 pp em Soma.
“Ambas as empresas mostraram uma deterioração significativa do lucro líquido na comparação anual devido ao aumento de impostos, após fim do benefício de subvenção de ICMS. Para frente, esperamos que o foco esteja nas perspectivas de melhora no segundo trimestre, bem como em potenciais sinergias da fusão se materializando.”
Lojas Renner (LREN3) surpreende
“Os resultados da Renner superaram nossas estimativas (conservadoras) e mostraram tendências positivas tanto na divisão de varejo quanto nos serviços financeiros”. Assim avaliam os analistas do Itaú.
A margem Ebitda da uma das maiores empresas de vestuário do país, veio 1,0 ponto porcentual (pp) acima do número estimado pelo time de analistas, com margem bruta maior que o esperado (0,2 pp acima da projeção) e despesas operacionais mais baixas.
“A Realize continuou a mostrar tendências mais positivas, com melhores indicadores de crédito e uma redução de 24% nas provisões no trimestre. No geral, o desempenho da empresa apoia nossa visão construtiva sobre as perspectivas futuras. Uma combinação de melhores tendências de rentabilidade, melhor perspectiva para concessões de crédito e um múltiplo preço/lucro (P/L) 2025 atrativo de 12,6 vezes faz da LREN3 uma das nossas escolhas preferidas para o ano.”
Resultado 5 estrelas, diz Genial
“Foi um resultado digno de 5 estrelas! Mesmo diante de um trimestre sazonalmente fraco para o setor, a Renner entregou um forte resultado”, afirmam os analistas da Genial no relatório sobre o 1T24 da Loja Renner. “Uma dinâmica positiva tanto na vertical de Varejo, quanto de Serviços Financeiros – o que permitiu a entrega de um Ebitda e um lucro líquido acima de nossas estimativas e também do consenso do mercado”, comentam.
Conforme eles, a Renner se beneficiou de uma estrutura mais enxuta, uma maior alavancagem operacional e uma importante redução das despesas de provisionamento, e assim consolidou uma forte expansão do Ebitda (+50,6% a/a).
“Já esperávamos que a rentabilidade poderia ser um destaque no trimestre, contudo, ainda assim, fomos surpreendidos com a magnitude dele. O maior lucro operacional junto a um ‘impulso extra’ de maiores receitas financeiras levou a companhia a bater as nossas estimativas para o bottom line. O lucro líquido cresceu cerca de 3,0x em relação ao ano passado, também superando as expectativas do mercado (+409% vs. Consenso Bloomberg). A Renner deve se consolidar como a única empresa de vestuário em nossa cobertura a reportar um lucro líquido e uma geração de caixa positiva no trimestre. Reiteramos nossa recomendação de compra, com target price 12M de R$ 20,00.”
O BTG Pactual também recomenda compra. “Apesar da desaceleração das vendas nos últimos trimestres devido a uma base de comparação difícil e perspectivas mais desafiadoras para o consumo discricionário, e da pressão sobre os resultados da Realize impulsionado pelo cenário macro adverso – tendências que esperamos persistir no 2º trimestre”, comentam os analistas.
Somam-se a isso, os impactos das enchentes no Rio Grande do Sul. “Ainda vemos a Renner bem posicionada para ganhar participação de mercado no fragmentado segmento de varejo de vestuário brasileiro, dada a sua estrutura de cadeia de abastecimento de última geração; sua proposta de valor ainda sólida (preço e marca); e iniciativas omnichannel.”
Contudo, conforme o BTG Pactual, a empresa deve enfrentar mais concorrência de plataformas internacionais, com mais questionamentos sobre a agressividade da Shein e o modelo de baixo preço da Temu.
“Os desafios (concorrência e inadimplência) para acelerar a originação de crédito prejudicaram o crescimento recentemente. Mas os ganhos potenciais do novo CD (principalmente em termos de margem e por meio de maior produtividade), os benefícios de uma Selic em queda para o Realize e um valuation barato (LREN3 em 9x P/L para 2025) nos deixam otimistas em um horizonte de 12 meses. Assumimos um custo de capital próprio (em USD) de 12% e um crescimento de longo prazo de 5,5% (também em USD).”
XP não bota fé
O que seria do azul se todos gostassem do amarelo, já falavam nossos avós. Os analistas da XP Investimentos rebaixaram a Lojas Renner de compra para neutro. “Estamos rebaixando com novo preço-alvo para o fim de 2024 de R$18,0/ação, uma vez que acreditamos que o clima e o macro serão obstáculos para o crescimento e expansão de margem da companhia, com o segundo trimestre sendo um potencial gatilho para uma revisão negativa no lucro”, justificaram os analistas.
Para eles, embora o valuation continue descontado em relação aos níveis históricos, entendem que esse é “o caso para a maior parte da cobertura, enquanto a dinâmica dos resultados tem sido fundamental para definir o desempenho e posicionamento das ações de varejo.”
Além disso, os analistas consideram que o clima tem sido o inimigo do varejo. “As temperaturas anormalmente altas têm persistido nas principais cidades do Brasil desde o início do segundo trimestre e, em nossa opinião, comprometeram as vendas do Dia das Mães.”
Conforme a XP, outro fator importante a destacar é a dinâmica macro, que também não está ajudando. “Nos últimos meses, o cenário macroeconômico no Brasil se deteriorou, com a nova perspectiva apontando para um ciclo mais lento de corte de juros, aumento da inflação de alimentos e um dólar mais forte. Como resultado, ficamos mais cautelosos com relação a uma recuperação mais robusta do consumo no segundo semestre de 2024.”
Pontos que chamaram a atenção da Ágora
Os analistas da Ágora destacam o que chamou a atenção deles nos resultados do 1T24 da Renner:
Principais pontos positivos:
Recuperação sustentada do crescimento das vendas apoiada em volumes, aumento da margem Ebitda, apesar das comparações mais fracas; e melhoria na qualidade dos ativos da Realize.
Principais pontos negativos
Menor monetização na Realize (receita recuou 8,4%, abaixo dos -7,1% da carteira de crédito), impacto persistente das despesas do novo Centro de Distribuição; e a continuidade das chuvas no Rio Grande do Sul, onde a Renner possui 13% de sua área total de vendas e teve 3% do total de lojas temporariamente fechadas.
“Houve um claro progresso nas margens Ebitda do varejo, recuperação contínua do volume e melhoria sequencial nos serviços financeiros. Embora um tanto poluído, o rumo do lucro líquido da Lojas Renner agora é positivo, o que é naturalmente bem-vindo. Lembramos que o clima mais quente no 2T24 e, mais importante, a continuação das chuvas no estado do RS podem aumentar a incerteza sobre os potenciais impactos nos próximos meses.”
Perspectivas
No longo prazo, no futuro, os analistas da Ágora acreditam que as métricas a serem monitorados serão consistência no crescimento do volume de varejo, quanto o impacto do novo CD e despesas operacionais simplificadas podem aumentar adicionalmente as margens de varejo ao longo do ano, como e quando a Realize irá reacender o crescimento do portfólio e dar uma contribuição pronunciada para aumentar as vendas no varejo, sem comprometer a qualidade dos ativos. “Isto posto, mantemos a nossa recomendação de Compra e preço-alvo de R$ 20,00/LREN3.”
Desempenho das ações
As ações LREN3 acumulam queda de quase 10% desde o início do ano , o que demonstra, na opinião dos analistas do BB Investimento, um receio do mercado “frente ao poder da companhia para recuperar vendas e market share em meio a um cenário de manutenção dos juros em patamares ainda altos”.
Isso porque, de acordo com a própria Renner, o calor intenso e as enchentes na região Sul devem impactar as vendas no 2T24, “optamos por manter nosso preço-alvo de R$ 16,80 para o final de 2024 e a recomendação Neutra”.