Antes de mais nada, por favor, não confundam. O José Inácio, do qual falo nesta crônica, nada tem a ver com o José Inácio Pilar, editor e locutor de meus textos.
Meu tema é o José Inácio da Silva, caminhoneiro, em cuja carreta Scania 112 HW percorri, no banco do carona, durante quase um mês, estradas do Brasil para poder escrever o livro Carga Perigosa (Editora Objetiva, 2002) e, mais tarde, roteirizar a série Carga Pesada na TV Globo, aquela do Pedro e do Bino.
Tudo começou quando lancei meu best-seller Caixa-preta, que pulou rapidamente para primeiro lugar da lista dos mais vendidos, onde permaneceu ao longo de sete meses.
Numa entrevista à CBN, eles me perguntaram qual seria meu próximo projeto literário.
“Se eu encontrar um caminhoneiro” respondi, “que se disponha a me levar consigo em suas viagens, pretendo escrever uma ficção ambientada nas estradas brasileiras.”
O José Inácio da Silva telefonou para a emissora, se dispondo a me dar carona. Intermediados pela CBN, marcamos encontro num posto de combustível nas proximidades do aeroporto de Guarulhos. E nos demos bem desde o início.
Enquanto procurávamos frete no Terminal de Cargas Fernão Dias, fiquei três dias hospedado na casa do José Inácio em Guaianases. Até que surgiu uma “carga de empresa”, que é como os caminhoneiros denominam miscelâneas encaixotadas, para Pimenta Bueno e Vilhena, ambas em Rondônia.
Embora já fosse final de tarde, partimos no mesmo dia. Jantamos em Ourinhos e fomos dormir depois da divisa São Paulo/Mato Grosso do Sul, ele na própria carreta (que caminhoneiro nunca abandona), eu num motel à beira da estrada.
No dia seguinte, demos uma longa esticada de umas 14 horas até a próxima parada, já no Mato Grosso. Mesma coisa: ele dormindo na Scania; eu num motel.
Do Mato Grosso, passamos para Rondônia e chegamos em Pimenta Bueno.
Enquanto a carreta era descarregada, o Inácio desengatou o “cavalinho” (que é como eles chamam o cavalo mecânico), no qual fomos “assuntar” cargas em um posto de abastecimento onde os caminhoneiros se encontram justamente para isso.
Soubemos então que a safra de soja estava começando a ser colhida em Sapezal e Campos de Julho, ambas as localidades no Mato Grosso.
Nos 15 dias que se seguiram, transportamos soja dos silos desses locais para Porto Velho, Rondônia, onde os grãos eram transferidos para enormes barcaças que os levavam pelos rios Madeiras e Negro, de onde passavam para navios graneleiros com destino à Europa e à Ásia.
Em Porto Velho, concluí que já tinha material bastante para o meu livro e peguei um avião para o Rio de Janeiro com escala em Rio Branco (Acre) e Brasília.
Durantes esses longos dias e noites conversando com o Inácio, descobri que ele poupava dinheiro todos os meses.
Esses recursos eram usados na compra de terras e construção de loteamentos de casas populares na periferia de Londrina, Paraná.
Depois da viagem de carreta, continuamos conversando ao telefone. E fiquei sabendo que as “vilas do Inácio” não faziam outra coisa a não ser crescer. Ele não vendia as casas. Alugava e usava a renda do aluguel para construir mais.
Depois disso, ele não abandonou seu negócio imobiliário, mas acrescentou outro.
Contêineres costumam ter uma vida útil de aproximadamente 20 anos. Mas, após isso, eles servem para ser usados como escritórios rudimentares, bastando para isso cortar o metal com maçarico para fazer portas e janelas.
O Inácio trocou sua carreta por outra adaptável, para que os contêineres se encaixassem nelas, e passou a comprá-las no porto de Santos e levá-las para grandes obras como as de construção de barragens, hidrelétricas e rodovias.
Não satisfeito com os loteamentos de Londrina, e com o transporte de contêineres, José Inácio passou, ele mesmo, a transformá-los em escritórios, e até mesmo em alojamento de peões, sempre agregando valores.
Há alguns anos, perdi contato com o José Inácio da Silva. Tenho muita curiosidade em saber se ele se aposentou ou continua expandindo seus negócios, com sua capacidade inventiva e senso de oportunidade.
Nos dias maravilhosos nos quais viajei com o Inácio, fiz um diário de bordo, gravado em fita, cuja transcrição guardo até hoje.
Para encerrar essa crônica, vou reproduzir um pequeno trecho dessa transcrição, só para matar saudades.
“A gente vai agora parar aqui adiante, para dormir. Logo depois de Sonora, uns 15 minutos depois de Sonora, a lua nasceu vermelha, do lado direito daqui da estrada, portanto no leste, maravilhosa.
A lua parece uma lanterna de São João. Mas agora se escondeu por trás de uma nuvem. Foi um privilégio tê-la visto por alguns segundos. A lua nasceu dos lados de Goiás. A lua, quase cheia, está com o formato de um ovo. A lua agora tomou o formato de um cálice. As nuvens é que estão mudando a toda hora o formato da lua.”
Um ótimo fim de semana para vocês, caros amigos leitores e ouvintes.
Ivan Sant’Anna