Por Fabio Andrade
Uma constatação do nosso tempo: as novas abordagens econométricas[1] e os contemporâneos programas computacionais contribuíram para a evolução da avaliação de políticas públicas. Outro fato de nossa época: o recrudescimento da polarização política. Como consequência, a avaliação das políticas governamentais continua a pertencer ao campo da combinação entre técnica e arte.
(O fragmento acima é importante para qualquer análise de resultados das políticas do governo federal. Em uma leitura rápida, o preâmbulo deste texto pode suscitar dúvidas quanto aos interesses e objetividade do autor. Nota bene: eu assumo o risco)
Desse modo, postulamos: o governo federal elabora e implementa políticas públicas de maneira muito mais profissional em relação à administração anterior. Ainda assim, resta o desafio de conferir transparência às iniciativas diante de uma sociedade dividida.
Como consequência dessa profissionalização, as políticas públicas poderão ter impactos avaliados com o passar do tempo. E a tendência para tanto é mais forte no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
Em governos anteriores do Partido dos Trabalhadores, o MDS se destacava por conciliar implementação e montagem de base de dados de suas políticas. Além disso, a pasta oferecia transparência para a sociedade civil e abertura para pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento. Assim, a implementação das políticas de renda e de assistência social demandava articulação federativa, seja por definição de regulamentos, seja pela ação de sua burocracia, e o MDS se estabeleceu como uma espécie ilha de excelência dentro do governo federal.
O MDS e o Bolsa Família, sua principal política pública, foram reconstruídos em 2022, uma vez que, durante o governo Bolsonaro, houve clara orientação para o desmantelamento de políticas de renda e assistência social. A abordagem de desmantelamento remete a pesquisas de Paul Pierson, década de 1990, e Michael W. Bauer e associados, década de 2010. Os trabalhos de Pierson analisavam o desmantelamento sob um contexto do tamanho do Estado e forma de provisão de serviços públicos. Já as pesquisas de Bauer dialogam com a conjuntura de surgimento de grupos políticos de extrema direita, cuja atuação se caracteriza pelo questionamento das instituições.
A política de renda e as políticas de assistência social possuem alto potencial de geração de impacto. Logo, se candidatam a principais temas de êxito do governo atual. Com isso, são bem avaliadas pelos beneficiários. Em contrapartida, ainda existe muito estigma e percepção negativa sobre essa temática, conjunção que pode ser nociva para o governo.
Então, é só isso? Nada disso! Em verdade, essa leitura não poderia estar mais distante da realidade e de meu argumento. O governo federal comete muitos erros, pois em determinadas áreas a agenda que guia a formulação de políticas públicas é ruim, antiquada e descolada das evidências.
O excesso de objetivos e ações do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é, para dizer o mínimo, problemático. Isso porque dificulta o monitoramento de ações, dilata o número de agentes evolvidos e, por consequência, atrasa processos decisórios. É necessário considerar, ainda, o aspecto simbólico: a marca PAC induz à percepção de políticas ineficientes e sujeitas à corrupção (dado o recall da sigla).
Embora esteja sujeito à discussão, a área em que o governo federal mais enfrenta dificuldade é a de Segurança Pública. Nesse segmento, a fusão de resultados consistentes com concepções muito distintas entre membros do governo e sociedade civil resulta em problemas reais e má percepção do governo. O episódio envolvendo a fuga de prisioneiros em Mossoró em fevereiro deste ano é um sinal de que o governo ainda sofre para se comunicar com sociedade emplacar uma agenda propositiva nessa área.
No Brasil de 2024, a conjuntura política nacional não está sob Condições Normais de Temperatura e Pressão (CNTP). Como consequência, a formulação e a implementação de políticas do governo parecem representar um esforço para lidar com essa realidade. Por outro lado, na avaliação, em especial, a ausência de gestão da percepção mostra que o governo não sabe lidar com esse cenário.
Fabio Andrade é economista, doutor pela Fundação Getúlio Vargas e professor da ESPM.
[1] Uma das principais evolução neste campo é a técnica do Randomized Controlled Trial (RCT). Em que as políticas públicas são formuladas considerando um grupo beneficiário e um grupo controle, alternativamente, o caso específico e seu contrafactual. A avaliação é feita considerando a diferença nos resultados gerados entre os dois grupos. As avaliações RCT são ilustradas nos trabalhos de Esther Duflo, Abhijit Banerjee e Michael Kremer, trio laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 2019.
O post Um esboço de análise das políticas públicas do novo governo Lula apareceu primeiro em Rio Bravo Investimentos.