Entrevista com Edgard Gouveia Júnior, cofundador da LiveLab, laboratório vivo de inovação social, onde foi CEO, do Instituto Elos, dos Guerreiros Sem Armas e do Oasis Game (até 2010). Sócio do Projeto Cooperação e CEO da Epic Journey. Palestrante em diversos TEDx e em eventos corporativos e consultor nacional e internacional – na Europa, América do Norte e Ásia, onde aplica ferramentas de inovação social como World Café, Open Space, Danças Circulares, Comunicação não Violenta, Jogo Oasis e Jornada X. Graduado em Arquitetura pela Universidade Católica de Santos (1993), com pós-graduação em Jogos Cooperativos pela UniMonte (2002). Professor de pós-graduação em Pedagogia da Cooperação na UNIP (Universidade Paulista).
Acionista – Seu currículo e formação impressionam pelo empreendedorismo e grande dinamismo. O senhor criou, entre outras organizações, m laboratório de inovação social: a LiveLab. Poderia abrir esta entrevista apresentando essa organização aos leitores do Portal Acionista?
A LiveLab é uma organização não governamental, criada em outubro de 2014, por um grupo de sonhadores: Fernanda Camargo Ravanholi, Edgard Gouveia Júnior, Iva Glady Takami Duarte e Tiago Ruprecht.
A inspiração para a criação da LiveLab surgiu durante o período em que Fernanda e eu compartilhávamos uma residência no Centro de Parati, após um período sabático meu, de volta ao mundo, durante o qual desenvolvi o Play the Call, um jogo que hoje é conhecido como Jornada X.
O estímulo e desafio da Fernanda foram imprescindíveis para que a LiveLab nascesse, e para que nós, fundadores, nos engajássemos no propósito de realizar jogos e iniciativas por todo o Brasil; atualmente, em todo o planeta.
A missão da LiveLab é mobilizar crianças, adolescentes e jovens a serem agentes de mudança em suas próprias vidas e comunidades. Nós os encorajamos a assumir papéis de liderança em suas comunidades, a serem os protagonistas do movimento dentro de seus territórios e a trabalharem e criarem juntos projetos para transformar suas realidades e melhorarem suas vidas.
Acionista – O senhor poderia discorrer mais sobre o papel das crianças, adolescentes e jovens no trabalho da LiveLab?
Desafiamos crianças, adolescentes e jovens a se imaginarem como super-heróis e a formarem grupos de amigos. Quando vários estão unidos em um time, eles se tornam imparáveis! Diante de propósitos motivadores, nesses grupos, a timidez pode se transformar em coragem, e a criatividade de um pode inspirar o outro.
Procuramos inspirá-los com questionamentos saudáveis, tais como: qual é o local dos seus sonhos? Qual é o seu sonho para esse local? E vários outros. Os adolescentes, geralmente, têm uma visão clara do que desejam e são bastante críticos. Eles percebem a falta de árvores e espaços para as crianças brincarem, por exemplo. No entanto, eles foram criados e condicionados a seguir limitações impostas pelos adultos, ouvindo que as crianças não podem, não sabem, não têm, não merecem, não pertencem e não conseguem realizar certas coisas. Mas esta não é a realidade.
Na LiveLab, temos nos perguntado: como podemos criar um ambiente que permita que as crianças, os adolescentes e jovens aproveitem ao máximo suas capacidades, das quais já são naturalmente dotados? Como criar um ambiente onde esses seres humanos possam florescer, envolvidos em brincadeiras, aventuras, em uma jornada épica e altamente motivadora? Nosso propósito, em suma, é ajuda-los a criar projetos e construi-los, de maneira compartilhada e com diversão.
Acionista – O senhor menciona a palavra propósito algumas vezes. A força do propósito e muito valorizada nas organizações. Como é possível perseguir um propósito, galvanizando os esforços dos envolvidos nessa busca e viabilizando a adoção de práticas imprescindíveis para criar o futuro (como as práticas ESG)?
Respondo de uma forma bem simples à sua pergunta: o propósito pode ser buscado por meio de experiências compartilhadas pelas pessoas e muito, muito divertidas. Esta não é a única forma de perseguir um propósito organizacional, mas não tenho dúvida de que é uma das mais poderosas.
É por meio do compartilhamento e da diversão que se pode extrair o melhor dos grupos de pessoas que se organizam para realizar grandes coisas, criando, inclusive, o que costumamos chamar de organizações. Por quê? A diversão é extremamente eficaz em extrair o melhor que cada um de nós pode oferecer. E atuando em um grupo que se diverte muito, somos capazes de fazer muito mais!
Há alguns anos criei os 4 “F” – Fast, Free, Fun & Fantastic. Esta é a forma que uso para sintetizar como a busca de um sonho pode ser alcançada, quando existe compartilhamento e diversão.
Acionista – Como nasceram os 4 “F” – Fast, Free, Fun & Fantastic? O que o inspirou nessa criação?
Os 4 “F” foram criados durante um extenso período sabático ao redor do mundo e facilitam explicar o meu pensamento – tudo o que aprendi ao longo de muitos anos de estudos e muito trabalho. Em português, os 4 “F” significam: rápido, sem custos, divertido e com resultados espetaculares. Gosto de iniciar minhas palestras com a pergunta: “E se fosse possível construir o mundo dos nossos sonhos de forma rápida, sem custos, divertida e com resultados espetaculares?”. Muitas sorriem quando eu lhes apresento esse desafio.
Sobre a inspiração mencionada em sua pergunta, esta veio de algo simples, mas muito poderoso, ocorrido em minha infância: gincanas. Em outros países, quando eu explico o conceito de gincanas, as pessoas frequentemente se emocionam, pois não tiveram a experiência desses eventos, algo que a maioria dos brasileiros já conhece. Essa experiência da minha infância foi a primeira grande inspiração que me levou à síntese magnetizadora dos 4 “F”.
Mas a minha inspiração também veio dos mutirões dos quais participei no Estado de São Paulo, com os caiçaras no litoral paulista e os caipiras no interior. Para mim, era difícil compreender como um grupo de famílias se unia alegremente e construía uma casa em um único final de semana, ou como aravam toda uma terra e ainda celebravam à noite! Estas eram realizações que, se ocorridas de outra forma, levariam muito mais tempo!
Com o passar do tempo, compreendi que não basta criar experiências compartilhadas por pessoas. O elemento diversão também é imprescindível e faz muita diferença no momento de realizar grandes coisas. Juntos, compartilhamento e diversão podem criar grandes realizações. E ajudar uma organização a alcançar o seu propósito.
Acionista – Suas palavras nos levam a refletir sobre a pirâmide clássica das necessidades humanas do psicólogo norte-americano Abraham Maslow, ensinada nos cursos de administração. Maslow identificou necessidades fisiológicas, de proteção e segurança, sociais, de estima e de autorrealização. Como conectar o compartilhamento, a diversão e os 4 “F” com essas necessidades?
As organizações podem trabalhar de diferentes formas, em busca de satisfazer as necessidades dos seres humanos. A meu ver, com base em anos de estudos e experiências com gincanas e jogos, o compartilhamento efetivo e a diversão tornam a realização de necessidades humanas muito mais eficaz, com um mesmo montante de recursos financeiros aplicados em resolver problemas. Compartilhamento, diversão e os 4 “F” podem ser aplicados a todas as dimensões identificadas por Maslow.
Imaginemos, por exemplo, uma organização fictícia que necessita resolver algum problema ambiental criado por ela própria em uma comunidade (em economia, isto é tratado como sendo uma externalidade). Não tenho dúvida de que se as pessoas que atuam nessa organização adotarem maneiras criativas de envolverem os integrantes da comunidade na busca de soluções, criando compartilhamento e diversão, as soluções criadas serão muito, muito mais efetivas, para um mesmo montante de recursos financeiros envolvidos.
Neste exemplo acima, vejo duas formas de a organização trabalhar: de uma maneira que chamarei aqui de tradicional, ou por meio do compartilhamento e da diversão, de vivências que contenham esses dois elementos. A diferença nos resultados pode ser espetacular.
Acionista – Acredita, realmente, ser possível resolver problemas importantes por meio de gincanas ou de eventos congêneres, que sejam compartilhados pelas pessoas? Isto não seria por demais otimista?
Sim, acredito sinceramente na possibilidade de gincanas e vários outros eventos resolverem problemas importantes, desde que existam dois elementos-chave, antes mencionados: compartilhamento e diversão. O fazer junto, se divertindo. Os dois ingredientes precisam existir juntos, materializando os 4 “F”: Fast, Free, Fun & Fantastic.
Ao mesmo tempo, é importante deixar claro: a questão central do que eu defendo não é a gincana ou outro evento dessa natureza per se. A ideia básica que divulgo com o meu trabalho é: quando fazemos algo juntos e nos divertindo, isso cria realizações poderosas.
Consideremos o exemplo da gincana. Quem participou de uma gincana, sabe como ela pode ser divertida. Em algumas cidades do Rio Grande do Sul, essa tradição ainda persiste, com equipes enormes – por vezes, com cerca de 500 pessoas! –, e todos participando de missões impossíveis, com poucos recursos, prazos exíguos, de forma simples e divertida. O importante é que todos se envolvam na aventura, riam e se divirtam.
Essas grandes gincanas envolvem crianças, pais, avós, famílias e outras personagens da comunidade, como padres. São jogos para que todos participem. Com um olhar atento, as gincanas testam habilidades humanas, mostrando o poder que os moradores de uma cidade inteira têm para realizar missões consideradas inatingíveis.
Até aqui, eu falei das gincanas, mas existem outras formas de impulsionar realizações. Pensemos no carnaval, por exemplo, no entusiasmo de muitas pessoas que se empenham para que tudo dê certo. E em outras festas populares do nosso País. Se existir propósito, compartilhamento da luta e alegria, o poder de realização será impressionante.
Acionista – Como considerar outros esforços compartilhados pelas pessoas, nos quais não se tenha, necessariamente, o elemento “diversão”, já que nem tudo pode ser divertido?
Quando eu era criança, tinha o sonho de salvar o mundo, os ecossistemas naturais, os animais, a biosfera. Com o passar do tempo, o crescimento me trouxe uma pergunta à mente: como mobilizar mutirões em todo o mundo? Minha preocupação era com a inércia capaz de paralisar as pessoas face a uma catástrofe. Como evitar que eventos como o Holocausto se repetissem?
Acredito ser importante que se tente alcançar melhorias para a humanidade por meio de lutas, protestos, greves e outros movimentos legítimos de reivindicação de direitos. Ao mesmo tempo, também acredito na energia transformadora de fazer grandes coisas acontecerem, de forma compartilhada e divertida. Existe energia transformadora nas gincanas, no carnaval, nas festas juninas e em vários outros eventos culturais. É possível mais do que fazer: fazer compartilhando e se divertindo.
As pessoas mais simples criavam e criam, no Brasil, o espetáculo mais luxuoso do mundo que é o carnaval. Eu pensava: se nosso povo tem esse poder, se não é o poder econômico que realiza tudo isso, de onde vem essa energia que encanta o mundo? Sem perder de vista a importância dos recursos financeiros para viabilizar projetos, digo: essa magia não vem do dinheiro, a fonte é outra: os próprios brasileiros!
Acredito que em nossa cultura brasileira, temos um poder de transformação que não estamos aproveitando, e há diversos exemplos disso: a energia do futebol, dos esportes, das festas juninas, do carnaval, das gincanas, dos mutirões. Se abordássemos com seriedade esse poder de mobilizar as multidões para o bem, nada nos deteria. Se o Brasil organizasse um carnaval para salvar a Amazônia, poderíamos alcançar esse objetivo em três anos ou até menos, e mobilizando todo o planeta.
Acionista – Como trazer o elemento “diversão” às organizações e à busca do seu propósito?
Sua pergunta é muito importante e, de pronto, observo: atividades lúdicas não estão proibidas nos grandes desafios – o alcance de um propósito é um tremendo desafio! Mas voltemos ao foco, já que o evento em si não é o epicentro: quando fazemos algo juntos e nos divertindo, isso cria realizações poderosas.
Acredito que a criação de uma cultura organizacional que valorize o compartilhamento e a alegria no trabalho faz emergir nas pessoas o que elas têm de melhor. Em minha visão, é a maneira mais inteligente de administrar, em contraponto ao estímulo da competitividade interna e da criação de tensões negativas e falsamente produtivas. Em minha visão, é preciso trabalhar para que se crie a cultura que permitirá aflorar o melhor que as pessoas têm a oferecer.
As organizações que operam no Brasil têm um potencial tremendo a desenvolver: os próprios brasileiros! O povo brasileiro tem criatividade, alegria e é capaz de grandes realizações. Temos muito a oferecer ao planeta, à sociedade global e às organizações: alegria, calor humano, capacidade de acolhimento, poder de transformação, criatividade e um potencial imenso de desenvolver múltiplas capacidades… tudo isso enquanto nos divertimos.
É no campo da diversão que algo mágico acontece. Quando nos divertimos, saímos da nossa versão comum, ordinária, para a nossa versão extraordinária. Todos temos nossa versão ordinária, aquilo que fazemos no dia a dia. A versão extraordinária surge de tempos em tempos e nos dá o poder de realizar as transformações que tanto desejamos. Muitos dirão: muitas de nossas atividades são corriqueiras e não exigem tanto assim de nós. Mas é preciso cuidado: a necessidade de mudanças fundamentais pode ser percebida precisamente em algo que parece… corriqueiro.
Por fim, enfatizo: não se deve negligenciar a importância dos sistemas de recompensas de pessoas nas organizações – ao contrário, entendemos que eles são muito importantes e criam motivação. Mas se queremos ir mais adiante e obter das pessoas o melhor que elas têm a oferecer, é preciso pensar em mudança cultural, fundamentada em compartilhamento e diversão. É preciso ir além.
Acionista – Como é possível liderar, nas organizações, para criar uma cultura de compartilhamento e diversão no que se faz?
Muitas pessoas têm o hábito de se concentrarem no que é negativo, triste. Infelizmente, isso se espalha muito mais facilmente, mas pode levar ao fechamento, à falta de esperança, à depressão. Ao mesmo tempo, há pessoas que são capazes de, mesmo em tempos de enorme tristeza, de cantar, contar piada, sorrir, e mesmo de gargalhar.
Acredito que os líderes realmente necessários para o planeta e as organizações devem ter a capacidade de contar boas histórias, as quais inspirem ações coletiva e motivação, mesmo diante de uma realidade por vezes triste e difícil. Grandes líderes devem ser craques em storytelling. E devem contar histórias inspiradoras!
Em suma, o principal desafio dos líderes é ajudar as pessoas a liberarem, para o mundo, suas melhores versões de si mesmas. E o storytelling é uma ferramenta fantástica, com enorme poder transformacional.
Acionista – Sua experiência em conduzir dinâmicas e vivências, por meio de jogos, o levou a ser reconhecido internacionalmente como um “Crowd Designer” e “Social Igniter”. Sua agenda de trabalho é impressionante. Poderia discorrer brevemente para os nossos leitores sobre suas experiências?
Tenho viajado frequentemente entre Santos (onde resido) e São Paulo, bem como para países como a Islândia, África do Sul, EUA e Indonésia. Sinto-me feliz com os resultados alcançados por jogos desenvolvidos pela LiveLab, tais como: Jornada X, Primavera X, Jornada In Company X e Gincana X. Todos são ferramentas poderosas de inovação social. O “X” representa rapidez, liberdade, diversão e fantasia. Esses jogos têm sido usados para engajar jovens em todo o mundo, especialmente na transformação da educação.
Eu gostaria de enfatizar a importância de eventos internacionais, como o da Islândia. As ferramentas e dinâmicas que temos utilizado ajudam a quebrar um ciclo formal de discursos e a promover a alegria e o brincar juntos.
Gostaria, também, de destacar as parcerias que temos feito com vários entes da Federação, como em Caruaru, Pernambuco, onde 40 escolas participaram da Gincana X e alcançaram resultados notáveis. Menciono também o SOCAP, um grande evento de investimento social em São Francisco, nos Estados Unidos, onde aplicamos dinâmicas da LiveLab para milhares de participantes de todo o mundo, incluindo filantropos e bilionários.
Participamos, recentemente, do Congresso do IBGC e foi muito gratificante. No cerne de nossa mensagem reside a importância de criar um ambiente de brincadeira e alegria. Sinto-me desafiado, nesses eventos, a explorar com os presentes as amplas potencialidades da colaboração e da brincadeira, que são capazes de impulsionar com eficácia e velocidade muitas transformações.
Acionista – Finalizando, qual é a sua mensagem para que iniciemos 2024 com muita energia e dispostos a realizar coisas boas e mesmo grandiosas?
Relembro Rodrigo Alonso, do Instituto Elos: “É melhor você brincar, viu? Senão, vai ter que trabalhar”. Voltemos, portanto, a brincar, a nos divertir! Isso contagiará as pessoas ao nosso redor, os familiares, amigos, vizinhos e várias outras. Aproveito para sugerir a todos que se aproximem de seus amigos, que os procurem para se divertirem juntos e celebrarem a vida. Não deixem para amanhã, pode ser muito tarde. O tempo é um bem precioso e dele, é importante bem usufruir; afinal, é de tempo que a nossa vida é feita!
Leia também a entrevista com Edgard Gouveia Júnior na Revista RI – Relações com Investidores: