A associação Soluções Inclusivas Sustentáveis, entidade sem fins lucrativos, lançou no último mês de setembro estudo com recomendações para que o regulador do mercado de capitais brasileiro, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), fortaleça a consideração de fatores climáticos e socioambientais nas normas de sua competência.

O estudo analisou documentos públicos de 60 empresas listadas na B3 (amostra que representa 56% do valor de mercado das ações negociadas na Bolsa de Valores) para entender em que ponto se encontra o mercado no que se refere a práticas de cunho Ambiental, Social e de Governança (ASG), já considerando as alterações no relato de informações previstas na Resolução CVM 59/2021, que ampliou o leque temático da agenda ASG no mercado de capitais, agora incluindo temas climáticos e alguns temas sociais, além de menção aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

De acordo com a Resolução, exige-se, entre outros tópicos, que as empresas divulguem no Formulário de Referência (documento que todas as companhias de capital aberto devem encaminhar à CVM, sendo uma fonte importante de consulta para investidores) informações sobre a composição de sua força de trabalho, incluindo a identidade autodeclarada racial com base na atividade desempenhada, na localização geográfica e conforme níveis hierárquicos.

Uma das conclusões do levantamento é a de que 11,6% das empresas da amostra não divulgam estas informações. Apesar desta não conformidade parcial com a norma da CVM, é positiva a constatação de que a maioria das empresas têm conhecimento sobre a composição racial de sua força de trabalho, desde áreas operacionais até Diretoria e Conselho.

Quanto mais transparência, melhor para o investidor

Este maior nível de transparência permite a investidores tomar melhores decisões de investimento conforme suas teses de alocação de recursos em ativos com bom desempenho socioambiental e climático, algo tão em voga atualmente no mercado de capitais (e mercado financeiro em geral).

Neste ano, inclusive, a B3 lançou um índice de ações composto por companhias que se destacam no quesito diversidade, o IDIVERSA B3. Este é o décimo  de um grupo de índices ESG da Bolsa, do qual o primeiro foi o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial, que reflete o desempenho médio das cotações de ativos de empresas selecionadas pelo comprometimento com a sustentabilidade empresarial, conforme metodologia da B3), criado em 2005, mas há também muitos outros, como o IGPTW (Índice Great Place to Work, que reúne melhores empresas para se trabalhar), o ICO2 B3 (Índice Carbono Eficiente, composto por ações de companhias que adotam práticas transparentes com relação a suas emissões de gases de efeito estufa) e o IGC (Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada).

O IDIVERSA B3 pretende fomentar a diversidade como tese de investimentos, permitindo a comparabilidade entre empresas e levando-as a adotar boas práticas. As ações que compõem a carteira do índice precisam seguir critérios de liquidez (índice de negociabilidade – medida de volume de negócios de um ativo na Bolsa – de 99%, presença em pregão de 95% e não ser uma ação penny stock – com valor inferior a R$1) e os seguintes critérios de diversidade:

  • ter um Score Diversidade B3 (que mede quão próximo da realidade brasileira é a presença do gênero feminino, de pessoas negras e pessoas indígenas na empresa) maior ou igual à média subtraída do desvio padrão do setor econômico;
  • ter pelo menos um representante dos grupos sub-representados no Conselho de Administração, como membro efetivo;
  • ter pelo menos um representante dos grupos sub-representados na Diretoria Estatutária.

Apesar do avanço que a criação deste tipo de índice representa, é preciso falar sobre a metade vazia do copo: ao se consultar o Formulário de Referência (fonte de informação para a construção do IDIVERSA B3) do Banco do Brasil (ação com maior participação no índice atualmente), constata-se que pretos e pardos, no final do ano de 2022, representavam apenas 23,47% das pessoas em cargos de liderança na instituição. Este percentual está muito distante dos 55,2% de pretos e pardos que compõem a força de trabalho no Brasil (dados do IBGE de 2021).

Pessoa negra ainda ganha menos que pessoa branca

Outra grande lacuna a ser observada é a desigualdade salarial em termos de raça. Estudo do Núcleo de Estudos Raciais do Insper aponta que, entre empresas listadas na B3, pessoas negras em cargos de Diretoria recebem, em média, 75,5% do salário de uma pessoa branca; o percentual é de 68,2% em cargos de gerência e 57,3% para demais funções.

O levantamento da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis identificou que apenas 7,7% das empresas da amostra divulgam voluntariamente (uma vez que não consta na Resolução 59/2021 da CVM) a diferença na remuneração média para a mesma função conforme critério de raça. O estudo sugere que o regulador do mercado de capitais torne obrigatório o relato dessa informação no Formulário de Referência, algo que já consta no Formulário do ISE (tanto para gênero quanto para raça), devendo ser informado por empresas que almejam fazer parte do Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3.

Aprimoramentos na regulação do mercado de capitais como os já realizados pela Resolução CVM 59/2021 são bem-vindos e já se observam melhorias na divulgação de informações ASG pelas empresas listadas na Bolsa de Valores. Mas existe uma distância entre transparência e mudança efetiva. Apesar de o “diagnóstico” sobre a situação atual da questão racial estar avançando, ainda existe um longo caminho para o total atingimento da equidade racial nos quadros de pessoal destas companhias.

Por Daniel de Souza Araújo, Mestrando em Administração de Empresas pela FGV, Diretor de Comunicação e Relações Institucionais da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis

(Enviado por Aviv Comunicação)

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