O Congresso recebe nesta quinta (31) o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2024, que, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai prever uma meta de déficit primário zero. Além disso, o governo deve propor medida que prevê o fim do mecanismo de distribuição de Juros sobre Capital Próprio (JCP) por empresas. A expectativa é que o fim do mecanismo de JCP gere uma arrecadação de R$ 10 bilhões em 2024. A MP das subvenções, por sua vez, tem impacto estimado em aproximadamente R$ 37 bilhões no mesmo período.
Outros governos tentaram, em vão, eliminar o pagamento de JCP, que foi criado na época da hiperinflação, quando o dinheiro em caixa das companhias ficava investido no overnight e se multiplicava – em termos nominais. As empresas acabavam pagando imposto de renda sobre algo que não era lucro de fato. Há 29 anos, o Plano Real reduziu a inflação brasileira para níveis civilizados, mas o JCP continuou.
Na prática, hoje ele funciona para reduzir a base de cálculo de Imposto de Renda das empresas, já que o JCP é retirado do lucro tributável. Ao optar por esta forma de remuneração em vez da distribuição de dividendos, as empresas podem deduzir o valor distribuído do seu lucro tributável.
“De acordo com nossas conversas com especialistas, o fim do JCP está sendo mencionado agora como uma alternativa para aumentar a arrecadação do governo. A tributação sobre dividendos (e outras mudanças no imposto de renda) poderá ser considerada posteriormente, provavelmente após a aprovação da reforma tributária sobre o consumo”, comentam os analistas da XP.
O impacto
Segundo eles, as 10 companhias da cobertura mais negativamente impactadas são: Ambev (ABEV3), Bradesco (BBDC4), BTG Pactual (BPAC11), Guararapes (GUAR3), Hypera (HYPE3), Lojas Renner (LREN3), Multiplan (MULT3), Rede D’Or (RDOR3), Sanepar (SAPR11), Vivo (VIVT3). “Olhamos para empresas que foram as mais afetadas em ambos 2021 e 2022, para desconsiderar distorções mais pontuais; para os setores, os mais impactados são: saneamento, bancos, saúde, varejo e bens de capital.”
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Acabar com o JCP é uma das medidas do governo para cumprir a meta de déficit zero, mas não há nenhum indício de que esta será a palavra final sobre o assunto e a proposta deverá ser discutida à frente. Nesta segunda fase, a expectativa é de que a apresentação seja feita apenas após a PEC 45, no último trimestre do ano, empurrando a pauta para 2024, diz a XP.
Conforme reportagem da Infomoney, nos últimos dias, diversas casas têm destacado os impactos específicos. O Goldman Sachs apontou que uma potencial redução ou remoção do benefício fiscal de juros sobre o capital próprio traz novamente à tona um fator de risco chave para Vivo (VIVT3) e TIM (TIMS3) – em contraste com os fortes ventos favoráveis do lado operacional para ambas as empresas.
“As empresas de telecomunicações são os principais usuários do benefício fiscal de JCP. Uma remoção direta, sem fatores atenuantes, impactaria nossas estimativas de ganhos para 2024 em aproximadamente 20% para Vivo e em cerca de 15% para TIM”, avaliam os analistas do Goldman.
O Itaú BBA, por sua vez, também fez uma análise sobre os setores de varejo, diz a publicação. “Além do impacto do JCP, o banco destaca ainda a medida provisória para regulamentar decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que limitou subvenções federais originadas em incentivos tributários estaduais.”
“Para o banco, a importância deste desdobramento reside na tentativa do governo de aplicar um imposto de renda aos benefícios fiscais do ICMS, particularmente a classificação de ‘subsídio de custos’.”
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O que é Juros Capital Próprio?
Segundo a Lei das S.A., as empresas de capital aberto no Brasil devem distribuir no mínimo 25% dos seus lucros aos acionistas. As empresas brasileiras podem distribuir os lucros aos investidores de duas formas: dividendos ou Juros sobre Capital Próprio (JCP).
Menos famoso que os dividendos, JCP é outra forma bem comum de distribuir proventos aos donos de ações da empresa.
Porém, com uma diferença: essa opção também beneficia as empresas. Isso porque o pagamento de JCP entra no balanço das companhias como despesa financeira, ou seja, é deduzido da base de cálculo para os impostos.Além disso, por serem isentos para a empresa, o Juros sobre Capital Próprio costumam ser pagos com maior frequência. Outra diferença é que, enquanto os dividendos são isentos de impostos para o acionista, o JCP tem incidência de impostos com alíquota de 15%.
Como ficam as empresas?
Segundo a Rico, o fim do pagamento de JCP afetaria a base de cálculo de incidência de impostos de empresas. Sem essa despesa, o valor-base sobe, e com isso o valor devido pela empresa à Receita Federal aumenta em termos absolutos.
“Assim, o fim do Juros sobre Capital Próprio ou mudanças que possam incluir o fim dessa isenção tributária podem impactar as finanças de uma empresa. No entanto, é provável que muitas companhias optem por implementar mudanças nas suas estratégias em termos de tributação, buscando maior eficiência para a redução de custos em um sistema novo — isso caso o pagamento de JCP tenha de fato alguma mudança.”
A recompra de ações, por exemplo, é uma opção utilizada por muitas empresas estrangeiras para otimizar a redistribuição de resultados a seus acionistas. Essa estratégia diminui o número de cotas em circulação e tende a valorizar os preços dos ativos.
Não tome decisões precipitadas – Apesar dessa discussão causar bastante incerteza e, potencialmente, poder ter um impacto negativo sobre algumas empresas, ainda é cedo para tirar conclusões ou tomar decisões de investimento com base nessas informações.
Diante do cenário político atual, entendemos que o tema deve ser discutido posteriormente em um contexto maior de reforma tributária no país, depois da discussão de mudanças na tributação sobre o consumo. Logo, não é hora de tomar nenhuma decisão precipitada em relação aos seus investimentos, em resposta a essa possível mudança. “A cautela, diversificação e foco nos seus objetivos de longo prazo seguem as melhores estratégias para sua carteira de investimentos.”
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse que a medida, sem contrapartida, aumentaria o custo do crédito e os juros ao consumidor. “A hipótese de simplesmente retirar o JCP ou instituir a tributação sobre os dividendos distribuídos aos acionistas, sem nenhuma outra medida em contrapartida, se traduziria em significativa elevação da carga tributária sobre as empresas e seus acionistas em todos os setores da economia”, afirmou a entidade em nota.
“No caso do setor bancário, maior tributação implica em elevação do custo do crédito e taxas de juros mais altas para os tomadores de crédito, famílias e empresas”, disse a Febraban. “Crédito mais caro significa menos consumo e investimento, menos crescimento econômico, menos renda e mais desemprego.”
Uma das jabuticabas do mercado financeiro nacional está ameaçada de extinção. A reforma do Imposto de Renda deve propor o fim do juro sobre capital próprio, uma forma de distribuição de lucros aos acionistas que só existe no Brasil.
(Fontes: XP; Infomoney; Rico)
Reforma tributária beneficiará ao menos 82% dos municípios, prevê Ipea
O texto da reforma tributária aprovado na Câmara dos Deputados e que tramita agora no Senado vai beneficiar ao menos 82% dos 5.568 municípios brasileiros e 60% dos estados. A avaliação consta de estudo divulgado nesta segunda-feira (28) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento e Orçamento.
O documento Impactos Redistributivos da Reforma Tributária: Estimativas Atualizadas foi elaborado pelos pesquisadores Sérgio Gobetti e Priscila Monteiro e faz uma comparação de como ficará a arrecadação de estados e municípios.
O estudo comparou as receitas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Serviços (ISS) obtidas em 2022 por todos os municípios e estados do país com as que teriam sido verificadas em caso de vigência do novo modelo tributário, que prevê um imposto sobre bens e serviços de base ampla e cobrado no destino, ou seja, no local de consumo.
O levantamento detalha que, apesar de a reforma beneficiar 60% dos estados individualmente, se for levado em consideração que alguns governos estaduais perderão participação no bolo tributário, porém cidades desse mesmo estado ganharão participação, compensando as perdas, o percentual de unidades federativas (UFs) beneficiadas será de 78%.
Mais pobres beneficiados
O Ipea constata que os entes ganhadores com a reforma são, em geral, estados menos desenvolvidos e municípios mais pobres. De todas as cidades que têm Produto Interno Bruto (PIB) per capita (valor de todas as riquezas produzidas dividido pelo número de habitantes) inferior à média brasileira, 98% serão beneficiadas. Do grupo das 108 cidades populosas e pobres (G100, criado pela Frente Nacional dos Prefeitos – FNP), 98% serão ganhadoras com a reforma.
Entre as grandes cidades, registram-se ganhos para 59% das capitais e 72% das que têm população superior a 80 mil habitantes.
“A redistribuição de receitas prevista na esfera municipal reduziria em 21% o grau de desigualdade entre os municípios, medido pelo Índice de Gini. A grande diferença hoje existente entre os municípios mais ricos e mais pobres deve cair em todas as UFs”, diz o levantamento, que aponta um exemplo em Goiás: a disparidade de receita tributária per capita entre Alto Horizonte (considerado o mais rico) e Santo Antônio do Descoberto (o mais pobre), que atualmente é de 127 vezes, pode ser reduzida para quatro vezes.
Estimativas com regra de transição
O Ipea fez simulações também com a regra de transição. De acordo com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19, como foi protocolada a reforma tributária, a transição prevê que, em cinco anos, 90% da receita do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, a ser criado) ainda estarão sendo distribuídos pela regra antiga; e 10%, segundo as novas regras. Esses percentuais vão cair e aumentar, respectivamente, 2 pontos percentuais ao ano (a.a.), de modo que, apenas no quinquagésimo ano, toda receita será integralmente entregue ao destino.
Além disso, o modelo prevê um fundo (seguro-receita) constituído com 3% da receita livre de IBS (ou seja, a receita não retida para distribuição segundo as regras atuais), que será repartido entre os estados e municípios que apresentarem maior perda relativa de receita, cuja receita per capita não exceda a três vezes a média nacional.
Estimativa de crescimento
Pelos cálculos do Ipea, com o período de transição, nenhum estado e poucos municípios correm o risco de ter queda de arrecadação em algum momento do processo. “Mesmo quando consideramos um cenário mais pessimista para o crescimento econômico nas próximas décadas, de taxa média em 1,5% a.a. (ante uma média de 2,1% a.a. desde 1995), apenas 32 cidades chegariam ao final da transição com receita menor que hoje, em termos reais”, descreve a pesquisa.
“Em cenários mais otimistas, com economia crescendo em média 2,5% a.a. depois da reforma tributária (um pouco acima da média), nenhum município terá perdas até o trigésimo ano, e apenas cinco terão perdas até o quinquagésimo ano”, completa.
Os pesquisadores apontam que, pelas próximas duas décadas, a combinação entre impactos positivos da reforma sobre a economia e regra de transição deve restringir o universo de perdedores a uma centena de cidades, e a ampla maioria delas não deve ter queda de arrecadação, mas apenas crescimento inferior ao que teriam na ausência das mudanças tributárias que, para os autores do estudo, são “essenciais para o país”.
Perfil de perdedores
O relatório indica que as cidades que correm o risco de ter queda de arrecadação são, em geral, sedes de refinaria de petróleo ou hidrelétricas (como São Francisco do Conde/BA, São Gonçalo do Rio Abaixo/MG, Paulínia/SP e Alto Horizonte/GO), que hoje concentram um volume desproporcional de receitas de ICMS. Para os autores, “essas cidades terão um tempo razoável de adaptação à nova realidade, sem riscos de queda abrupta de receita”.
O pesquisador do Ipea Sérgio Gobetti e a economista Priscila Monteiro concluem que “a redução gradual de desigualdade, principalmente pela ampliação das receitas dos municípios mais pobres, em todos os cantos do Brasil, deve ter impacto ainda imensurável sobre o bem-estar de suas populações, com possíveis desdobramentos sobre o ambiente econômico a serem detectados nas próximas décadas”.
Tramitação
Após ser aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados, a PEC 45/19 tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O relator é o senador Eduardo Braga (MDB-AM). A Agência Brasil preparou uma reportagem sobre o texto que está sendo analisado pelo Congresso.
(Agência Brasil)