O país precisa de uma revolução no setor de saúde, pois a velocidade das mudanças é inversamente proporcional ao tempo que temos para implementá-las

Roberta Pinto Grabert

A pandemia de COVID-19 destacou a importância crucial dos sistemas de saúde e na atenção aos cuidados de saúde em nossas sociedades. O relatório “Global Health and Healthcare Strategic Outlook: Shaping the Future of Health and Healthcare[1]“, do Fórum Econômico Mundial, lançado em janeiro de 2023, aponta possíveis soluções para o enfrentamento dos desafios crescentes na saúde e assistência médica em todo o mundo. Este artigo tem como objetivo analisar e adaptar as diretrizes e estudos de caso apresentados no relatório e contextualizá-los à realidade brasileira.

Os desafios mundiais indicados no relatório são: o aumento nos gastos e investimentos em saúde, a necessidade de avanços científicos, a inovação digital, a IA e a conectividade, a necessidade de modelos alternativos de atendimento, a crescente disparidade global em saúde, a escassez e o esgotamento de profissionais de saúde, a piora da saúde mental e bem-estar, além de questões macroeconômicas como a inflação crescente, o clima, a crise energética e a política. O Brasil enfrenta desafios particulares, incluindo a extrema desigualdade, a corrupção, a falta de diversidade nas lideranças e a ausência de alfabetização em saúde.

Para os desafios citados, o relatório do WEF apresenta soluções estruturadas quatro pilares estratégicos: acesso e resultados equitativos, transformação dos sistemas de saúde, tecnologia e inovação, e sustentabilidade ambiental. Seguiremos o mesmo caminho em relação à realidade brasileira.

O primeiro pilar, acesso e resultados equitativos

A equidade em saúde é um princípio fundamental que orienta muitos sistemas de saúde em todo o mundo. Ela se refere à ideia de que todos devem ter uma oportunidade justa de atingir seu pleno potencial de saúde, independentemente de sua situação social, econômica, demográfica ou geográfica.

Equidade é, também, uma das doutrinas fundamentais do SUS e, num país tão diverso e desigual, não basta o direito de usufruir do sistema de saúde, é imperativo contemplar as diferentes realidades e necessidades, com soluções e esforços adequados a cada contexto. Apesar de serem o alicerce do SUS, os princípios da universalidade,

integralidade e equidade em vez de valorizados são muitas vezes ignorados. Para atingir equidade, são necessários esforços intersetoriais em todas as frentes relacionadas à saúde. Começando pelos investimentos estruturais em segurança, saneamento básico, infraestrutura e educação. Cabe lembrar, ainda, que saúde é muito mais do que a ausência da doença. Faltam programas educacionais para melhorar a alfabetização em saúde, especialmente em comunidades de baixa renda ou em áreas rurais onde o acesso à informação de saúde pode ser limitado. O NHS Wales está implementando um modelo operacional baseado em medidas de resultados relatados pelo paciente, os PROMs (Patient-Reported Outcome Measures) em todo o sistema de saúde, para garantir que os padrões de dados, processos e trocas de informações estejam alinhados. Isso permitirá a agregação do conjunto de dados nacionais, que poderão ser utilizados sistemicamente para formulação de políticas públicas, ou pelos pacientes para melhoria da saúde individual.

O segundo pilar, a transformação dos sistemas de saúde

O financiamento e a gestão da saúde precisam de mudanças radicais. As soluções de financiamento dependem do contexto e devem maximizar o impacto e a sustentabilidade, bem como serem implementadas em sistemas que são reorientados para se concentrar nos resultados alcançados versus o volume de serviços prestados.

O Brasil tem o SUS, maior sistema público do mundo, e uma saúde suplementar bem estruturada, de modo que podemos nos tornar referência em transformação se conseguirmos adotar ações centradas no paciente e orientadas para os resultados. Para tanto, precisamos corrigir as discrepâncias no financiamento da saúde. Atualmente, 74% da população depende do SUS, que recebe 3,8% do PIB em investimentos, enquanto 26% da população, que utiliza o sistema de saúde privado, conta com 5,3% do PIB em investimentos. A cooperação entre os setores público e privado, bem como entre os diferentes atores do setor de saúde, é essencial para enfrentar as mudanças e impulsionar o desenvolvimento. A ampliação e melhoria nos serviços de saúde se dará na colaboração entre governos, organizações não governamentais, parcerias público-privadas, healthtechs, empresas privadas, sociedade civil e academia.

É preciso, também, resgatar a confiança. O Brasil ocupa a 94ª posição entre 180 países no Índice de Percepção de Corrupção de 2022 pela Transparency International. A corrupção aumenta a desconfiança e impacta negativamente toda cadeia da saúde. A falta de transparência nas relações comerciais e pessoais está associada à má gestão dos recursos, contratos malfeitos, superfaturamento, fraudes, desperdício, judicialização e prestação inadequada de serviços de saúde, aumentando (ainda mais) a desigualdade e impedindo resultados mais consistentes. Desse modo, precisamos romper o ciclo vicioso, aumentar a confiança e a cooperação, fortalecer as instituições e criar mecanismos para evitar a corrupção, para aumentar a confiança interna e externa no país e, assim, atrair mais investimentos para saúde e fazer uma gestão responsável e participativa. É uma mudança cultural. O jeitinho e a Lei de Gerson adoecem e matam.

Vale a pena acompanhar abordagem do NHS Wales a partir da estratégia da saúde baseada em valor do Welsh Value in Health Centre para 2024 – implementada para melhorar a saúde e o bem-estar da população do País de Gales, equitativamente. A iniciativa é composta por seis metas estratégicas, pela ordem: (i) Cuidado centrado na pessoa; (ii) Impacto; (iii) Implementação; (iv) Pesquisa, indústria e parcerias estratégicas; (v) Saúde digital e (vi) Educação, comunicação e engajamento.

O terceiro pilar, tecnologia e inovação

A tecnologia é crucial para superar as barreiras geográficas e socioeconômicas ao acesso à saúde. Num país continental como o Brasil, é premente que a saúde seja conectada, para melhorar a experiência do paciente e da sociedade, bem como ajudar na logística e gestão de todo sistema de saúde; recursos como digitalização, inteligência artificial (IA) e big data serão cada dia mais utilizados. A interoperabilidade e a plataformização em saúde, ainda embrionárias, já são aplicadas no SUS em iniciativas como o ConecteSUS. Mas precisamos de muito mais ações e regulamentação adequadas para mudarmos o cenário brasileiro. As soluções mais eficazes usam tecnologias combinadas e colaboração entre indústrias, como observamos no exemplo da Discovery, que conseguiu aumentar a expectativa de vida média em 25 anos para seus membros na África do Sul, a partir da colaboração entre indústrias, o empoderamento do paciente e a digitalização.

O quarto pilar, a sustentabilidade ambiental

Os desafios ambientais são particularmente relevantes para o Brasil, dada nossa rica biodiversidade e o papel central que desempenhamos no combate às alterações climáticas. A saúde e o meio ambiente estão intrinsecamente ligados, e o Brasil pode liderar o caminho na integração da sustentabilidade ambiental na prática da saúde.

Precisamos falar da prática do ESG ou ASG na saúde. Essa sigla representa três fatores- chave usados para medir a sustentabilidade e o impacto social de uma empresa ou indústria: Ambiental, Social e Governança. No contexto da saúde, ASG diz respeito aos impactos que uma organização de saúde tem sobre o meio ambiente, com a gestão de resíduos médicos, o uso eficiente de energia, a redução da pegada de carbono e a promoção de práticas sustentáveis. Já no social, sobre as pessoas e comunidades que serve, promovendo equidade, cuidados de saúde de alta qualidade, diversidade e inclusão, e o apoio ao bem-estar dos funcionários. Enquanto governança diz respeito a uma administração apoiada em preceitos como transparência, responsabilidade, ética nos negócios e a conformidade com as leis e regulamentações.

Os desafios na adoção de práticas de ASG no Brasil são: falta de conscientização e compreensão, custos iniciais elevados, falta de incentivos, corrupção e governança fracas e desigualdades socioeconômicas.

A pressão dos investidores, dos consumidores e da sociedade em geral para que as empresas adotem práticas de ESG está aumentando, o que pode ajudar a superar alguns desses desafios.

É imprescindível que intensifiquemos nossos esforços para expandir a diversidade e a inclusão nas lideranças da saúde. No Brasil, enfrentamos um déficit, para não dizer ausência, de representatividade, especialmente de mulheres e pessoas pretas em posições de liderança no setor de saúde – um desafio que clama por ação. A diversidade tanto de gênero quanto étnico-racial é essencial para fomentar uma tomada de decisão inclusiva e para atender às necessidades particulares de variados grupos.

Para reduzir as desigualdades, além da prática de ASG, são necessárias ações e em várias frentes, a saber: (i) Equidade em saúde, (ii) Impacto social positivo e (iii) Transparência e prestação de contas.

Conclusão

A necessidade dessas mudanças é urgente. O Brasil precisa de uma revolução no setor de saúde, pois a velocidade das mudanças é inversamente proporcional ao tempo que temos para implementá-las. Na atualidade, devemos estar em constante mudança de rumo, é preciso atuar, avaliar os processos e se houver erros a correção deve ser imediata. Não se pode desperdiçar nem um segundo insistindo em velhas práticas. Apesar da crise, o Brasil tem o maior sistema público de saúde e todas as condições de usar esse ativo como oportunidade.

Melhorar a saúde no Brasil é um desafio complexo, mas também uma oportunidade. O conhecimento, diretrizes e cases do relatório ampliam as possibilidades. Ao unirmos esforços e nossas potencialidades podemos construir um sistema de saúde realmente, único, mais equitativo, sustentável e participativo; um sistema, de fato, centralizado no usuário, na prevenção de doenças, manutenção da saúde e tratamentos das doenças. Como a mudança é uma certeza, precisamos de lideranças representativas, que sejam corajosas, visionárias, muito capacitadas, e persistentes, pois os desafios são constantes e em saúde, as respostas precisam de agilidade e segurança. As possibilidades são muitas: alfabetização em saúde, digitalização, interoperabilidade, desfragmentação, plataformização etc. Cooperação e confiança são cruciais nessa jornada. A revolução na saúde brasileira já começou.

Nos vemos em 2035.

Roberta Pinto Grabert é médica ginecologista formada pela FMUSP e tem MBA em gestão de saúde pelo Insper/HIAE


[1] Disponível em: https://www.weforum.org/reports/global-health-and-healthcare-strategic-outlook-

shaping-the-future-of-health-and-healthcare/. Acesso em 14 jul. 2023

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