O título acima deveria ter sido o de meu livro Os mercadores da noite, lançado, por ordem cronológica, pela BM&F, Rocco, Sextante, Arqueiro e, finalmente, pela Inversa, sendo que esta última tem exemplares (físicos e e-books) disponíveis para venda até hoje.

Quem sugeriu a supressão do predicado “de domingo” foi meu pai, que achou o título muito longo, opinião com a qual concordei.

Só que a versão em inglês se chama The Sunday Night Traders, já que nessa língua o título original completo fica sonoro, não é extenso e representa melhor a trama narrada na ficção.

Mas vamos ao principal: porque “mercadores da noite de domingo” no título do livro? O que eu quis dizer com isso?

A resposta é simples. Existem profissionais de mercado, e mesmo alguns traders e especuladores, que se sentem órfãos do que fazer durante o período que vai do final da tarde de sexta-feira nos Estados Unidos até a manhã de segunda-feira no Extremo Oriente, quando abrem as bolsas e mercados do Japão e da Oceania.

Eu mesmo já fui um deles. E a razão para isso é óbvia: ocorre que as bolsas fecham, mas os acontecimentos continuam acontecendo (com mil perdões pela redundância).

Vejamos o que houve na Rússia, Ucrânia e Bielorússia no último fim de semana, em pleno apagão dos mercados financeiros.

Houve um motim na região fronteiriça russo-ucraniana, rebelião essa contra o governo de Moscou e protagonizada pelo mais do que temido exército mercenário Wagner, chefiado por Yevgeny Viktorovich Prigozhin.

Trata-se de um homem de maus bofes, bilionário, e que já foi de tudo um pouco: esquiador de longas distâncias, assaltante de residências, estelionatário, prisioneiro (cumpriu uma sentença de nove anos), vendedor de cachorros-quentes, dono de uma rede de mercearias (mais tarde, supermercados), explorador de jogos de azar, proprietário de um barco-restaurante altamente sofisticado, no qual serviu pessoalmente os presidentes norte-americano George W. Bush e francês Jacques Chirac, além do futuro e atual líder russo Vladimir Putin.

Quando Putin assumiu o poder, Prigozhin passou a fornecer alimentação às forças armadas do país.

Mais tarde, o “faztudo”, que montara um exército de mercenários, soldados com larga experiência, juntou-se aos russos na tentativa de conquistar a Ucrânia.

Voltando ao fim de semana passado, Prigozhin rebelou-se contra Putin, reuniu seus homens e iniciou uma marcha para Moscou, chegando a 200 quilômetros de seu destino.

Nesse ponto, algum tipo de acordo (cujos detalhes talvez a gente nunca vá saber) foi feito entre Yevgeny Prigozhin e Vladimir Putin e os mercenários do Wagner recuaram.

O mundo ocidental não morre de amores por Vladimir Putin, mas pelo menos tem ideia de como ele raciocina e age.

Agora imaginemos Prigozhin, tendo deposto Putin, se encastelado no Kremlin e dispondo do maior arsenal de armas nucleares do planeta. O mínimo dos mínimos que ele poderia fazer seria uma chantagem atômica contra a humanidade.

Nesse cenário, o dólar subiria a níveis estratosféricos, no fenômeno conhecido como fly to quality, o mesmo acontecendo com as obrigações do Tesouro americano (Treasury Bonds). Por total falta de noção das consequências do motim russo, o preço do petróleo subiria também.

Só que aqui há um porém: subiriam se os mercados estivessem funcionando e não fechados, como foi o caso por ocasião do entrevero russo.

No início da noite de domingo, a crise parecia debelada, com Aleksandr Lukashenko, presidente da Bielo-Rússia dando guarida a Yevgeny Prigozhin, muito provavelmente resultado de um acordo tripartite: Putin/Lukashenko/Prigozhin.

Não é a primeira vez que acontecimentos que abalariam fortemente os mercados, mas não o fizeram porque as bolsas estavam fechadas, ocorreram em fins de semana e foram resolvidos antes da reabertura na segunda-feira.

Aqui mesmo no Brasil, durante o governo Itamar Franco, quando o Plano Real se encontrava nos estágios finais de estudo para implantação, o então ministro da Fazenda Rubens Ricupero (Fernando Henrique Cardoso deixara o cargo para poder se candidatar à Presidência), sem saber que estava sendo gravado por câmera e áudio, disse que “o governo não tinha escrúpulos de esconder o que era ruim e só mostrar o que era bom”.

Aquilo poderia detonar uma crise tremenda. Só que, agindo rápido, Itamar convidou para o ministério da Fazenda o então governador do Ceará, Ciro Gomes, que renunciou ao cargo em seu estado para substituir Ricupero.

Quando a Bovespa abriu na segunda-feira, a crise já fora debelada. O mercado gostou da solução Ciro Gomes e a Bolsa se comportou normalmente.

Agora em 2023, houve o 8 de janeiro que, se não tivesse acontecido num domingo, teria provocado pânico entre os investidores, especuladores e traders.

Voltando ao caso russo, as declarações dos líderes ocidentais deixaram claro o alívio que sentiram ao ver que Yevgeny Prigozhin fracassara em sua tentativa de golpe.

Perto de Prigozhin, Putin é mais do que moderado.

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna

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