As primeiras votações importantes desta presidência ocorreram em maio, e com resultados não surpreendentes, ainda que repletos de interpretações, recados e mensagens. Tem sido difícil estabelecer julgamentos muito claros sobre como será o relacionamento entre Executivo e Legislativo no restante deste mandato presidencial. Qual a índole deste governo já com cinco meses de atividade? Quais os reais espaços para a implementação de seus planos econômicos? E quais são mesmo os seus planos econômicos?

Já dentro do sexto mês da nova administração, os 100 dias de graça ficaram para trás e há muito mais dúvidas do que realizações claras a comemorar. Na verdade, não existe muita clareza sobre quais são os planos. A relação com o Legislativo parece tão difícil que é melhor não declarar as prioridades.

Há vitórias, empates e derrotas, um evidente reconhecimento de que o campeonato é longo, mas que já está em pleno andamento e que há diversos pontos da atenção. A vitória mais importante foi a votação do projeto de Lei Complementar do chamado “arcabouço fiscal”, na qual a proposta do governo, na forma do relatório do relator, deputado Claudio Cajado (PP-BA), teve 372 votos contra 108 da oposição.

Entretanto, é menos claro se os pontos vão para o governo federal ou para o presidente da Câmara dos Deputados. A votação do “arcabouço”, vista de uma ângulo político, parece um prosseguimento da votação da PEC da Transição (EC 126/2022), ou seja, a versão operacional das condições de governabilidade orçamentária concedidas na PEC, mas pelo Congresso anterior. É como se fosse parte de uma agenda pré-governo, com foco em assegurar uma transição viável.

Foram muitas as resenhas do “arcabouço” e de seus números. Não se trata de uma “bala de prata” no tereno fiscal, ainda que seja um movimento na direção certa. Isso não é pouco para um governo meio sem convicção e sem muitos planos nesse terreno. Resta ver o que virá em matéria de aumento da receita, sem o qual o ministro da Fazenda terá de lidar com um assunto que lutou muito para evitar, o da redução de despesa.

Ao fim das contas, o arcabouço não é tão rígido quanto o regime anterior do Teto de Gastos, ainda que, em suas versões finais do novo dispositivo, essa assimetria tenha diminuído. A flexibilidade foi bem recebida pelo governo, e para o Legislativo foi importante afastar qualquer ideia de alterar a dinâmica orçamentária, em especial o mecanismo das emendas parlamentares, mandatórias ou não.

Ficou a afastada a ideia de se adotar o texto da lei de finanças públicas que já vinha pronta do Senado, a fim de não alterar o modus operandi do orçamento público tal como regido pela Lei 4.320/1964.

A consequência mais óbvia de um equilíbrio fiscal não tão rigidamente definido, o que equivale a uma política fiscal meio morna, é que o Executivo perde força ao tentar emparedar o Banco Central para impor a redução nos juros. Os riscos fiscais ficaram mais ou menos do mesmo tamanho, uma vez que algumas ideias que andaram circulando pelos grupos de transição, e que poderiam trazer uma catástrofe monetária e fiscal, sequer faziam parte das contas da Autoridade Monetária.

Em maio, finalmente, o Executivo indicou os dois nomes a serem considerados pelo Senado para duas posições de dirigentes do Banco Central cujos ocupantes – Bruno Serra, diretor de política monetária; e Paulo Souza, diretor de fiscalização – tiveram seus mandatos terminados em 28 de fevereiro. A demora na escolha de novos nomes indica a dificuldade de recrutamento, afinal resolvida com a inesperada indicação de Gabriel Galípolo, secretário Executivo do ministro Fernando Haddad, para a política monetária, junto com Ailton Aquino dos Santos, funcionário de carreira, para a fiscalização.

Seria uma fórmula para preparar Galípolo para assumir a presidência da instituição quando Roberto Campos Neto tiver seu mandato encerrado em dezembro de 2024? Como será a convivência e entrosamento de Galípolo com os outros membros de um colegiado que sempre operou por consenso?

Na terceira reunião do COPOM nesta presidência, ocorrida no começo de maio, o Banco Central manteve os juros em 13,75%, mas as queixas de natureza política, inclusive do presidente da República, foram menores e menos frequentes. De igual modo, as falas vindas do Banco Central foram mais amenas, bem como os números da inflação. Todos esperam que o segundo semestre seja de juros cadentes. Possivelmente com Galípolo já contribuindo com o seu voto, talvez nem mesmo em sentido divergente.

Outra vitória parlamentar do governo, mas que contou como derrota, ou talvez mais precisamente como um empate heroicamente obtido nos últimos minutos, foi o salvamento da mais básica de todas as medidas provisórias do novo presidente, a de número 1.154/23, que “estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios”, e segundo a sua exposição de motivos “se insere no contexto de reconstrução e transformação do Brasil, nos termos do Programa de Governo consagrado nas urnas em 30 de outubro de 2022”.

Seria inimaginável que justamente essa MP fosse desfigurada, seria uma derrota gravíssima e um sintoma de enorme fraqueza política. O relatório do relator, de autoria do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), causou ultraje nos governistas, como se fosse uma violação expressa à vontade das urnas. É claro que todos sabem que as mesmas urnas que elegeram o presidente da República também deram os poderes de que dispõe o Legislativo.

Na prática, seria difícil de se imaginar a não aprovação dessa MP. Na área econômica, por exemplo, a rejeição da MP implicaria em se retroagir à organização administrativa anterior, com restauração do super-poderoso ministério da Economia que existiu sob o comando de Paulo Guedes.

A MP 1.154/23 decompôs o antigo ministério da Economia em seis: Fazenda, Planejamento, Gestão, Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Trabalho e Previdência. Cinco ministros perderiam suas cadeiras, incluindo personagens como Simone Tebet e Geraldo Alckimin.

Todos no Parlamento sabiam que esta MP não poderia ser rejeitada, tendo em vista as consequências. Seria uma crise. Mesmo assim, o governo foi levado à beira do precipício, e para não cair teve que aceitar algumas alterações sérias no texto original. As mais doloridas foram as que enfraqueceram o compromisso do presidente com as pautas ambientais e com a ministra Marina Silva, considerando as alterações no organograma da pasta que tiveram que ser absorvidas.

O desprestígio político da ministra ocorreu simultaneamente à negativa por parte do IBAMA de permissão à Petrobras para iniciar estudos para a prospecção de petróleo na chamada “margem equatorial” (faixa de litoral de vai do Maranhão à Ilha de Marajó).

A empresa pretende insistir no assunto, o que tende a provocar um impasse ampliado: forçar a mão no que o governo percebeu como próximo a um “novo pré-sal” pode danificar seriamente a percepção internacional, e mesmo local, de uma associação do presidente às pautas personificadas pela ministra Marina Silva.

O fato é que foi apenas depois de muito esforço, aí incluída a liberação ad hoc de recursos para emendas de parlamentares, que o governo conseguiu reverter o que parecia uma derrota certa num assunto em que nem deveria haver muita dúvida.

Saiu novamente muito fortalecido o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, que não se furtou a chamar a atenção da opinião pública em cores vivas para as deficiências da articulação política do Governo. O presidente da República banalizou a disputa no Parlamento, mas o consenso foi de que o governo enfrentou um enorme desgaste, e se não foi uma derrota, foi um empate salvador e inesperado.

Política externa

As últimas semanas também não foram boas para o presidente da República em suas iniciativas de política externa, uma agenda de “relações públicas”, parecendo uma campanha pessoal do chefe do Executivo para uma premiação internacional, e que foram tiros pela culatra.

O primeiro episódio foi na reunião do G7 em Hiroshima, no Japão, quando o presidente se viu constrangido pela acolhida calorosa ao presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky, que Lula se empenhava em ignorar. Ficou péssima a imagem de Lula isolado, enquanto do outro lado de uma grande mesa em “U” estava Zelensky, generosamente festejado por outros líderes, inclusive o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, suposto aliado na “estratégia diplomática” de Lula num assunto muito distante das realidades brasileiras.

No segundo episódio, o problema foi com o presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, que visitou o Brasil no contexto de uma reunião de líderes regionais. Lula deu longas e polêmicas declarações simpáticas a Maduro, inclusive numa coletiva conjunta, ressaltando até mesmo a democracia na Venezuela. Tais declarações, a seguir, foram frontalmente questionadas pelos outros líderes latino-americanos participantes da reunião, como os presidentes Chile, Gabriel Boric, e do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou. Um vexame.

Os desgastes com o Legislativo e na política externa pareciam compor um quadro ruim para o novo governo em seu quinto mês. O anúncio um tanto atrapalhado de uma estratégia de “neoindustrialização” pelo vice-presidente, e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e em seguida a de apoio ao “carro popular” em nada alteraram a impressão já se firmando de um governo sem projeto na economia, recorrendo aos programas de administrações petistas do passado e muito flagrantemente improvisando.

Foi então que veio a notícia do crescimento do PIB no primeiro trimestre: 1,9% de crescimento no trimestre sobre o trimestre anterior era um número muito forte, e bem maior que a mediana das expectativas. Em condições normais uma notícia boa, porém, a explicação para a surpresa residiu integralmente no comportamento do PIB agropecuário, 21,6% de crescimento no trimestre sobre o trimestre anterior. Era um “Pibão desconfortável”, conforme definiu um observador atento, uma vez que o governo parece associar o agro ao governo anterior.

De toda maneira, foi uma boa notícia de envergadura suficiente para colocar tudo o mais em perspectiva. Outro empate salvador, nos últimos minutos.

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