Domingo, trinta e um de agosto de 1969. Estádio do Maracanã hiperlotado. Com a maior plateia de um jogo de futebol em todo o mundo em todos os tempos (183.381 pagantes, fora os convidados especiais e caronas), o Brasil enfrentava o Paraguai pelas eliminatórias da Copa do Mundo do ano seguinte, no México.

Eu estava na arquibancada com minha mulher e dois sobrinhos. Entre as filas de degraus, abarrotadas, pessoas se espremiam de lado, alguns ajoelhados.

Outras imploravam desesperadamente licença para subir, sair do estádio e ir para casa.

Finalmente, havia os mais corajosos que, lá de cima, pediam para serem jogados por sobre as cabeças dos demais torcedores. Em algum ponto eles teriam de cair e, dali, assistiriam o jogo.

O Brasil venceu por 1 a 0, gol de Pelé aos 23 minutos do 2º tempo.

De repente, começou a se espalhar pelas arquibancadas um boato, do qual ninguém sabia a origem, dando conta de que o presidente da República, general Artur da Costa e Silva, havia morrido. E as pessoas iam soprando a notícia nos ouvidos dos vizinhos.

Aproximadamente uma hora mais tarde, eu voltava para casa dirigindo meu carro.

Parei num semáforo, na esquina da Presidente Vargas com a Uruguaiana.

Eis que, do carro ao lado, o motorista gritou para mim:

O Costa e Silva morreu!

Naquele instante iniciou-se um buzinaço, e posso lhes garantir que não foi por causa da vitória do Brasil.

Quem deu a entender que algo sério ocorrera foi o rádio do carro, em meio aos comentários do jogo. Entrou a vinheta de edição extraordinária com a seguinte notícia:

O vice-presidente Pedro Aleixo acaba de desembarcar em Belo Horizonte.”

Por que diabos eles diriam isso?

Se a história do Costa e Silva fosse real (mais tarde, se soube que ele não morrera; sofrera um AVC gravíssimo) e Pedro Aleixo fosse assumir a presidência, o que nunca aconteceu, ele estaria desembarcando em Brasília e não em BH.

Nos dias que se seguiram, o governo não teve como não revelar a doença do presidente.

Disseram mais: Pedro Aleixo não assumiria; o substituto de Costa e Silva seria um general, a ser definido pelos quartéis.

Havia dois candidatos: o general Emílio Garrastazu Médici, de quatro estrelas (general de Exército) e o também general (só que de divisão – três estrelas) Afonso Augusto de Albuquerque Lima, de viés nacionalista e o preferido da tropa.

Pragmático como sempre, o mercado de ações ignorou o, digamos, descomissionamento de Pedro Aleixo e optou por Médici. Nacionalismo significava repúdio ao capital estrangeiro e Albuquerque Lima soava perigoso. Para a Bolsa, bem entendido.

Só que a gente ficava sabendo dessas coisas através da central de boataria, com as fake news da época, além de notícias verídicas sopradas ao ouvido.

Havia uma exceção: o The New York Times. Só que esse chegava às bancas com 48 horas de atraso.

Pois bem, como se sabe, deu Médici e, com ele, um dos maiores bull markets da história das bolsas de valores brasileiras, cujo auge se deu no inverno de 1971.

Poucos dias depois do AVC de Costa e Silva, eu, que, na época, era operador de pregão da Bolsa do Rio, aproveitei o intervalo entre as sessões da manhã e da tarde e fui almoçar no restaurante Adegão Português, no Campo de São Cristóvão, a menos de meia hora do Centro.

Na volta, me deparei com o, talvez, maior congestionamento de trânsito da história da cidade do Rio de Janeiro.

Embora o rádio, ligado, de meu carro não tivesse dado uma palavra sobre o assunto, o embaixador americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, fora sequestrado por guerrilheiros urbanos da ALN (Aliança Libertadora Nacional) e do MR-8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro). Isso acontecera naquela manhã numa rua de Botafogo, próxima à embaixada dos EUA.

Imediatamente, a polícia e as demais forças de segurança montaram pontos de bloqueio em todos os bairros, revistando minuciosamente cada carro que passava.

Tentando fugir do congestionamento, entrei na rua onde funcionava o baixo meretrício do Mangue.

E foi lá que fiquei sabendo, através do ocupante de outro carro, que o embaixador americano fora sequestrado e que a polícia e o Exército estavam tentando encontrá-lo.

Como naquela época não havia celulares, não fiz cerimônia. Entrei num dos bordéis (a gente usava outro nome para essas casas) e pedi à cafetina para usar o telefone.

Ela me cobrou uma fortuna (que achei de graça) e pude usar o aparelho da casa, que ficava preso numa parede junto à escada que dava para os quartos.

Falei com um dos operadores de pregão e, assim, pude zerar minha posição em ações antes da maioria das corretoras.

Quando cheguei ao Centro, o mercado já havia fechado.

Só à noite, e mesmo assim num comunicado do Alberto Cury, locutor oficial da Agência Nacional, é que o governo informou sobre o sequestro e sobre as exigências dos sequestradores.

Ao contrário da parafernália que a gente usa hoje no mercado, era desse boca a boca que nós nos informávamos do noticiário.

Saudações a todas as mães minhas leitoras,

Ivan Sant’Anna

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