Em artigo anteriormente publicado, apontamos para o fato de que há uma certa “banalização” no uso do termo ESG, sendo importante o esclarecimento de alguns conceitos a fim de se evitar o uso oportunista do termo (que abre as portas para práticas como o greenwashing), fornecendo parâmetros mais objetivos para o debate.

Fundamental, ainda, que a temática seja abordada de forma técnica, a partir de sua disciplina jurídica nacional e internacional, tratando também da operacionalização prática dos critérios ESG no mercado financeiro e de capitais. Não é demais lembrar, afinal, que a disseminação das discussões sobre a necessidade de incorporar fatores ambientais, sociais e de governança aos investimentos, é fruto direto do whitebook Who Cares Wins, uma iniciativa da Organização das Nações Unidas em conjunto com importantes agentes do sistema financeiro global.

Uma fonte de referência importante sobre o assunto são os “Princípios para Títulos Verdes” (os Green Bond Principles, ou GBP), elaborados pela International Capital Market Association (ICMA), que distingue os títulos verdes entre use of proceeds, que são os títulos verdes “puros”, ou seja, emitidos para o financiamento ou refinanciamento de projetos ambientais, e os general purposes, títulos de dívida “tradicionais”, mas que assumem determinadas metas socioambientais cujo descumprimento pode, por exemplo, implicar no aumento do custo do título para o emissor.

Além de listar categorias de projetos elegíveis para financiamento por meio de green bonds (como projetos de energia renovável, reflorestamento, transição climática ou manejo sustentável de biodiversidade), o ICMA recomenda que os emissores de títulos verdes observem quatro diretrizes para garantir o alinhamento aos green bond principles, a saber: (i) uso dos recursos: destinação dos recursos captados para o financiamento de projetos elegíveis que gerem benefícios ambientais positivos; (ii) processo de seleção e avaliação dos projetos: informação clara ao investidor sobre os motivos da seleção do projeto a ser financiado, bem como os objetivos de sustentabilidade buscados e o procedimento para classificar o projeto dentro das diretrizes dos GBP; (iii) gestão dos recursos: os valores captados devem ser aplicados em uma conta distinta, específica para o financiamento do projeto; e (iv) transparência: divulgação atualizada e completa de todas as informações pertinentes ao projeto, em relatórios anuais.

Além das diretrizes acima citadas, é recomendado que os emissores busquem o apoio de organizações externas à empresa para que certifiquem a viabilidade do projeto e sua aderência aos GBP, o que reforça a credibilidade da emissão perante o mercado e reduz riscos como o de greenwashing.

Traçadas as linhas gerais a respeito do tema, é interessante analisar a situação do mercado brasileiro de títulos verdes.

O último Relatório de Economia Bancária (REB) divulgado pelo Banco Central do Brasil apresentou o cenário dos green bonds em nosso país. Conforme consta na publicação, há uma grande variedade de instrumentos utilizados para captação de recursos para investimentos sustentáveis, como Certificados de Recebíveis do Agronegócio, Certificados de Recebíveis Imobiliários, Fundos de Investimento Imobiliários, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, debêntures, e mesmo empréstimos.

Dentre os dados trazidos (mostrando o grande crescimento no volume de emissões de green bonds), merece destaque o fato de que a maioria das emissões de green bonds de empresas brasileiras tem por destino o mercado externo (que recebeu 74% do volume financeiro de títulos sustentáveis desde 2015), evidenciando potencial para crescimento no mercado interno.

Essa afirmação é corroborada quando o relatório indica que, em 2021, apenas 7% dos títulos emitidos no mercado brasileiro possuíam características de sustentabilidade, contra 93% dos títulos “convencionais”. Comparativamente, os títulos destinados ao mercado externo tiveram como proporção 47% de títulos sustentáveis.

Já no âmbito regulatório, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM também deu importante passo para aumentar a segurança jurídica do mercado de capitais brasileiros, tendo editado a Resolução CVM nº 175 (o novo marco regulatório dos fundos de investimento), que estará vigente a partir de outubro de 2023.

O novo regulamento traz disposições específicas sobre investimentos sustentáveis, em seus arts. 49 e 60:

Art. 49. O regulamento do fundo e o anexo descritivo da classe de cotas cuja denominação contenha referência a fatores ambientais, sociais e de governança, tais como “ESG”, “ASG”, “ambiental”, “verde”, “social”, “sustentável” ou quaisquer outros termos correlatos às finanças sustentáveis, deve estabelecer:

I – quais os benefícios ambientais, sociais ou de governança esperados e como a política de investimento busca originá-los;

II – quais metodologias, princípios ou diretrizes são seguidas para a qualificação do fundo ou da classe, conforme sua denominação;

III – qual a entidade responsável por certificar ou emitir parecer de segunda opinião sobre a qualificação, se houver, bem como informações sobre a sua independência em relação ao fundo; e

IV – especificação sobre a forma, o conteúdo e a periodicidade de divulgação de relatório sobre os resultados ambientais, sociais e de governança alcançados pela política de investimento no período, assim como a identificação do agente responsável pela elaboração do relatório.

Parágrafo único. Caso a política de investimento integre fatores ambientais, sociais e de  governança às atividades relacionadas à gestão da carteira, mas não busque originar benefícios socioambientais, fica vedada a utilização dos termos referidos no caput, devendo o regulamento dispor acerca da integração dos referidos fatores à política de investimento

(…)

Art. 60. O material de divulgação que contiver menção a fatores ambientais, sociais ou de governança deve informar, de modo objetivo, se o fundo ou a classe:

I – possui uma política de investimentos que busca originar benefício socioambiental; ou

II – integra os fatores socioambientais à política de investimentos, sem, contudo, buscar a originação de benefício socioambiental

Conforme se percebe da leitura dos artigos transcritos acima, a CVM restringiu a utilização de expressões como “fundos verdes” ou “fundos ESG” para aqueles fundos que busquem “originar benefícios socioambientais”, ou seja, que invistam em ativos capazes de proporcionar efeitos positivos ao meio ambiente e à sociedade.

Conforme se percebe da leitura dos artigos transcritos acima, a CVM restringiu a utilização de expressões como “fundos verdes” ou “fundos ESG” para aqueles fundos que busquem “originar benefícios socioambientais”, ou seja, que invistam em ativos capazes de proporcionar efeitos positivos ao meio ambiente e à sociedade.

Por outro lado, uma vez que o regulador não incorporou a terminologia do ICMA, os fundos ESG no Brasil parecem ter recebido a liberdade de optar pelo investimento em títulos nas modalidades use of proceeds ou general purposes, uma vez que green bonds de ambas as categorias são capazes de cumprir os requisitos estabelecidos na norma.

Assim, a observância de diretrizes como as previstas nos Green Bond Principles assume maior relevância para permitir que os investidores tomem decisões mais assertivas e alinhadas com suas reais intenções ao alocar recursos em “fundos verdes”, reforçando-se o dever de transparência de fundos e emissores (pilar do componente do reporting previsto nos GBP) e ampliando a importância do parecer de segunda opinião por entidade idônea e de reconhecimento pelo mercado.

De tudo o que tratamos até aqui, é possível perceber que o mercado brasileiro de títulos verdes ainda necessita de maior desenvolvimento, dado o baixo volume de emissões de green bonds em nosso país. Um importante passo, como dito, é a regulação do tema, que confere maior segurança jurídica a investidores. É certo, ainda, que o cenário econômico atual (com uma taxa básica de juros no patamar de 13,75%) pode afastar investidores de opções como títulos sustentáveis; porém, quando consideramos que (conforme dados do REB já citado) o mercado global movimentou o valor de US$ 1,6 trilhão em títulos sustentáveis apenas no biênio 2020-2021, contra US$ 20 bilhões no Brasil no mesmo período, é inegável o imenso potencial que os green bonds oferecem para empresas e investidores, bem como para o restante da sociedade.

Imagem: nattanan23, pixabay.com



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