Terça-feira, dois de junho de 1953.

Nessa data, eu tinha 13 anos e morava com meus pais e irmãos em Londres, mais precisamente num apartamento em Kensington, Olimpia.

Um mil, novecentos e cinquenta e três não foi um ano qualquer.

Após três anos de combates ferozes, a guerra da Coreia chegou ao fim, com a assinatura de um cessar-fogo entre os beligerantes do Norte e do Sul, cujas tropas continuam estacionadas, quase que de frente umas para as outras, nas proximidades de uma linha demarcatória no paralelo 38.

Jamais houve um acordo de paz.

O cume do monte Everest foi alcançado pela primeira vez pelo neozelandês Edmund Hillary e pelo sherpa nepalês Tenzing Norgay.

Em 5 de março, morreu, vítima de um AVC, o tirânico líder soviético Joseph Stalin.

Ele despertava tanto medo nas pessoas que, após ter caído em seu quarto na residência de Kuntsevo Dacha, seus auxiliares mais próximos, inclusive sua governanta, só tiveram coragem de abrir a porta no dia seguinte ao do falecimento do ditador.

Não se sabe se Stalin morreu de repente ou se ficou estrebuchando no tapete sem nenhum tipo de atendimento médico.

Em 1953, um jovem de 20 anos, Derek William Bentley, deficiente mental, foi julgado e condenado à forca, sentença executada rapidamente, embora tanto a polícia como a justiça, imprensa e opinião pública soubessem que ele era inocente.

Acontece que Bentley, em dupla com um delinquente juvenil de 16 anos, Christopher Craig, assaltou um armazém quando ambos foram surpreendidos por um oficial de polícia, Frederick Fairfax.

Derek Bentley, o maior de idade, já estava imobilizado pelo agente da lei quando Craig matou a tiros o policial, desarmado, da Scotland Yard.

Naquela época, se um oficial de polícia fosse assassinado, alguém teria de pagar com a vida. Por isso Bentley, o inocente do crime de morte, foi enforcado.

Voltando à Londres de junho de 1953, meu pai se beneficiava de uma bolsa de estudos na London School of Economics. O cruzeiro, moeda muito valorizada naqueles anos pós Segunda Guerra, permitiu que ele levasse a família.

Pois bem, naquela terça-feira minha mãe acordou os filhos às duas da madrugada para que nos dirigíssemos ao The Mall, avenida pavimentada com asfalto vermelho que vai do palácio de Buckingham até as proximidades de Charing Cross, passando sob o Admiralty Arch.

Meu pai adquirira lugares em uma arquibancada montada na calçada do The Mall. De lá, poderíamos assistir o cortejo da rainha Elizabeth II – em sua carruagem dourada construída em 1762 – tanto na ida quanto na volta da abadia de Westminster, onde seria, e foi, coroada rainha, em sucessão ao seu pai, rei George VI, falecido em 1952.

Em outra carruagem, seguiam os príncipes Charles, de 4 anos, e sua irmã, princesa Anne, de apenas dois anos, acompanhados da avó, rainha-mãe. Os dois outros filhos da rainha Elizabeth, Edward e Andrew, ainda não tinham nascido.

Só agora, aos 74 anos de idade, Charles está sendo coroado. Se quisesse, poderia ter mudado de nome ao se tornar rei, mas preferiu manter o de batismo, tal como antes fizera sua mãe.

Se seguir a expectativa de vida dos cidadãos britânicos do sexo masculino, o rei Charles III deverá viver até 2030. Acontece que os integrantes da Casa de Windsor costumam ter vida longa.

Seu pai, príncipe Phillip, duque de Windsor, morreu aos 99 anos. Sua mãe, rainha Elizabeth, aos 96. Já a avó de Charles, também Elizabeth, aos 101.

Digamos que Charles viva 100 anos, o que é uma perspectiva bem razoável. Nessa hipótese, o príncipe de Gales, William, assumirá o trono aos 66 anos.

Nessa ocasião, se não tiver alterado seu temperamento, a monarquia britânica enfrentará sérios problemas.

Não estou me referindo aos mexericos de que dão conta de que ele vive em constante atrito com sua mulher, princesa Catherine, fora os desentendimentos com o irmão, Harry, que mora nos Estados Unidos.

Falo de uma cena que vi na televisão.

Assistindo a uma partida de tênis do torneio de Wimbledon, William dirigiu-se, berrando alto sem a menor cerimônia, aos palavrões ao árbitro do jogo, escandalizando as pessoas em seu entorno.

George V, George VI, Elizabeth II, e Charles III jamais fariam isso, nem mesmo quando eram jovens príncipes herdeiros.

Ao contrário de outras épocas, nas quais quando um monarca da Inglaterra desejava se casar de novo, e sendo o divórcio proibido pela Igreja, ele simplesmente mandava decapitar a rainha na Torre de Londres, hoje em dia a manutenção da monarquia no Reino Unido depende exclusivamente da aceitação dos súditos.

Numa única sessão do Parlamento, a Casa dos Comuns pode implantar a República. Aí eles serão apenas um povo próspero como outro qualquer, sem aquele encanto que a monarquia inglesa sempre proporcionou ao resto do mundo.

Só para encerrar: em 29 de julho de 1993, 40 anos após sua morte, Derek Bentley, o “assassino” deficiente mental que não matou ninguém e foi enforcado, recebeu o perdão real de Sua Majestade Elizabeth II.

Um bom fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna

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