Após uma disputa eleitoral radicalizada, não tem sido um começo fácil para o governo lula e sua nova administração, a vitória do presidente Lula gerou grandes expectativas de que o país teria superado um dos momentos mais conturbados da democracia brasileira. O sentimento presente na posse, em 1º de janeiro, era de que a construção de uma frente democrática permitiria ao governo enfrentar os grandes desafios sociais e econômicos.
Além disso, a imagem simbólica do povo subindo a rampa junto com o presidente eleito projetou o sentimento de retorno à normalidade e de reconstrução nacional.
Governo lula e o combate a polarização política
No entanto, os acontecimentos em 8 de janeiro demonstram que as divisões continuam presentes no cerne da sociedade. Por mais que as lideranças políticas tenham se unido no discurso da defesa do Estado Democrático de Direito e as ações judiciais tenham garantido o retorno da ordem pública, não ficou esboçado um plano de construção nacional que, para além do discurso de união e gestos simbólicos, lançaria uma agenda de superação da polarização política no país.
Após o 8 de janeiro, o Governo se esforçou em promover as suas políticas sociais históricas e, dessa forma, responder pressões da sociedade. A percepção presente no Governo é que a superação do 8 de janeiro só será alcançada quando as pessoas recordarem dos benefícios sociais implementados nos governos petistas.
É importante ressaltar que o governo Lula enfrenta um cenário semelhante ao de outros governos recentes da América Latina, como o Chile e a Colômbia, em que a lua de mel tem sido cada vez mais curta e as pressões para que as mudanças sejam implementadas esbarram, de um lado, na falta de horizontes econômicos e, de outro lado, na falta de sustentação coesa em termos legislativos.
O xadrez político no congresso
Associada à impaciência da opinião pública, outra limitação do governo Lula é a necessidade de construção de uma base de sustentação mais ampla e que aprove as reformas. No entanto, o Congresso tem uma configuração cada vez mais difícil para construção de maiorias.
O presidente não apenas não tem uma maioria no Congresso, mas também enfrenta, no início de seu mandato, uma disputa entre os principais partidos e lideranças políticas.
Apesar do consenso sobre alguns dos grandes temas que devem ser analisados já neste primeiro ano, especialmente na questão fiscal e tributária, a dinâmica de disputa entre os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, cria um outro obstáculo ao governo, que precisa gastar seu capital político na mediação da disputa.
Disputa de visões e ideias dentro do governo Lula
Outro elemento é a disputa dentro do próprio governo. Neste início de administração, temos quatro grandes grupos com ideias e visões distintas:
Foco nas pautas sociais
o grupo petista tradicional, liderado pela presidente do PT, Gleise Hoffman, defende uma agenda desenvolvimentista e voltada para os temas sociais, visto que pretendem garantir uma posição de forte alinhamento com as bases de sustentação do Lulismo que vem desde o primeiro governo.
Desenvolvimento econômico e ajuste fiscal
O segundo grupo envolve a ala mais econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelo vice-presidente, Geraldo Alckmim. A pauta central deste grupo é a condução das reformas econômicas que tragam um desenvolvimento sustentável, mas que garanta os princípios do ajuste fiscal e do controle da dívida pública. Esse grupo enfrenta forte resistência do primeiro, pois há um choque de visões sobre como seguir a política econômica.
Base política do governo
O terceiro grupo envolve um amplo número de ministros, que foram escolhidos pela necessidade de sustentação política e atração de partidos para a base. São políticos com pouca identidade com o PT ou ligação com a agenda petista de desenvolvimento social, mas sua presença no governo garante uma melhora na governabilidade.
Até o momento, este grupo tem dado mais problema do que resultados positivos, pois a busca de visibilidade os faz buscarem os holofotes públicos e, muitas vezes, geram questionamento sobre o quanto o governo está coeso em seus princípios.
Agenda social e inclusiva
Já o quatro grupo é resultado da pressão dos movimentos sociais e identitários que buscam espaços para ampliar algumas das agendas sociais do governo. Até o momento, tem sido o grupo que mais expõe as diferenças entre o Governo Lula e o anterior.
O resgate de pautas históricas de defesa dos direitos humanos, meio ambiente e respeito aos indígenas ganhou projeção na mídia e na sociedade. No entanto, as dificuldades de implementação de políticas públicas de impacto começam a degastar a agenda destes grupos, que se ressentem de não estarem no centro das políticas públicas.
A imagem do governo no exterior
Na área da política externa, o governo lula teve um forte ativismo com a retomada das agendas tradicionais para a inserção externa do país. As viagens internacionais até agora mostram a expectativa quanto à participação do país nos temas globais. No entanto, a postura brasileira no caso da guerra entre Rússia e Ucrânia já gera atritos com os aliados Ocidentais.
Outro desafio na agenda internacional é a busca de equilíbrio do Brasil nas relações com os Estados Unidos e a China, que têm interesses distintos na região. O Brasil precisa encontrar uma posição que permita manter sua autonomia e independência na conjuntura internacional.
Em resumo, não tem sido um começo fácil para o Governo Lula III. A falta de um plano de construção nacional que lide com as divisões internas na base do Governo e a construção de uma base de sustentação mais ampla é uma necessidade urgente. Enfim, o sucesso do Governo Lula dependerá da capacidade de superar esses desafios e implementar uma agenda positiva para o país.
Denilde Holzhacker é cientista política e é coordenadora-geral de Pesquisa e Pós-Graduação da ESPM.
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