Por ocasião do crash da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, as autoridades monetárias e executivas americanas não souberam agir a tempo. Nem para prevenir nem para diminuir os efeitos negativos (e põe “negativos” nisso) do colapso.

Bem antes da terça-feira 29 de outubro daquele ano, que ficou conhecida como Black Tuesday, o mercado de ações já dava sinais visíveis de esgotamento, de bolha, de um movimento especulativo irresponsável e fadado à tragédia.

Naquela época, ainda não existia a SEC (Securities & Exchange Commission – equivalente à nossa CVM), mas já havia o Federal Reserve Bank e a Secretaria do Tesouro.

O então chairman do FED, Roy Archibald Young, de 47 anos de idade, nada fez para coibir os IPOs irresponsáveis que pipocavam em Wall Street a cada dia.

Refiro-me a empresas que não valiam absolutamente nada, nem produziam coisa alguma, mas que tinham suas ações lançadas em Bolsa.

O secretário do Tesouro era o banqueiro Andrew William Mellon, de 74 anos, cujo interesse maior, embora ocupasse um cargo tão importante para o país, eram os negócios de sua família, representados principalmente pelo Mellon Bank.

Por ocasião do crash da Bolsa, o presidente da República, Herbert Hoover, recusou-se a intervir no mercado, alegando que se tratava de um assunto privado.

Deu no que deu.

Só após a posse de Franklin Delano Roosevelt, em 1933, é que a Casa Branca começou a interferir fortemente na economia, com o lançamento do New Deal, um Bolsa Família muito mais bem concebido, já que exigia contrapartida dos beneficiados.

As pessoas eram contratadas para serviços braçais, tal como plantar árvores na beira das estradas. O salário era suficiente para que uma família não morresse de fome, mas estimulava os participantes a procurarem melhores empregos.


Não demorou e o comércio começou a vender e a fazer encomendas à indústria. Foi a mistura da genialidade com a simplicidade que salvou o país, embora a Grande Depressão dos Anos Trinta durasse até os primórdios da Segunda Guerra Mundial.

Passaram-se três décadas até que a New York Stock Exchange sofresse um novo crash, crash este que testemunhei já operando no mercado. Isso aconteceu na Black Monday (eles adoram um black para batizar as tragédias), 19 de outubro de 1987.

Desta vez a trinca Ronald Reagan (presidente), James A. Baker, III (secretário do Tesouro) e Alan Greenspan (chairman do FED) agiu rápido. Inundaram o mercado de dinheiro de tal modo que o colapso durou apenas um dia, a tal Black Monday.

Tanto é assim que ao final do ano de 1987 o Industrial Dow Jones assinalou alta. Uma alta merreca, mas alta.

Como esses episódios são cíclicos, duas décadas mais tarde surgiu a crise do subprime.

Com os imóveis em alta, os bancos procuraram seus proprietários e ofereceram aumentos dos valores das hipotecas. Centenas de milhares de pessoas toparam as ofertas.

Veio a queda dos preços de casas, apartamentos, terrenos e propriedades rurais.

Como os bancos estavam alavancadíssimos em suas carteiras imobiliárias, teríamos tido um novo 1929 se o governo George W. Bush e o Fed (agora sob a regência de Ben Bernanke) não tivessem estatizado as duas maiores empresas do setor, Fannie Mae e Freddie Mac, além de socorrido outras potências como as montadoras General Motors, Chrysler e Ford Motor Company, às quais o governo entupiu de recursos, recebendo ações como garantia.

Pois bem, terminou.

Iniciou-se então mais um período de prosperidade. Inflação de quase zero em todo o mundo e taxas de juros dos bancos centrais também zeradas, sendo algumas negativas.

Quer cenário melhor do que o vivido pela Suíça? Em 2015, por exemplo, o Swiss National Bank chegou a cobrar 0,75% para “aceitar” depósitos. E as pessoas e instituições punham dinheiro lá, para ganhar na valorização do franco suíço contra o dólar. E ganhavam.

Embora num nível um pouco mais baixo, o Bank of Japan também cobrava para vender seus papéis.

Por isso não é de se espantar que a dívida externa japonesa tenha alcançado o espantoso nível de 260% do PIB. Espantoso modus in rebus, já que títulos com juros negativos não podem ser considerados como dívidas, mas sim como aplicação.

Os próprios Estados Unidos ficaram anos e mais anos com o FOMC (Federal Open Market Committee – Comitê Federal de Mercado Aberto, equivalente ao nosso COPOM) fixando a taxa básica entre zero e 0,25% ao ano.

Veio então a Covid, surgida no final de 2019 e início de 2020 na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, e tornando-se uma pandemia que abrangeu todo o planeta.

Com o fechamento de estabelecimentos de comércio, plantas industriais, restaurantes, shopping centers, as autoridades mundiais temeram, em primeiro lugar, uma nova, e talvez até mais forte, Grande Depressão.

Aí foi um tal de distribuir dinheiro a torto e a direito.

Isso desequilibrou o modelo que convivia com inflação e juros baixos e crescimento econômico alto.

Agora as autoridades mundiais estão agindo pelo método de tentativa. Erro e acerto; acerto e erro. Vai quebrar um banco? Deixa quebrar, mas que se pague aos depositantes.

Está tudo desequilibrado.

As companhias aéreas estão voando lotadas, as fabricantes de avião não têm como atender as encomendas. Faltam pilotos.

Restaurantes americanos não estão conseguindo mão de obra. Na ausência de profissionais, recorrem ao self service.

Por outro lado, certos setores de atividade estão quase falidos, tal como acontece com os varejistas brasileiros, tendo como exemplo mais marcante o rombo nas contas da Americanas.

Enquanto isso, formuladores de política monetária continuam com suas metas inflacionárias pré-Covid, como se o cenário mundial não tivesse sido completamente alterado

Por algum tempo, e essa é a minha opinião, a inflação deve ser relegada a um segundo plano até que os empregos e o crescimento econômico sejam restabelecidos.

Não estou falando em níveis argentinos. Mas eles têm uma trajetória própria nesse setor, além de há anos saberem raciocinar dolarizados e transacionarem em dólares.

Quem poderia imaginar que a inflação na Grã-Bretanha alcançaria dois dígitos e a da Alemanha quase isso? Ambas mais altas que a brasileira.

Vou escrever em negrito: os níveis de inflação na Grã-Bretanha e na Alemanha estão maiores do que no Brasil.

Só esses dois exemplos são suficientes para mostrar que a ordem mundial foi alterada e é preciso dar um tempo para que se possa entender completamente o fenômeno antes da descoberta das soluções.

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna

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