(um convívio de seis décadas)
Caro(a) leitor(a),
Quando criou o Banco Central, no último dia de 1964, o governo Castelo Branco poderia tê-lo feito independente, tal como o Federal Reserve Bank americano.
Quem se opôs a isso foram os ministros da Fazenda, Otávio Gouveia de Bulhões, e do Planejamento, Roberto de Oliveira Campos, por sinal avô do atual presidente do BC.
O motivo pelo qual os dois, Campos e Bulhões, fizeram isso foi porque queriam manter a política monetária sob suas rédeas.
Dênio Chagas Nogueira, o primeiro escolhido para o posto, assumiu mais a parte de fiscalização dos bancos e outras tarefas burocráticas estipuladas na lei 4.595 que instituiu o banco oficial, substituto da SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito.
No início de 1967, quando o sucessor de Castelo Branco, Artur da Costa e Silva, já fora escolhido, lhe sugeriram dar autonomia ao BC.
“Será o guardião da moeda”, foi o argumento que defenderam para justificar a mudança.
“O guardião da moeda serei eu”, a resposta do general não se fez esperar.
O assunto morreu ali.
Durante as gestões de Antônio Delfim Netto (poderoso czar da Economia nos governos Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici) o Banco Central continuou apenas com suas funções de fiscalizador e regulador do mercado financeiro.
Mais tarde, após o primeiro choque do petróleo (anos 1970), a inflação, seguida de inflação galopante e de hiperinflação, fez com que o Brasil deixasse de ter política monetária, tendo apenas política fiscal.
Taxas de juros eram definidas no final da tarde e só valiam até o dia útil seguinte. Nada mais era do que reposição inflacionária das últimas 24 horas.
Quando, em dezembro de 1989, Fernando Collor de Mello foi eleito presidente da República coube ao economista Ibrahim Eris, turco de nascimento, ser escolhido para a presidência do Banco Central.
Junto com Zélia Cardoso de Mello, indicada para ministra da Economia, e o economista Antônio Kandir, Eris participou da formulação do Plano Collor, que bloqueou a maior parte do dinheiro depositado em contas-correntes, no open market e nas cadernetas de poupança.
Ou seja, ser presidente do Banco Central nada mais era do que fazer parte do núcleo econômico do governo.
Eis que um juiz de Brasília, por alguma razão que todo mundo já esqueceu, decretou a prisão de Ibrahim Eris.
Enquanto a polícia entrava pela porta da frente do edifício-sede do Banco Central em Brasília, Eris fugia pelos fundos. Pois o cargo não lhe dava imunidades tais como o de ministros de Estado.
Durante seu governo, Fernando Henrique Cardoso costumava dizer que o presidente do Banco Central gozava de autonomia operacional.
Isso era nada menos do que um sofisma.
Gustavo Franco, por exemplo, foi demitido (ou solicitou exoneração a pedidos, como é de praxe no Brasil) porque insistia em ancorar o real ao dólar, com pequenas minidesvalorizações (bandas cambiais móveis).
Ora, alguém que pode ser demitido, não é autônomo.
Quando, em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, passou um perrengue para conseguir alguém que aceitasse o cargo. Eu mesmo tive um amigo, cujo nome prefiro não citar, que já era diretor do BC no governo FHC, que recusou categoricamente a presidência da instituição.
Para sorte de Lula, surgiu o nome de Henrique Meirelles, que fora presidente mundial do BankBoston e que queria entrar na política brasileira, de preferência como governador de Goiás. Sua escolha agradaria plenamente o mercado financeiro, como realmente aconteceu.
Meirelles exigiu, e obteve, autonomia total, embora o presidente não o deixasse em paz, pedindo (e não exigindo) redução nas taxas de juros. Fora o vice-presidente José Alencar, megaempresário do setor têxtil, que criticava a política monetária do BC, dia sim, dia também.
Numa reunião de presidentes de bancos centrais de todo o mundo, realizada na Europa, informaram a hora do evento para Henrique Meirelles com atraso. Isso para que fosse o último a chegar.
Quando ele surgiu, todos os seus pares o receberam, de pé, com aplausos entusiásticos. Meirelles fora escolhido como o melhor presidente de banco central do planeta.
Isso tirou qualquer chance de Lula demiti-lo. Mesmo porque, durante sua gestão, a taxa Selic caiu dos 25,5% iniciais (23.02.03) para 8,75% (10.12.09). Como se não bastasse, a inflação anual cedeu de 12,53% (último ano de FHC) para 3,14% (2006) e o Brasil foi agraciado com o grau de investimento (2008).
Pois bem, durante o governo de Jair Bolsonaro o Banco Central tornou-se independente, com o mandato de quatro anos de seu presidente, não coincidindo com o do chefe de Estado, tal como acontece nos EUA.
Como não está conseguindo, nem tem a menor chance de conseguir cumprir suas promessas mirabolantes de campanha, Lula agora virou suas baterias contra Roberto Campos Neto e contra a independência do BC.
Isso só poderá resultar num aumento da inflação e, se os discursos odiosos de Lula contra o “cidadão” que preside o Banco Central continuarem, teremos no Brasil um “dilmismo nº 2”.
Campos Neto também errou, e errou feio. Fez questão de votar nas últimas eleições vestindo a camisa da seleção brasileira (todo mundo sabe o significado disso) e continuou participando num grupo de WhatsApp de ministros de Bolsonaro, coisas que o presidente de um Banco Central independente jamais poderia fazer.
Resta saber até onde o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e seu Centrão, que são tudo menos petistas ou bolsonaristas, aguentarão testemunhar essa briga, sem intervir.
Um ótimo fim de semana para todos.
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