Entrevista com Haroldo Levy Neto, diretor técnico, coordenador da Comissão de Demonstrações Contábeis e membro do Comitê ESG – APIMEC BRASIL.
Acionista – Inicialmente, o senhor poderia tecer alguns comentários sobre sua profícua carreira?
No ambiente corporativo, tive experiências muito enriquecedoras, para não dizer, inesquecíveis. Atuei no Banco Itaú e vivenciei privatizações, lançamentos internacionais de ações e outros eventos importantes. São memórias e um aprendizado de valor inestimável.
No plano institucional, tive e continuo tendo a oportunidade de participar de várias ações que têm tornado o mercado de capitais nacional mais robusto. Destaco minha participação na APIMEC BRASIL, no CODIM, no CPC e em vários outros centros de pensamento muito relevantes para o fortalecimento do nosso mercado.
Todos esses centros de pensamento têm dado importantes contribuições sobre como tornar as regras de mercado mais eficazes para as organizações e os investidores, o que está relacionado ao desenvolvimento do País, pois o mercado de capitais é muito importante como fonte de financiamento de projetos que tornam o Brasil melhor. Posso afirmar que nesses fóruns, tenho grandes amigos, companheiros de muitas batalhas, o que não tem preço.
Acionista – Como avalia a evolução do mercado de capitais nacional neste milênio até o presente? Em sua visão, quais aspectos merecem ser mais destacados?
Quando tratamos da evolução do mercado de capitais nacional do início do milênio até o presente, a meu ver, temos que considerar, precipuamente, dois temas: educação financeira continuada e exigências crescentes dos agentes do mercado.
Comecemos pela educação financeira. Se o crescimento do mercado de capitais doméstico tem sido notável no milênio, não basta crescer, o crescimento precisa ter sustentação. Se o mercado cresce, são necessários mais analistas e gestores de portfólio, mais profissionais de relações com investidores, mais educação para pequenos investidores, mais professores dedicados a prover conhecimentos.
As entidades do mercado de capitais nacional, e entre elas, a CVM – Comissão de Valores Mobiliários – têm feito um trabalho excepcional de orientação e educação. Houve grande evolução na chamada Educação Profissional Continuada (EPC), relacionada aos profissionais de investimento.
Nesse contexto, é importante destacar o papel da autorregulação, abrangendo, especialmente, a certificação de profissionais e o seu credenciamento junto à CVM. Várias entidades do mercado têm feito um esforço excepcional, de cunho obrigatório, como ANBIMA e APIMEC BRASIL, ou voluntário, a exemplo do IBGC. Na APIMEC BRASIL, há várias categorias de certificados e aproveitamos esta oportunidade para divulgá-las:
- CNPI – Certificado Nacional de Profissional de Investimentos para o analista fundamentalista;
- CNPI-T para o analista técnico;
- CNPI-P para o analista pleno, fundamentalista e técnico, capacitado a solicitar, a qualquer tempo, o seu credenciamento e exercer a atividade de analista de valores mobiliários. Atualmente, há cerca de 1.300 CNPIs em várias categorias.
- CGRPPS – Certificado de Gestores de Regime Próprio de Previdência Social. A APIMEC BRASIL, em parceria com a ABIPEM – Associação Brasileira de Instituições de Previdência de Estados e Municípios –, visando a elevar os padrões dos profissionais que atuam nos Institutos de Previdência dos Estados e dos Municípios, implantou o Programa de Certificação de Gestores de Regime Próprio de Previdência Social – CGRPPS. Atualmente, já existem cerca de 5.700 profissionais com essa certificação.
Educação qualificada e democratizada, na medida do necessário, é fundamental. Entidades como APIMEC BRASIL, IBRI, IBGC, AMBIMA, B3, ABRASCA, IBRACON, CFC, ANEFAC, ABIPEM e várias outras, com o apoio de ótimas instituições de ensino, têm feito acontecer, favorecendo a educação qualificada voltada para o mercado de capitais, o que necessita ser demonstrado e enaltecido.
O segundo destaque que apontamos nesta entrevista é o maior nível de exigência dos investidores, especialmente investidores institucionais, bem como dos profissionais do mercado, em nível interno e externo, com relação às informações recebidas das empresas. Esses agentes têm se tornado cada vez mais exigentes, cada vez mais querem mais e mais informações sobre modelos de negócios, estratégias, sustentabilidade, ESG, riscos, processos de trabalho e muito mais. E eles querem conhecer nada menos do que a verdade dos fatos.
Práticas de comunicação que tentem esconder o que realmente está ocorrendo com as empresas não são bem-vistas por agentes do mercado, que preferem más notícias verdadeiras do que boas notícias falsas. A meu ver, eles têm razão, pois notícias boas e falsas não passam de fake news, que desagradam a quem quer analisar empresas e terminam por depreciar o seu valor econômico e de mercado. A tendência em prol de mais transparência e mais verdade, em minha visão, é irreversível.
Acionista – Tratemos de sustentabilidade e ESG – Environmental, Social and Governance. Como o senhor percebe o amadurecimento desses temas no mercado de capitais nacional?
Percebo dois movimentos muito importantes, paralelos e concomitantes. Por um lado, investidores, profissionais de investimento, líderes de empresas e consumidores – todos esses agentes – têm passado por mudança cultural, cada vez mais reconhecendo a importância das boas práticas de gestão socioambiental, de um crescimento responsável da economia. De uma governança corporativa voltada não apenas para o resultado econômico, mas também preocupada com o Planeta e a sociedade. As mudanças climáticas e a pandemia COVID têm trazido à mesa a necessidade de trabalhar no assunto, que não é apenas da esfera dos governos, mas das organizações e de todos os cidadãos.
Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, também percebo certo esfriamento no campo das iniciativas socioambientais, por parte dos governos e das organizações, em decorrência da própria crise COVID e da inflação global. Penso que esta não é uma percepção apenas minha, mas de várias pessoas do mercado com quem tenho a oportunidade de compartilhar insights.
Sobre o arrefecimento das iniciativas socioambientais, especificamente, entendo ser preciso ação em prol da sustentabilidade, advinda do convencimento. Por vezes, a pressão autorregulatória é necessária. Pontualmente, regulatória ou mesmo legislativa. No âmbito do mercado, investidores, profissionais de investimentos e vários agentes têm cobrado mudanças, mas entendo que é preciso um trabalho intenso em relação aos sócios controladores e seus representantes nos conselhos de administração. Mudanças tendem a ser mais aceleradas, quando quem detém maior poder de decisão decide.
Como convencer quem decide a se decidir em prol da sustentabilidade e de ESG? Vários eventos têm ajudado no processo de abrir cabeças, forçando pessoas a saírem de suas bolhas e a mudarem seu modo de ver o mundo; como por exemplo, a revolução digital e novas tecnologias que surgem a cada dia. A própria crise COVID deixou mais clara a grande desigualdade social que existe ao redor do mundo. Mas é preciso mais. Os riscos socioambientais são crescentes; sendo assim, é preciso romper outras bolhas e agir. E em minha visão, não é necessário esperar imposições de estado para criar mudanças, elas podem ser criadas pela conscientização das pessoas.
Acionista – O senhor mencionou a importância da conscientização de sócios controladores e conselheiros de administração em prol da sustentabilidade e de ESG. Como convencer essas pessoas sobre a importância desses temas?
Sou favorável a alternativas e soluções criadas no âmbito dos próprios mercados financeiros e de capitais, bem como nas empresas, com o forte apoio de instituições de ensino. Defendo a liberdade de escolha dos agentes do mercado e das empresas, além do conhecimento aplicado. E defendo a educação qualificada, continuada, sempre melhorada. Aliás, na resposta da segunda pergunta desta entrevista, mencionei o esforço de educação que tem sido feito pelas entidades do mercado, o qual merece ser enaltecido. Resumirei, portanto, meu pensamento em quatro palavras: educação continuada com qualidade.
Reconheço que a atuação da CVM e do Poder Legislativo é importante em situações específicas e pontuais, nas quais os agentes do mercado tenham dificuldades de chegar a consenso sobre o que deve ser feito. Mas mesmo nesses casos, reguladores e legisladores necessitam ouvir os agentes e evitar, tanto quanto possível, a imposição, privilegiando o diálogo e o entendimento. O mercado tem amadurecido muito em sua capacidade de se autorregular e de realizar.
Acionista – Qual seria sua mensagem final, nesta entrevista, em prol da governança, da sustentabilidade e de um futuro melhor?
Acredito em criar o futuro não pela dor, mas pelo amor. Não se trata de romantismo, mas de uma visão que privilegia uma postura proativa, de mudança de pensamento, de aprofundamento da mudança cultural. Não temos que esperar os riscos socioambientais se materializarem em mais sofrimento para muitos seres humanos para agirmos. O lucro e o retorno do investimento são necessários? Sim; até porque, sem eles, o futuro das empresas é incerto. Ao mesmo tempo, não é mais possível se dar bem no front econômico-financeiro de forma irresponsável, sem pensar em como isso deve ser buscado.
Sendo assim, o comprometimento de sócios e líderes empresariais com práticas socioambientais que considerem o futuro do Planeta e de nossas famílias é imprescindível. Acredito que a sustentabilidade e ESG são temas que simplesmente não podem faltar nas agendas e planos de ações corporativos. Com iniciativas concretas em prol de um futuro melhor, nossas famílias, netos e bisnetos certamente estarão a salvo.
Como as iniciativas mencionadas serão implementadas? Sob o prisma dos agentes do mercado, enfatizamos a necessidade da educação continuada, melhorada, paulatinamente enriquecida, agregando técnicas cada vez melhores para fazer refletir, no valor das empresas, a importância da sustentabilidade e gestão de riscos empresariais, percebidos pelos investidores e profissionais de investimento. Já sob o prisma dos sócios e líderes organizacionais, a resposta segue válida: educação continuada, e cada vez melhor, é o caminho do letramento, do livre convencimento, da quebra de bolhas e de mais mudança cultural.
Não tenho dúvidas de que a educação é o caminho que leva à mudança profunda, de dentro para fora, definitiva. Temos um longo trabalho pela frente nesse sentido. E aproveito, por fim, para desejar àqueles que nos leem, um Feliz Ano Novo, pleno de paz, saúde, alegrias e muito esforço educativo. Sim, temos muito trabalho pela frente nesse sentido. Com o empenho de cada um de nós, tenho certeza de que construiremos um mundo muito melhor.
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Economista pela FEA-USP, Haroldo Levy Neto é diretor técnico, coordenador da Comissão de Demonstrações Contábeis, coordenador de relações institucionais do CBPS – Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade e membro do Comitê ESG – APIMEC BRASIL.
É criador e coordenador do CODIM – Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado, de 2005 a 2020. É, ainda, coordenador geral do Seminário Internacional CPC anual, desde 2004, bem como coordenador do GE Notas Explicativas (CODIM/CPC), que deu origem ao OCPC 07.
Um dos criadores e vice-coordenador de Relações Institucionais do CPC, de 2006 a 2014, Haroldo Levy é um dos criadores, estruturador e diretor administrativo e de relações institucionais da FACPC, de 2010 a 2013. Foi membro do GT ISSB para a criação do CBPS – FACPC e da CBARI / IIRC, de 2012 a 2019, e de 08/2021 a 06/2022.
Ex-executivo do Banco Itaú, recebeu várias certificações e premiações:
- Certificado de Conselheiro de Administração e Conselheiro Fiscal – IBGC.
- CNPI – Certificado Nacional de Profissionais de Investimento – APIMEC BRASIL.
- Medalha Ernani Calbucci da Ordem do Mérito Contábil – CRC-SP.
- Prêmios “Analista de Valores Mobiliários” pela APIMEC-SP e pela APIMEC NACIONAL.