Entrevista com Sonia Consiglio, reconhecida em 2016 pelo Pacto Global da ONU como “SDG Pioneer”, uma das 10 pessoas do mundo que trabalham pelo avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS. É membro do Conselho Curador da FIA Business School, vice-presidente do Conselho Consultivo do CDP e membro do Conselho Técnico do Instituto Ekos Brasil. É conselheira de administração, membro de Comitês de Sustentabilidade e também colunista do Valor Investe. Sonia publicou o livro “#vivipraver – A história e as minhas histórias da sustentabilidade ao ESG” (Heloísa Belluzo Editora).
Acionista – Na sua visão, qual é a evolução e o atual status dos temas sustentabilidade e ESG no mundo?
Nos últimos 10 anos, principalmente, o mercado vem se estruturando nas questões ESG, com oportunidades concretas, como as bem-sucedidas emissões de título de dívidas – green bonds, sustainability liquid bonds. Há dinheiro na mesa e várias oportunidades.
A jornada da sustentabilidade chega a este momento com boas novidades, destacando-se um mercado global de carbono aprovado na COP 26, a Conferência da ONU de 2021, realizada na Escócia, além de novas regras legais e autoregulações. Para a COP 27, que ocorrerá em novembro, no Egito, há grande expectativa de avanços na implementação desse mercado. O atual momento é de estruturação, o que permitirá, adiante, mais avanços.
O que está acontecendo muda todos os preceitos com os quais temos vivido. Gosto de citar Al Gore, que afirmou, no ano passado, em uma live: “Estamos caminhando para a revolução da sustentabilidade, uma revolução na magnitude da revolução industrial, mas na velocidade da revolução digital”.
Acionista – E quanto ao ESG no Brasil, à luz do cenário internacional?
Minha visão sobre ESG no Brasil é muito positiva. Aliás, nosso País tem exercido papel histórico na jornada pela sustentabilidade. A ECO 92, no Rio de Janeiro, por exemplo, foi emblemática. Algo similar à Declaração Universal dos Direitos Humanos sobre meio ambiente nasceu ali. E, na Rio +20, surgiram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Em relação ao setor privado, que é meu ambiente de atuação, posso afirmar: não existe hoje uma iniciativa internacional de sustentabilidade corporativa que não tenha a participação de um brasileiro, seja liderando ou participando ativamente.
Em abril de 2022, Vincent Keaveny, prefeito da City Londrina, visitou o País, participou de várias reuniões e reconheceu: os bancos brasileiros estão no mesmo patamar dos bancos londrinos em finanças verdes, tecnologia, inovação. Esse é um exemplo de como as práticas corporativas brasileiras estão alinhadas ao que está acontecendo mundialmente.
Acionista – Como a pandemia da COVID-19 impactou a agenda ESG?
Primeiramente, levará algumas décadas para entendermos o que a pandemia da Covid-19 realmente significou: perdas de vidas, lockdown, grandes dúvidas sobre como gerar riqueza e alimentar famílias. Questões sociais sérias – como violência doméstica –, ambientais e econômicas muito complexas transformaram a nossa visão de mundo. Os desafios têm sido tremendos, e ainda estamos absorvendo tudo isso. E, antes do fim da pandemia, eis que surge uma guerra, da Rússia-Ucrânia, aumentando as incertezas.
Mas para ESG, especificamente, a pandemia foi um divisor de águas. Pela dor, percebemos que o mundo é interligado. Uma questão de saúde, portanto social, relacionada ao meio ambiente, colocou as economias em lockdown! Por isso, percebemos como nunca que é impossível separar esses fatores; eles estão interligados e não podem ser tratados como caixinhas isoladas.
Obviamente, a pandemia deu grande destaque ao S do ESG, por impactar diretamente as pessoas e, portanto, a dimensão social. As preocupações com funcionários, fornecedores, cadeia de valor e a interdependência entre todos cresceram muito, como não poderia deixar de ser. Pela dor, o social ganhou imensa atenção, e o S termina por se fortalecer nessa tragédia global.
Acionista – Frequentemente, sustentabilidade e administração de negócios correm em paralelo, sem pontos de conexão. Como é possível mudar esse quadro?
A meu ver, o principal desafio dos líderes empresariais é trazer as questões ESG para dentro da estratégia, de modo que esta seja transformacional e integre a cultura, o modo de ser da organização. Se o conselho de administração e a diretoria executiva, ao traçarem os rumos da empresa, por meio do planejamento estratégico, não integrarem as questões sociais, ambientais e de governança, associar essas questões à estratégia depois será muito mais difícil e bem menos eficaz. É até possível fazer, mas não é aconselhável.
Gosto de brincar que é importante não criar o que eu costumo chamar de puxadinho ESG. Depois que se tem o produto ou o serviço, como serão incluídas as questões socioambientais? Por falta de base, esse puxadinho corre sério risco de não se sustentar e cair.
Ao mesmo tempo, muitas empresas estão criando sua agenda ESG, com várias dúvidas sobre como fazer, por onde começar, qual caminho percorrer e como a implementar de modo perene. O desafio não é trivial, estamos tratando de um exercício que começa no conselho de administração, com implicações profundas nas operações. Se a agenda ESG não for discutida no conselho, o CEO e os demais executivos poderão até fazer um esforço relevante, se acreditarem em sua validade. Mas o esforço demandará mais energia. O conselho tem a visão de longo prazo e deve dar a direção.
Publiquei um artigo recentemente no jornal Valor Econômico com o título: “Ninguém dorme e acorda sustentável”. Ou seja, trata-se de uma jornada, que requer liderança e sabedoria, sem movimentos bruscos, pois, na força, não vai. A transformação não vem do enfrentamento, ainda que movimentos disruptivos planejados possam criar avanços.
Por fim, com uma visão mais ampla, em que constatamos que a comunidade de investidores e o setor financeiro têm entendido, cada vez mais, o valor agregado das questões sociais, ambientais e de governança, podemos concluir: existe uma boa possibilidade de mudança estrutural. Se no contexto da empresa, a sustentabilidade deve impregnar a estratégia, em um mundo predominantemente econômico-financeiro, é por meio de instrumentos econômico-financeiros que essas mudanças serão viabilizadas.
Acionista – Parte dos líderes empresariais parece entender ESG como meramente “reduzir a poluição” e “praticar filantropia corporativa”. Como a comunicação pode ajudar a mudar essa visão? Como especialista em comunicação, o que considera mais importante?
É preciso organizar as informações da agenda ESG e criar uma narrativa e uma comunicação eficaz, o que não é simples ou trivial. Muitos líderes de empresas expressam dúvidas legítimas e perguntam: o que a desigualdade social e o aquecimento global têm a ver com o nosso negócio, se devemos trabalhar para gerar lucro? O que nós temos a ver como a pobreza, com a desigualdade social na base da pirâmide? Com aquecimento global? Por que temos que nos envolver com essas questões, assumindo papeis que não são nossos?
Apenas dizer que o mundo está se tornando mais aquecido e que o nível do mar está subindo não cria mudanças, mesmo que os líderes empresariais estejam sensibilizados sobre esses fatos. A sustentabilidade precisa fazer sentido para o negócio. O discurso ESG precisa ter uma lógica condizente com o negócio, aproximando as dimensões ambiental, social e governança à econômica.
Em um artigo meu no Valor Econômico, publicado em abril de 2020, propus o uso da sigla EESG, que resume a lógica de interligar essas dimensões. Somente com essa aproximação das águas, líderes empresariais poderão concordar com a transformação. Esses profissionais são pessoas lógicas e focadas no que é preciso fazer, e, se o discurso não fizer sentido, não será aceito e incorporado.
Em suma, é preciso criar uma agenda ESG organizada, além, é claro, de uma comunicação eficaz e com empatia profunda no diálogo. Quando as pessoas têm ideias formadas, preconceitos, frequentemente, não querem ouvir, somente falar. Sendo assim, é preciso criar empatia, abrindo o espaço de escuta e “desarmando” a resistência. Nesse sentido, a linguagem é fundamental. Como profissional de comunicação, afirmo: ESG exige comunicação profundamente empática e escuta ativa do profissional que atua nesse front.
Acionista – Para quem imagina que ESG seja mais um “modismo corporativo”, mais uma sigla para “atravancar” o cotidiano das empresas, qual seria a sua mensagem? Especialmente a líderes corporativos porventura resistentes?
Primeiramente, ESG tem, realmente, algo de modismo, por ter ganhado o mundo. Gosto de brincar dizendo que é “a sigla mais famosa das galáxias” atualmente. Ao mesmo tempo, se pensarmos em modismo como uma onda que vai passar, ESG não é modismo. É sobrevivência e exige conscientização e entendimento profundo de suas premissas, sem o que, não é possível enfrentar o que precisa ser enfrentado.
Há quatro forças pressionando as empresas para a adoção da agenda ESG: consumidores, investidores, funcionários e a legislação. O mundo mudou; hoje temos expectativas impensáveis há alguns anos. Quando consideramos, por exemplo, a contratação de funcionários, muitas empresas, quando entrevistam candidatos, também são entrevistadas. Os candidatos perguntam: “Qual é o propósito da empresa? Qual é a sua política de diversidade? E o que faz pelo meio ambiente? ”. O que podemos concluir é que, para atrair ou reter talentos, é necessário ter uma agenda com estas questões.
Finalizo, enfatizando que a agenda ESG vai entrar na empresa por três caminhos: pelo amor, pela dor ou pela inteligência. Amor significa abraçar a sustentabilidade por uma questão de propósito, de querer ajudar a mudar o mundo para melhor. A dor é aquilo que de negativo pode ocorrer, como a destruição de imagem, a perda de reputação ou de valor econômico por uma crise social ou ambiental, por exemplo. Já a inteligência tem a ver com visão, com o entendimento do valor estratégico dessa agenda. Podemos nos perguntar: qual desses caminhos é o recomendável para implementar a agenda ESG na empresa: amor, dor ou inteligência? A resposta dependerá da cultura, maturidade e momento da empresa. Todos os caminhos são válidos, desde que levem à necessária mudança de modelo de que precisamos.
————————————————————
Nossa entrevistada Sonia Consiglio é jornalista e radialista, atua com sustentabilidade, comunicação e investimento social privado há mais de 20 anos. Foi executiva do BankBoston, Itaú Unibanco e B3 e atuou na Febraban. Foi reconhecida em 2016 pelo Pacto Global da ONU como “SDG Pioneer”, uma das dez pessoas do mundo que trabalham pelo avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS. É membro do Conselho Curador da FIA Business School, vice-presidente do Conselho Consultivo do CDP e membro do Conselho Técnico do Instituto Ekos Brasil. É conselheira de administração, membro de Comitês de Sustentabilidade e também colunista do Valor Investe. É autora do livro “#vivipraver – A história e as minhas histórias da sustentabilidade ao ESG” – Editora Heloísa Belluzzo. Foi presidente do Conselho Deliberativo do Índice de Sustentabilidade Empresarial – ISE por dez anos, presidente do Board da Rede Brasil do Pacto Global da ONU e do Conselho Consultivo da GRI Brasil e membro do Stakeholder Council da GRI – Global Reporting Initiative, Amsterdam.