Entrevista com Helmut Bossert, conselheiro consultivo na BlendON e mentor de aceleração de empresas, relações com investidores, ESG e IPO.

Acionista – Como especialista em Relações com Investidores (entre outros temas), o senhor tem defendido com ênfase, em seus estudos, a forte dilatação do canal de comunicação entre a Alta Administração de empresas e o mercado investidor. Poderia aqui explicar como fazer isso acontecer, na realidade prática?

Na Medicina, existe um dispositivo denominado stent, criado para tratar o entupimento de condutos, como as nossas artérias, de modo preventivo ou corretivo. O canal de comunicação mencionado na pergunta acima é um conduto, ao qual podemos transpor o conceito de stent. O que esse stent transposto à administração empresarial fará? Alargará o canal de comunicação Alta Administração-Mercado Investidor, por meio do uso de várias ferramentas de trabalho. Como uma imagem diz mais do que mil palavras, representamos, na figura a seguir, nossa ideia de stent:


Considerando a figura anterior, temos, do lado esquerdo (A), as ferramentas que os profissionais de RI corriqueiramente empregam, quais sejam:
 
– Website;
– Releases de desempenho trimestrais (comentários);
– Conference calls (teleconferências);
– Investor Day (dia do investidor);
– Assembleias;
– Programas de criação de liquidez;
– Informes ao custodiante; e,
– Outras ferramentas.
  
Do lado direito da figura (B), temos ferramentas mais sofisticadas, que exigem dos profissionais de RI habilidade e conhecimentos específicos. Tal conjunto de ferramentas operaria, na prática, como um stent, dilatando o canal bilateral de informações entre a Alta Administração, o mercado investidor e outros players. Citemos algumas dessas ferramentas:
 
– Programa de RI, detalhado e bem estruturado;
– Perception Study (estudo de percepção de desempenho);
– Peer Analysis (análise de competidores);
– Management, Discussion and Analysis (MD&A);
– Client Relationship Management (CRM);
– Non Deal Road Shows (NDRS);
– Conferências montadas por bancos;
– Análise crítica da base acionária;
– Análise financeira (WACC, ROE, ROI, capital de giro etc);
– Programas de targeting, com opiniões da Alta Administração;
– Reuniões one-on-one (individuais);
– Environmental, Sustainability & Governance (ESG);
– Inteligência Artificial; e,
– Outras ferramentas.
 
Considerando a segunda lista anterior, podemos identificar que ESG figura como ferramenta importante e que pode dilatar o canal de comunicação considerado. Qual é a ideia básica? Fundamentalmente, levar informação qualificada ao mercado (respeitadas as restrições que a legislação e a regulamentação do mercado impõem, em benefício da própria organização) e trazer para os líderes e demais administradores críticas qualificadas, ainda que contundentes. O mais importante é que as críticas sejam verdadeiras e contribuam para melhorias organizacionais. Destaco que, além de ESG, cada ferramenta integrante do grupo que denomino stent merece uma explicação específica de como deve ser implementada.
 
Acionista – Foquemos a ferramenta ESG: qual é a sua visão profissional sobre a sua aplicação na realidade organizacional?
 
ESG é uma ferramenta poderosa; todavia, como qualquer outra ferramenta, por melhor que esta seja, pode se tornar inócua, se a organização não fizer uso de maneira séria e disciplinada. Acrescento que em minha visão, a ferramenta ESG, aplicável à gestão da governança corporativa e da sustentabilidade, deve ser considerada sob duas perspectivas principais, cada qual com perguntas que devem ser respondidas (e bem!) pelos administradores de negócios:
 
1. Produto. Todo produto requer itens para sua existência (insumos). E todo produto cria impactos sobre o meio ambiente (externalidades). Sendo assim, é importante refletir sobre questões como: quais são os nossos produtos e seus insumos respectivos? O que eles provocam no ambiente externo? Esses insumos correm riscos de suprimento? De serem exauridos? De serem penalizados ou até proibidos pelos legisladores? De se tornarem tão onerosos que inviabilizarão a produção e/ou sua distribuição? O que o nosso negócio provoca no ambiente externo? Em que medida todos esses riscos são altos ou até intoleráveis?
 
2. Profissionais da empresa. Negócios são viabilizados na realidade prática pelas pessoas. E sobre os seres humanos, é imprescindível questionar: eles estão sendo respeitados pelos criadores e administradores do negócio? Sua saúde física está sendo monitorada e respeitada? E quanto à saúde mental? E quanto ao desenvolvimento de potencialidades humanas? Estamos fazendo o que nos cabe fazer para que essas potencialidades operem a favor da vida e do negócio?
 
Claro, é preciso criar retornos financeiros para investidores. Mas uma administração que crie valor de maneira sustentável, não apenas a curto prazo, não pode deixar de formular e responder a perguntas essenciais.
 
Acionista – Como ESG ajudaria a dilatar a comunicação Alta-Administração-Mercado?
 
ESG é um tema disseminado globalmente, mas a ferramenta não é sinônima de práticas como greenwashing, que o mercado investidor simplesmente abomina. Requer a identificação de indicadores-chave (Key Performance Indicators ou KPI´s), que têm que ser medidos, acompanhados, certificados e até previstos, sendo muito importantes para a administração estratégica de uma organização que leva governança e sustentabilidade a sério.
 
Quando as empresas adotam boas métricas, criam iniciativas (projetos) realmente focados em melhorá-las, e os investidores percebem seriedade e disciplina no trabalho, o canal Alta Administração-Mercado é naturalmente dilatado, pois as práticas relacionadas a governança, meio ambiente e questões sociais são realmente compreendidas e o futuro, em certa ou até em boa medida, antevisto, estando conectado com necessidades locais, regionais e planetárias.
 
Acionista – Neste ponto, fazemos uma provocação: os profissionais de RI terão condições práticas de absorver novas ferramentas em seu trabalho, considerando que suas agendas costumam ser abarrotadas?
 
Esta pergunta é muito importante e aproveito para lembrar, primeiramente, que as melhores empresas merecem as melhores ferramentas de trabalho. A palavra melhores se refere tanto à qualidade intrínseca de uma ferramenta quanto à sua aplicabilidade à organização que se considera, sempre tendo em mente a variável tempo. É importante ter em mente que a trajetória de uma empresa se dá de maneira evolutiva e que as melhorias ocorrem ao longo de um período de tempo que varia, conforme a organização.
 
Em segundo lugar, as ferramentas do grupo stent devem ser aplicadas na medida da capacidade da empresa de implementá-las adequadamente e que puderem ser absorvidas pela empresa dentro de um cronograma de planejamento razoável. Ao mesmo tempo, enfatizo: quanto mais inteligência na gestão de RI, melhor! E no caso de ESG, a ferramenta naturalmente dilata o canal de comunicação Alta Administração-Mercado, se bem empregada.
 
Por fim, várias ferramentas que estamos aqui tratando como inteligentes (e sem qualquer demérito das ferramentas tradicionais, enfatizo) serão melhor operacionalizadas por outras áreas da estrutura da empresa. Aos profissionais de RI, caberia, em grande medida, estudar e entender as ferramentas, usando-as em benefício de suas atividades, com o apoio de outras áreas.
 
Acionista – Finalizando, qual seria o melhor dos mundos para uma Área de Relações com Investidores?
 
Prefiro usar a expressão Área de RI de alto impacto, entendendo que o melhor dos mundos é quando a Alta Administração atua em perfeita harmonia com a área. A meu ver, é desejável que os profissionais de RI sejam altamente capacitados e capazes de lidar com várias ferramentas de trabalho, incluindo várias do grupo stent. Isso depende, em grande medida, da visão de sócios controladores e líderes organizacionais: como eles desejam que a área de RI opere? Como ela realmente pode trazer contribuições efetivas à administração do negócio? Estamos dispostos a ampliar o nível de inteligência em RI? Estamos dispostos a ter paciência para ver os resultados aparecerem? Nada como fazer boas perguntas para obter as respostas que precisam ser conhecidas. Aos profissionais de RI, ao mesmo tempo, recomendo: estudem, aprendam, qualifiquem-se para ajudar na criação de impactos positivos.
 
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Nosso entrevistado é conselheiro consultivo na BlendON, atuando como mentor de aceleração de empresas, relações com investidores, ESG e IPO. Foi o coordenador do IPO da SABESP em 2002 com a emissão de ADR nível III na New York Stock Exchange – NYSE e no Novo Mercado da Bovespa (B3 hoje). Foi o executivo responsável pela área de Relações com Investidores da Natura desde sua abertura de capital, em 2004, tendo coordenado o follow on, ocorrido em 2009. Atuou como corporate officer no Banco de Investimentos Unibanco, tendo também desempenhado as funções de sales officer, na área internacional, portfolio manager e analista de investimentos no mesmo Banco. Graduado em Economia pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), o conselheiro Helmut Bossert é Mestre em Finanças pela mesma Instituição. Ademais, cursou Mercado de Capitais na Universidade de São Paulo (USP), em nível de pós-graduação, com extensão na New York University (NYU).
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