(*) Harold Thau
O impacto da guerra entre a Rússia e a Ucrânia sobre o mercado brasileiro de capitais dependerá muito do tempo que o conflito irá durar. Neste período que já dura o conflito, vimos as commodities terem elevações significativas, por conta do risco de desabastecimento. Isto ocorre principalmente naquelas em que estes países são grandes produtores e exportadores. No caso russo, temos o petróleo, metais preciosos, fertilizantes, cevada e o trigo.
O Brasil é grande comprador de fertilizantes da Rússia (especialmente nitrogenados e potássicos) e exportador de soja, aves e café, em volumes não muito significativos. No caso ucraniano, o comércio exterior do Brasil com aquele país é reduzido. Todavia, a corrente de comércio entre estes países não retrata o impacto das dificuldades que serão trazidas para o Brasil. A Rússia é grande exportadora também de trigo, cevada e gás natural. O Brasil é dependente de importações de trigo e cevada. Apesar de importar de outros países geograficamente mais próximos, o desequilíbrio entre a oferta e a demanda, deverá fazer os preços subirem. Os preços das commodities já vinham num processo temporal de elevação há muitos meses, decorrentes das baixas taxas de juros e da elevada liquidez mundial. Com a alta das commodities e da inflação nestes países, os governos dos países europeus e dos Estados Unidos, entre outros, devem promover uma elevação das taxas de juros a partir deste mês e a redução da liquidez. Com isto, a tendência dos gestores de recursos mundiais, inclusive dos brasileiros, será de redirecionar parte dos recursos investidos em ações para renda fixa. Desta forma, a perspectiva de desempenho dos principais índices para as Bolsas mundiais e para a B3 em 2022 deverá ser de queda. A B3 teve forte ingresso de capital estrangeiro nos dois primeiros meses de 2022, cerca de R$ 60 bilhões.
Com isto, a B3 teve um desempenho melhor do que as estrangeiras, nestes dois primeiros meses de 2022. Esta diferença de desempenho pode ser explicada pelo fato da taxa de juros no Brasil ter iniciado sua elevação a partir de 03/2021, enquanto os Bancos Centrais dos Estados Unidos e principais países da Europa devem começar a elevação com maior intensidade cerca de 12 meses depois, ou seja, a partir de 03/2022. Além disto, o Índice Bovespa teve péssimo desempenho em 2021, ao contrário das principais Bolsas mundiais, cujos índices operaram em alta.
A partir de 24/02/22, com o início do conflito Rússia X Ucrânia, as bolsas mundiais tiveram um desempenho muito pior que a brasileira. O pior desempenho de todos foi o da Bolsa da Rússia, que havia subido 15% em 2021 e acumula nos últimos 12 meses encerrados em 06/03/2022 o pior desempenho dentre todas, com uma queda de 35,3%, que poderia ser inclusive maior, se o governo russo não tivesse suspendido as negociações, a partir de 26/02/22. A partir do conflito, as previsões de alta da inflação e da taxa Selic no Brasil em 2022 começaram a se deslocar para cima nesta semana, em função da guerra. A inflação da faixa de 5,25% para 6% e a taxa Selic de 12,25% para 13%. Com isto, o mercado brasileiro de ações deve se tornar bastante seletivo neste ano, brindando setores defensivos, como Energia Elétrica, Água/Saneamento, Telecomunicações, setores ligados as necessidades básicas da população, o agribusiness e as grandes corporações do setor financeiro. Outro ponto a destacar, é que a forte valorização do Real frente ao Dólar em fevereiro, torna interessante para o investidor estrangeiro vender suas ações no Brasil, converter os reais valorizados em mais dólares e remetê-los para seus países de origem. A inflação e juros elevados previstos para 2022 no Brasil, assim como um crescimento pífio do PIB brasileiro da ordem de 0,5%, são outras variáveis ruins. As eleições presidenciais em outubro no Brasil são um outro fator de incertezas. Desta forma, para 2022 a nossa previsão é de continuidade da tendência de baixa da bolsa brasileira. Gostaríamos também de destacar que as empresas brasileiras que quiserem abrir seu capital, promovendo o lançamento de suas ações em 2022 deverão enfrentar dificuldades maiores. A quantidade de aberturas de capital deve ser bem menor, e o preço de emissão das ações também, em relação àqueles que ocorreram em 2021. O melhor caminho para as empresas captarem recursos, possivelmente seja a emissão de bonds no exterior, emitir debêntures conversíveis em ações no Brasil, ou ainda buscarem financiamentos em entidades como o BNDES ou IFC do Banco Mundial. Em 2021 o volume captado pelas empresas abertas com a emissão de ações registradas na CVM foi de R$ 130,7 bilhões.
(*) Harold Thau (CNPI) é administrador de empresas, pós-graduado (FGV), membro do Conselho da Apimec Brasil e ex-presidente da Apimec–SP. É também sócio fundador da Técnica (empresa de análise registrada na Apimec).